San Juan y Martínez, Cuba, 2/3/2015 – “É preciso esperar” e “disso não se fala muito” são as respostas de trabalhadores do setor do tabaco neste município do leste cubano, quando se pergunta sobre suas expectativas diante da possível abertura do mercado norte-americano.
“Se (a empresa comercial) vender mais, penso que nos pagarão melhor”, disse Berta Borrego, que estende folhas verdes e seleciona as capas (folhas secas) há mais de 30 anos em San Juan y Martínez, na província de Pinar del Río, 180 quilômetros a oeste de Havana.
A região de Vuelta Abajo, especialmente San Juan y Martínez, San Luis, Guane e o município de Pinar del Río, combina o clima e os solos adequados junto com uma cultura agrícola e industrial centenária para obter os melhores puros tipo premium ou feitos à mão do mundo. Somente nesta área são cultivados anualmente 15.940 hectares da planta, quarto item de exportação de Cuba.
Sem deixar de manipular tabaco na propriedade Rosário, Borrego afirmou à IPS que entre os trabalhadores “pouco se fala” sobre os benefícios que receberiam caso seja flexibilizado o embargo econômico que os Estados Unidos impõem à Cuba desde 1962, como parte do atual processo de normalização das relações bilaterais.
Borrego disse que “seria bom” entrar nesse mercado proibido para os produtores de charutos cubanos há mais de meio século. E destacou que aumentar o pagamento para os diaristas e produtores incentivaria a mão de obra, “que é escassa tanto de mulher quanto de homem, porque as pessoas não gostam do campo”.
De frutos proibidos, os puros, o rum e o café cubanos representam uma oportunidade comercial e de investimento para Havana e Washington, se progredir a abertura dos vínculos bilaterais, um processo que só no dia 27 de fevereiro chegou à sua segunda rodada de conversações entre representantes dos dois países.
Os charutos cubanos são tomados como símbolo do degelo Havana-Washington, desde que alguém presenteou com um puro o presidente norte-americano, Barack Obama, na noite do dia 17 de dezembro, durante uma recepção na Casa Branca, horas depois do anúncio solene da normalização das relações bilaterais.
Entre as primeiras medidas aprovadas por Washington para aumentar o intercâmbio econômico e de todo tipo com Cuba, está a permissão aos turistas norte-americanos que visitarem Cuba de voltar para casa com até US$ 100 em tabaco e rum produzidos na ilha.
Mas ainda está proibida a venda de puros cubanos nas lojas norte-americanas, onde dominam as produções da Nicarágua e da República Dominicana, nem os empresários norte-americanos podem investir no setor do tabaco local. Além disso, a dissolução do bloqueio econômico contra Cuba depende do Congresso norte-americano e não do governo.
Porém, quando essa medida chegar, as vendas anuais de charutos no mercado norte-americano serão de US$ 250 milhões, no mínimo, segundo cálculos da única empresa que comercializa os puros cubanos no mundo, a Habanos SA, uma empresa mista da estatal Tabacuba e da britânica Imperial Tobacco Group PLC. A corporação estima que seria possível comercializar 150 milhões de unidades das 27 reconhecidas marcas de havanos, quando esse mercado for aberto.
A possibilidade de os visitantes importarem US$ 100 em tabaco foi considerada “simbolismo” por Jorge Luis Fernández Maique, vice-presidente da empresa anglo-cubana, durante o XVII Festival do Havano, que aconteceu entre os dias 23 e 27, em Havana, e teve 1.650 participantes de 60 países.
“Não será grande o aumento de vendas em Cuba”, previu o empresário durante a festa anual, com visitas a plantações, fábricas, leilões de umidores (estojos para conservação dos charutos), exposições de arte e degustações de harmonização de puros com vinhos, runs e comidas.
Nas lojas especializadas Casa del Habano – com mais de 140 estabelecimentos em outras latitudes – uma caixa de 20 unidades de Cohíba Mini (puros selecionados) custa US$ 12, enquanto chega a cerca de US$ 50 um único charuto de um tipo muito grosso dessa emblemática marca.
Os premium nascem de um meticuloso processo de semeadura, seleção, secagem, fermentação, torcedura, e até maturação, que envolvem milhares de mãos humildes e curtidas como as do diarista Luis Camejo, que dedicou oito de seus 33 anos à safra do tabaco.
Durante a campanha de outubro a março, Camejo escolhe tabaco, prepara a armação (onde as folhas são colocadas para secagem) que capina na fazenda Rosário. Também se mostra reservado quanto a chegarem até ele, no curto prazo, benefícios por um aumento no comércio com os Estados Unidos. “Não sei dizer”, afirmou à IPS.
Camejo contou que recebe 1.200 pesos cubanos (US$ 50) por mês durante a safra e um uma quantia a mais em moeda conversível em relação ao dólar depois que o patrão vende a colheita para as empresas estatais. Sua condição melhoraria se aumentarem os pagamentos pelos mesmos trabalhos agrícolas que realiza hoje, disse.
Esse salário supera a média de US$ 19 pagos aos trabalhadores do setor estatal, maior empregador do país. Mas não basta para atender as necessidades quando os alimentos absorvem entre 59% e 75% dos gastos familiares, segundo o estatal Centro de Estudos da Economia de Cuba.
“Para dominar mercados temos que crescer para cima, isto é, em qualidade e rendimento, porque Vuelta Abajo não cresce mais”, disse Iván Máximo Pérez, dono dessa plantação, de 5,4 hectares e rendimento de 2,5 toneladas de folhas por hectare. “Nosso teto de produção é o céu aberto”, acrescentou, rindo, à IPS.
A seu ver, “o tabaco é rentável na medida em que o produtor é eficiente. As colheitas atuais são suficientes para me permitir algum luxo”, confessou Pérez. Também disse que continua plantando a folha porque “é seguro, já que o Estado compra tudo o que produzimos, a preços fixos por qualidade”.
Conhecido como Galego entre sua gente, por causa de seus ancestrais espanhóis, Pérez aplica novas tecnologias em sua fazenda onde trabalham dez empregados e oito empregadas e pertence a uma das cooperativas de crédito e serviços que apoiam os produtores.
Ele possui um viveiro próprio moderno, incursiona na agricultura de conservação, aplica a dupla fileira que eleva em 20% o número de plantas em igual superfície, semeia diversas variedades, aplica apenas 30% de inseticidas e adubos verdes.
“Nunca pensei em chegar aos rendimentos atuais. A aplicação da ciência e da técnica me deu outra visão do tabaco”, disse o “verguero”, com se chama em Cuba os proprietários de plantações de tabaco.
Os havanos e o mercado
Em 2014, a Tabacuba iniciou um plano de desenvolvimento para duplicar nos próximos cinco anos a produção da folha, que tem lugar nas 15 províncias cubanas por parte de mais de 16 mil produtores, em sua maioria privados e do setor cooperativo.
Fontes especializadas indicam que Cuba se destaca pela qualidade de seu tabaco, mas não figura entre os principais produtores do mundo (China, Estados Unidos, Brasil, Índia e Turquia, nessa ordem), nem entre os de maior rendimento (Taiwan, Espanha Itália, Japão e Estados Unidos).
De fato, devido a conflitos bélicos em diversas partes do mundo, elevadas tarifas alfandegárias e alterações climáticas em Cuba, as vendas da Habanos SA foram de US$ 439 milhões em 2014, uma queda de 1% em relação ao ano anterior. Envolverde/IPS