O manifesto abaixo contesta a credibilidade da administração da Universidade de São Paulo para erigir um monumento em homenagem às vítimas da repressão do regime ditatorial de 1964. Os signatários reconhecem a necessidade de homenagear as vítimas, mas afirmam que essa homenagem deveria começar por uma autêntica democratização da universidade. Entre outras coisas os signatários contestam a denominação aceita no monumento de “Revolução de 1964”, expressão que a comunidade acadêmica não aceita para caracterizar o movimento ditatorial.
MANIFESTO PELA DEMOCRATIZAÇÃO DA USP
Nós, perseguidos pelo regime militar, parentes dos companheiros assassinados durante esses anos sombrios e defensores dos princípios por eles almejados assinamos este manifesto como forma de recusa ao monumento que está sendo construído em homenagem às chamadas “vítimas de 1964” na Praça do Relógio, Cidade Universitária, São Paulo.
Um monumento na USP já deveria há muito estar erguido. É justo, necessário, e precisa ser feito. Porém, não aceitamos receber essa homenagem de uma reitoria que reatualiza o caráter autoritário e antidemocrático das estruturas de poder da USP, reiterando dispositivos e práticas forjadas durante a ditadura militar, tais como perseguições políticas, intimidações pessoais e recurso ao aparato militar como mediador de conflitos sociais. Ao fazer isso, essa reitoria despreza a memória dos que foram perseguidos e punidos pelo Estado brasileiro e pela Universidade de São Paulo por defenderem a democratização radical de ambos.
Esse desprezo pela memória dos que sofreram por defender a democracia, dentro e fora da Universidade, se manifesta claramente na placa que inaugurava a construção de tal monumento. A expressão “Vítimas da Revolução de 1964” contém duas graves deturpações: nomeia de “vítimas” os que não recearam enfrentar a violência armada, e, mais problemático ainda, de “revolução de 1964” o golpe militar ilegal e ilegítimo.
Essa deturpação da linguagem não é, portanto, fortuita. Resulta da ideologia autoritária predominante na alta cúpula da USP.
Durante a ditadura, essa ideologia autoritária levou a direção central da USP a perseguir, espionar, afastar e delatar muitos dos que então resistiam à barbárie disseminada na Universidade e na sociedade brasileira como um todo. Ainda macula a imagem desta Universidade a dura lembrança (i) dos inquéritos policiais-militares, instaurados com apoio ou conivência da reitoria; (ii) das comissões secretas de vigilância e perseguição; (iii) das delações oficiais de alunos, funcionários e professores para as forças de repressão federais e estaduais; (iv) da mobilização do aparato militar na invasão do Crusp e da Faculdade de Filosofia em 1968; (v) da colaboração quase institucional da USP, na figura do seu então reitor, Luis Antonio Gama e Silva, na redação do Ato Institucional Número 5 (AI-5); e (vi) da aprovação, por Decreto, do regimento disciplinar de 1972, que veda a docentes e discentes qualquer forma de participação política e confere à reitoria poder para perseguir os que o fazem.
Atualmente, essa mesma prática autoritária se manifesta não apenas na inadmissível preservação e utilização do regimento disciplinar de 1972 para apoiar perseguições políticas no interior da Universidade, mas também (i) na reiterada recusa da administração central da USP em reformar o seu estatuto antidemocrático, mais afeito ao arcabouço jurídico da ditadura militar do que à Constituição Federal de 1988; (ii) na forma pouco democrática das eleições dos dirigentes da USP, que assume sua forma mais absurda no processo de escolha do reitor por meio de um colégio eleitoral que representa menos de 1% da comunidade universitária; (iii) na ingerência do governo do Estado na eleição do reitor desta Universidade; (iv) e, mais grave ainda, na recorrente mobilização da força policial-militar para a resolução de conflitos políticos no interior desta universidade, tal como ocorreu, recentemente, na desocupação da reitoria da USP.
Nesse sentido, em memória dos que combateram as práticas da barbárie autoritária e suas manifestações, defendemos que a melhor forma de homenagear os muitos uspianos e demais brasileiros que tombaram nesta luta não é um monumento, mas, sim, a adoção dos princípios verdadeiramente democráticos em nossa Universidade, o que demanda o fim do convênio com a Polícia Militar, bem como o fim das perseguições políticas pela reitoria e pelo governo de São Paulo a 98 estudantes e cinco dirigentes sindicais, por meio de processos administrativos e penais, e a imediata instauração de uma estatuinte livre, democrática e soberana, eleita e constituída exclusivamente para este fim.
Para assinar o documento a seguir, enviar e-mail para [email protected], informando nome completo e em qual condição o subscreve. Esta lista receberá os nomes dos signatários, e passará a ser atualizada diariamente à medida que as assinaturas cheguem.
Assinatura de familiares de mortos e desaparecidos, de ex-presos e perseguidos pela ditadura. Uspianos e não uspianos:
Takao Amano*
(Advogado, ex-preso político e exilado)
Luiz Dagobert de Aguirra Roncari**
(Professor de Literatura Brasileira da USP, ex-preso político)
Adriano Diogo*
(Geólogo, deputado estadual, ex-preso político)
Artur Scavone**
(Estudante, ex-preso político)
Florestan Fernandes
(Família assina em memória)
Carlos Neder*
(Médico, vereador, ex-preso político)
Chico de Oliveira**
(Professor emérito da USP, ex-preso político)
Leonel Itaussu Almeida Mello**
(Professor titular de Sociologia da USP, ex-preso político)
Carmem Silvia Vidigal**
José Damião de Lima Trindade*
(Procurador do Estado de São Paulo, ex-preso político)
Carlos Eugênio Paz***
Luís Carlos Prestes
(Família assina em memória)
Mário Maestri***
Emir Sader*
(Professor aposentado da USP, professor de Sociologia da UFRJ, perseguido pela ditadura)
Fernando Ponte de Souza*
Bento Prado Jr.
(Família assina em memória)
Anivaldo Padilha***
Marly de Almeida Vianna***
Carlos Alberto Lobão Cunha*
Lúcia Rodrigues*
Maura Gerbi Veiga*
(Professora e perseguida pela ditadura)
Núcleo de Preservação da Memória Política
Luiz Costa Lima***
(Professor de Teoria Literária da PUC-RJ, ex-preso político)
John Kennedy Ferreira***
Rui Falcão*
(Advogado, deputado estadual, ex-preso político)
Ivan Seixas***
(Ex-preso político)
Enzo Luis Nico Jr.*
(Perseguido pela ditadura e exilado)
Luiz Siveira Menna Barreto**
Laura Christina Mello de Aquino*
Emília Viotti da Costa**
(Professora aposentada da USP, afastada da Universidade pelo AI-5)
Jonas Tadeu Silva Malaco**
Ana Barone**
Zillah Branco*
Décio Teixeira Noronha***
Aton Fon Filho***
(Advogado, ex-preso político)
Benjamin Abdala Junior**
(Professor titular da USP, ex-preso político)
(*) Ex-uspiano
(**) Em atividade na USP
(***) Não uspiano
Muitos dos signatários acima além de presos e/ou exilados, tiveram seus direitos políticos cassados, foram torturadas ou aposentadas compulsoriamente.
Assinatura de professores da USP e de outras universidades brasileiras
Marilena Chaui (USP/Filosofia)
Jorge Luiz Souto Maior (USP/Direito)
Heloísa Fernandes (USP/DS)
Henrique Fernandes Silveira (USJT/Filosofia)
João Adolfo Hansen (USP/DLCV)
Fábio Konder Comparato (USP/Direito)
Maria Victoria de Mesquita Benevides (USP/FE)
Daciberg Lima Goncalves (USP/IME)
Benicio Jose de Souza (USP/Poli)
Chico de Oliveira (USP/DS)
Leonel Itaussu Almeida Mello (USP/DS)
Klara Kaiser Mori (USP/FAU)
Leda Paulani (USP/FEA)
Carmem Silvia Vidigal (USP/FE)
José Damião de Lima Trindade (USP)
Sandra Galheigo (USP/FMUSP)
Nelson Fiedler Ferrara Junior (USP/IF)
Luiz Dagobert de Aguirra Roncari (USP/DLCV)
Luiz Siveira Menna Barreto (USP/EACH)
Emília Viotti da Costa (USP/DS)
Jonas Tadeu Silva Malaco (FAU/USP)
Benjamin Abdala Junior (USP/DLCV)
Ianni Regia Scarcelli (USP/IP)
Cilaine Alves Cunha (USP/DLCV)
Luiz Renato Martins (USP/ECA)
Paulo Capel Narvai (USP/FSP)
Ricardo Musse (USP/DS)
Gilberto Bercovici (USP/Direito)
Deisy Ventura (USP/IRI)
Adma Muhana (USP/DLCV)
Eleuterio F S Prado (USP/FEA)
Mario Miguel González (USP/DLM)
Paulo Eduardo Arantes (USP/Filosofia)
Vladimir Safatle (USP/Filosofia)
Francisco Miraglia (USP/IME)
Leon Kossovitch (USP/Filosofia)
Lincoln Secco (USP/DH)
Flavio Aguiar (USP/DLCV)
Mayra Laudanna (USP/IEB)
Otilia Beatriz Fiori Arantes (USP/Filosofia)
Carlos Roberto Monteiro de Andrade (USP/IAU)
Celso Fernando Favaretto (USP/FEUSP)
Henrique Carneiro (USP/DH)
Ana Fani Alessandri Carlos (USP/DG)
Tania Macêdo (USP/DLCV)
Laura Camargo Macruz Feuerwerker (USP/FSP)
Sandra Guardini T. Vasconcelos (USP/DLM)
Sergio Cardoso (USP/Filosofia)
Adriano H. R. Biava (FEA/USP)
Adrián Fanjul (USP/DLM)
Elisabeth Silva Lopes (USP/EAD)
Vera Silva Telles (USP/DS)
Pablo Ortellado (USP/EACH)
Vitor Henrique Paro (USP/FEUSP)
Luiz Armando Bagolin (IEB/USP)
Osvaldo Coggiola (USP/DH)
Marta Maria Chagas de Carvalho (USP/FEUSP)
Paulo Silveira Filho (USP/DS)
Francisco Alambert (USP/DH)
Paulo Martins (USP/DLCV)
Sean Purdy (USP/DH)
Marcus Orione (USP/Direito)
Luiz Armando Bagolin (USP/IEB)
Áquilas Mendes (USP/FSP)
Iumna Maria Simon (USP/DTLLC)
Mário Henrique Simão D Agostino (USP/FAU)
Helder Garmes (USP/DLCV)
Ruy Braga (USP/DS)
Marcia Gobbi (USP/FEUSP)
Marília Pinto de Carvalho (USP/FEUSP)
Francis Henrik Aubert (USP/DLM)
Iris Kantor (USP/DH)
Laurindo Lalo Leal Filho (USP/ECA)
Vera Pallamin (USP/ FAU)
Jefferson Agostini Mello (USP/EACH)
Jorge Machado (USP/EACH)
Ciro Teixeira Correia (USP/IG)
Cristina Wissenbach (USP/DH)
Marco Aurélio Vannucchi (USP)
José Maria Soares Barata (USP/FSP)
Antonio Araújo (USP/ECA)
José Batista Dal Farra Martins (USP/ECA)
Rosangela Sarteschi (USP/FFLCH)
Marcia Arruda Franco (USP/FFLCH)
Carlos Serrano (USP/FFLCH)
Renato da Silva Queiroz (USP/ FFLCH)
Jorge de Almeida (USP/DTLLC)
Francisco Murari Pires (USP/DH)
Marta Inez Medeiros Marques (USP/DG)
Hélio de Seixas Guimarães (USP/ DLCV)
Roberta Barni (USP/DLM)
Valdir Heitor Barzotto (USP/FE)
Claudia Rosa Riolfi (USP/FE)
Mauricio Cardoso (USP/DH)
Mamede Jarouche (USP/DLO)
Vima Lia de Rossi Martin (USP/DLCV)
Elisabetta Santoro (USP/DLM)
Cristiane Maria Cornelia Gottschalk (USP/FE)
Carmen Sylvia Vidigal Moraes (USP/FEUSP)
Salete de Almeida Cara (USP/ FFLCH)
Luiz Cláudio Ribeiro Galvão (USP/Poli)
Christian Ingo Lenz Dunker (USP/IP)
Maria Dea Conti Nunes (USP)
Luís César Guimarães Oliva (USP/USP)
Iray Carone (USP/IP)
Maria Isabel de Almeida (USP/FE)
Nair Yumiko Kobashi (USP/ECA)
Fátima Corrêa Oliver (USP/FMUSP)
Denise Dias Barros (USP/FMUSP)
Neide T. Maia González (USP/DLM)
Adriana Kanzepolsky (USP/ DLM)
Joel La Laina Sene (USP/ECA)
Jaime Solares Carmona (USP/FAU)
Patrícia Noronha (USP/ECA Unicamp/CAC)
Arley R. Moreno (Unicamp/Filosofia)
Maria Rita de Almeida Toledo (Unifesp/HISTÓRIA)
Marcos Del Roio (Unesp/FCC)
Caio Toledo (Unicamp)
Anita Leocádia Benário Prestes (UFRJ/História)
Roberto Leher (UFRJ)
Lincoln de Abreu Penna (UFRJ)
Francisco Foot Hardman (Unicamp/IEL)
Márcio Bilharinho Naves (Unicamp/IFCH)
Maria Ribeiro do Valle (Unesp/FLC/Araraquara)
Amarildo Ferreira Junior (UFSCar)
Carlos Zacarias F. de Sena Jr. (UFBA/FFCH)
Milton Pinheiro (Uneb/ICP)
Patrícia Vieira Trópia (UFU)
Sérgio Braga (UFPR)
Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida (PUC/SP)
Margareth Rago (Unicamp)
João Francisco Tidei Lima (Unesp)
Ricardo Martins Valle (UESB)
Carlos Zeron (USP/História)
Paulo Henrique Martinez (Unesp/História)
Maurício Vieira Martins (UFF/Sociologia)
Jorge Antunes (UnB/Música)
Diorge Alceno Konrad (UFSM/História)
Glaucia Vieira Ramos Konrad (UFSM)
José Menezes Gomes (UFMA)
Sérgio Prieb (UFSM/Economia)
José Jonas Duarte da Costa (UFPB)
Marília Flores Seixas de Oliveira (UESB)
Guilherme Amaral Luz (UFU)
Anita Handfas (UFRJ)
Sérgio Alcides (UFMG)
Jacyntho Lins Brandão (UFMG)
Aldo Duran Gil (UFU)
Lavinia Silvares (Unifesp)
Reinaldo A. Carcanholo (UFES)
Tania de Luca (Unifesp)
Hélio Moreira da Costa Júnior (UFAC)
Elza Margarida de Mendonça Peixoto (UFBA)
Marcelo Milan (UFRGS)
Modesto Carone (Unicamp/Teoria Literária)
Valdo José Cavallet (UFPR)
Ivan Rodrigues Martin (UNIFESP)
Ricardo Antunes (Unicamp)
* Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.