Havana, Cuba, 27/4/2011 – A abertura de Cuba para a iniciativa privada ainda deixa de fora muitos profissionais que não encontram resposta para suas potencialidades em áreas alheias ao Estado, embora não percam a esperança de mudanças nas atuais regras do jogo. O trabalho autônomo está encarregado de oferecer opções para quem perde seu emprego no “reordenamento” trabalhista que realiza o governo de Raúl Castro, a fim de reduzir o excesso de pessoal empregado pelo Estado e aumentar a produtividade do trabalho. Supõe que, ao fim de cinco anos, o setor estatal terá reduzido mais de um milhão de postos de trabalho.
Contudo, das 178 atividades autorizadas a serem exercidas de maneira autônoma, apenas duas ou três atendem pessoas com preparo um pouco acima da média e ainda assim com limitações. Quem dá aulas particulares, por exemplo, não pode integrar o corpo docente na escola. “Quando disse que sou engenheiro civil me olharam torto, e uma funcionária me aconselhou a vender lanches, pois ganharia mais”, contou uma pessoa que se identificou com S. Piña Basset em carta, enviada ao jornal oficial Granma, sobre suas indagações no Ministério do Trabalho e Assistência Social para conhecer detalhes do assunto.
Com 37 anos de experiência acumulada na profissão, Basset queria aproveitar a oportunidade como autônomo, única atividade que parecia adequar-se às possibilidades em sua profissão. É que uma pesquisa que fez mostrou que havia mercado e possibilidades para associar-se a outras pessoas e se dedicar à construção de casas ou outros projetos afins.
Insatisfeito com a resposta do Ministério, onde disseram que os profissionais universitários não podem exercer esse trabalho por conta própria, decidiu “esperar pelas orientações e por esclarecimentos que devem chegar das entidades responsáveis” pelo caso. Não foi possível localizá-lo para saber o resultado de sua espera.
Entretanto, a uma pergunta da IPS o vice-ministro do Trabalho, Carlos Mateu, confirmou que a opção única em matéria construtiva para profissionais desse perfil é a de contratados privados, sempre que os convênios “interessarem” às entidades estatais autorizadas para essa função, entre as quais mencionou o Escritório do Historiador da Cidade de Havana e a empresa Palco.
“Se não há interesse em ter um contratado, não se estabelece a relação”, disse Mateu, que também esclareceu que não está previsto divulgar nova lista de ofícios que podem ser exercidos de maneira autônoma ou independente do Estado. “Se houver uma grande quantidade de pessoas interessadas em determinada atividade, se avaliaria a conveniência de acrescentá-la”, acrescentou.
No último informe divulgado sobre o tema, Mateu disse que até o dia 8 deste mês foram registrados 201.116 novos autônomos. Assim, suas contas indicam que eram, até então, 301.033 os trabalhadores por conta própria, ao somá-los aos existentes segundo as disposições anteriores ao decreto que, em outubro, determinou a ampliação das possibilidades de trabalho não estatal.
Os ofícios de maior demanda continuam sendo preparador de alimentos e transportador de carga e passageiros. Também abundam as pessoas contratadas para trabalhar em uma das 80 atividades em que se permite essa modalidade, como aluguel de quartos e pequenos restaurantes, batizados em Cuba de “paladares”, desde seu surgimento na década de 1990.
“Em geral, todas as atividades são muito elementares e até pobres. Há um desestímulo ao enriquecimento pessoal, e assim tampouco se cria riqueza”, disse à IPS o arquiteto Mario Coyula, para quem “parece persistir o velho preconceito contra o trabalho por conta própria dos profissionais”. No entanto, o próprio desenvolvimento dos negócios privados precisa de pessoas especializadas para o projeto e a construção de suas instalações, a maioria delas feitas de maneira espontânea, sem controle e com escassos recursos.
“O resultado é um empobrecimento da imagem que distorce a cidade”, acrescentou Coyula. “O paradoxo é que há muitos arquitetos, aposentados ou não, que estariam dispostos a realizar os projetos das novas instalações e por isso cobrar razoavelmente. Estes projetos são tão simples que nenhuma empresa estatal estaria interessada neles”, afirmou. Em sua opinião, “é uma aberração um profissional universitário trabalhar como taxista ou vendedor de lanches, não podendo atuar em sua área. Se a demissão de funcionários continuar até o final do ano, haverá muitos arquitetos disponíveis, que não poderão trabalhar por conta própria em sua profissão”.
Para Coyula, “o trabalho independente de profissionais será uma necessidade, seja individual, em equipes ou cooperativas. Em minha opinião, o governo deve apoiar todas as formas de gerar emprego, em todas as áreas, se é que pretende acabar com o inchaço no serviço estatal. Tudo isso exige a urgente criação de uma base legal e, sobretudo, definir o alcance do conceito de propriedade”.
Segundo dados oficiais citados por pesquisadores, entre 1996 e 2008, se formaram no país 350.398 universitários. Nesse período, a quantidade de diplomados aumentou 4,7 vezes mais do que o produto interno bruto a preços constantes de 1997. As matrículas atuais nos centros de ensino superior são, em média, de meio milhão de pessoas.
As atividades autorizadas são “pouco intensivas em conhecimento e não permitem aproveitar o investimento em educação que durante décadas foi feito no país”, alertou o economista Pável Vidal em uma pesquisa à qual a IPS teve acesso. Nela acrescenta que as dificuldades financeiras podem frear a política creditícia aprovada para o emergente setor não estatal.
A flexibilização nesta matéria “tampouco permite a criação de pequenas e médias empresas com possibilidades de se integrarem ao setor produtivo nacional de maior escala, nem com possibilidades de gerar fundos exportáveis”, alertou Vidal, para quem o desenvolvimento desse tipo de gestão pode ter um papel importante no crescimento econômico do país.
No momento, muitos profissionais decidiram manter-se na expectativa das novidades que possam trazer as leis, resoluções e os regulamentos que nos próximos meses deverão ordenar as mudanças e as reformas acordadas no VI Congresso do Partido Comunista de Cuba, realizado este mês, para modernizar o modelo econômico. Envolverde/IPS