Porto Espanha, Trinidad e Tobago, 14/10/2013 – A Savana do Naranjal, em Trinidad e Tobago, fica aos pés da Cordilheira do Norte, cujas bacias fornecem abundante água doce aos aquíferos que se estendem sob estes espaços verdes. Mas a construção de um complexo desportivo no local alarmou a população. “Essa savana natural tem uma função ecológica crucial na redução das inundações que afetam as comunidades vizinhas, pois o aquífero absorve as águas superficiais através das pastagens, proporcionando um fornecimento hídrico permanente a milhares de famílias do oeste do país”, explicou Carol James, assessora política aposentada da Organização das Nações Unidas (ONU) especializada em desenvolvimento sustentável.
James disse à IPS que os planos do governo de construir um multimilionário complexo desportivo no local serão sinônimo de desastre para a área que por muitos é considerada o pulmão e a principal fonte de água deste país. “Na verdade, é a única série não contaminada de aquíferos deste tamanho em todo o corredor leste-oeste, que abastece comunidades significativas”, acrescentou. O de Aranguez, por exemplo, “já foi contaminado com água salgada e pesticidas, pela falta de um planejamento crucial nessa área ecologicamente delicada”, ressaltou James.
A Savana do Naranjal serve, há mais de 125 anos, como importante espaço desportivo e recreativo para as 250 mil pessoas que, se estima, vivem em Tacarigua e nas comunidades próximas. “Londres tem seu Hyde Park, Nova York seu Central Park, e Porto Espanha sua savana de Queens Park. A Savana do Naranjal representa a cada dia um oásis e uma meca para centenas de pessoas”, afirmou à IPS Peter Burke, presidente da organização Salvemos Nosso Espaço Verde. Nos últimos 50 anos, os moradores viram como a savana passou de seus 50 hectares originais para 15 hectares, devido à construção de vários complexos desportivos e moradias particulares.
Segundo James, o significativo desenvolvimento da área metropolitana de Tacarigua foi um fator desencadeante de sérias inundações nos últimos 50 anos, pois o aquífero já não tinha capacidade para absorver as águas que rapidamente chegavam dos telhados, ruas e estradas. “A água caía mais rapidamente dos milhares de telhados do que de vegetação, mas a savana amortizou as inundações”, destacou. “A comunidade tem que entender, apreciar e proteger esse rico patrimônio natural, se deseja manter sua qualidade de vida”, pontuou.
O ministro de Esportes, Anil Roberts, defendeu a decisão de construir o complexo comunitário e insistiu que o projeto realmente potenciará o espaço verde. O complexo fornecerá serviços a mais de 200 mil cidadãos, afirmou em um programa de televisão, negando que a comunidade não tenha sido consultada. Roberts declarou que James e outros enganaram os milhares de moradores que assinaram uma petição contra o projeto, porque não lhes disseram que a obra “potenciaria seus centros esportivos e as vidas de suas famílias”. O projeto de Tacarigua é um de nove que estão sendo construídos no país, destacou o ministro.
As reuniões, das quais participam as organizações Salvemos Nosso Espaço Verde, Companhia de Desportes de Trinidad e Tobago e o ministro Roberts, até agora não levaram a um acordo. “Não nos opomos em absoluto a esse projeto, mas ao local escolhido para sua construção, devido à história e ao impacto que causará”, insistiu Burke.
Selwyn Cudjoe, conferencista e historiador de Trinidad e Tobago radicado nos Estados Unidos, também se opõe ao projeto. “Minha família e eu vivemos todas nossas vidas em Tacarigua”, contou à IPS. “Meu bisavô, Jonathan Cudjoe, e minha bisavó, Amelia Cudjoe, nasceram em Tacarigua, em 1833 e 1837, respectivamente. Isso significa que minha família é parte desta comunidade mesmo antes do fim da escravidão”, enfatizou.
“Como acadêmico, dediquei minha vida a documentar a importância de Tacarigua e de sua savana para a aldeia, o país e o mundo”, acrescentou Cudjoe. Em 1995, para comemorar os 350 anos de sua fundação, Cudjoe escreveu o livro Tacarigua, Uma Aldeia em Trinidad e Tobago, argumentando “a importância de nosso espaço verde comum, tão necessário para o desenvolvimento mental, físico e estético de nosso mundo”, afirmou.
“Travamos muitas batalhas para manter nossos espaços verdes”, explicou Cudjoe à IPS. Embora a população diga que não quer o complexo desportivo, o governo afirma o contrário e se impõe, acrescentou. “Então, temos que fazer algo simples: nos colocarmos diante dos tratores e deixar que passem por cima de nós”, ressaltou. Envolverde/IPS