Projeto do Fundo Vale dissemina práticas sustentáveis na criação de gado na Amazônia

por Elisa Homem de Mello –

Conduzido há 3 anos no Pará, o Pecuária Verde mostra que é possível alcançar bons resultados ao apostar na intensificação de pastagens, na restauração ecológica e no bem-estar na fazenda 

O termo ‘sustentabilidade’ nunca esteve tão presente na cultura de empresas dos mais variados segmentos. O que parecia ser apenas um bordão das chamadas “empresas verdes” é agora lei do mercado globalizado: quem não apresentar ações pautadas pelo tripé do desenvolvimento sustentável (econômico, social e ambiental) terá muito mais dificuldades para alcançar êxito em seus empreendimentos e também credibilidade junto a seus stakeholders.

Diante deste cenário, a agropecuária, considerada em 2000 pela FAO (órgão das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) como setor de alto impacto ambiental, contribuindo com 18% das emissões globais de gases relacionados com o efeito estufa (GEE) e com o desmatamento em muitos países, teve de repensar suas práticas e adequá-las às novas tendências da cadeia produtiva até chegar ao consumidor, agora também instruído para checar a procedência e o modo de manuseio da carne por meio dos certificados de origem. Foram implantadas melhorias em todo o sistema, com investimento na intensificação das pastagens, tecnologia de ponta, difusão de conhecimento e capacitação.

Entre os cases de sucesso do setor pecuário destaca-se o Projeto Pecuária Verde, sediado no município de Paragominas, nordeste do Pará, a cerca de 300 quilômetros de distância da capital Belém. Após Paragominas sair da lista dos municípios que mais desmatavam a Amazônia, o projeto tornou-se uma das principais linhas de frente para a adequação de passivos ambientais do município no âmbito da pecuária de corte.

As políticas públicas do Cadastro Ambiental Rural (CAR), instituídas pelo governo paraense a partir de junho de 2008, também contribuíram de maneira positiva para a diminuição do índice de violência da região, que já foi conhecida como “Paragobalas”. O município, segundo dados do Relatório de Atividades do Fundo Vale, ano base 2013, foi um dos que influenciaram na incorporação desse sistema no Código Florestal, em vigor em 2013. Ainda de acordo com o documento, o Pará tem hoje mais de 110 mil CAR, o que cobre quase que a metade da área cadastrável do estado.

Mauro Lúcio Costa, do CPRP. "Nosso CAR é diferente"  Paragominas (PA) Foto: EBVB
Mauro Lúcio Costa, do CPRP. “Nosso CAR é diferente” Paragominas (PA)
Foto: EBVB

De acordo com o diretor executivo do Pecuária Verde e presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas (SPRP), Mauro Lúcio Costa, o CAR serviu como ferramenta de gestão das propriedades e, mesmo após atingir os atuais 96% de terras cadastradas e ser o primeiro município a sair da lista dos que mais derrubam floresta na Amazônia, em 2010, o CAR continua sendo feito. “Nosso CAR é diferente do resto do estado do Pará e o monitoramento é uma forma de consertar nossos erros no campo, pois oferece um diagnóstico completo ao produtor, indicando as áreas aptas à pecuária ou  agricultura e os espaços que podem ser utilizados para a produção em conformidade com a legislação. Tudo isso ajuda o fazendeiro na tomada de decisões, no melhor gerenciamento dos negócios, além de colocá-lo dentro da legalidade”, explica Costa.

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Pecuária Verde – Iniciado em 2011 pelo Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas, em parceria com o Fundo Vale e a Dow AgroSciences, o Projeto Pecuária Verde tem como principal objetivo otimizar e intensificar a produção pecuária, evitando a abertura de novas áreas de pastagem e, ao mesmo tempo, proporcionando acondicionamento de maior quantidade de animais por hectare (hac)*. Também são focos deste trabalho a promoção do aumento da produtividade e da lucratividade dos produtores e o investimento na capacitação dos trabalhadores, produtores e técnicos.

Carina Pimenta, gerente do Fundo Vale, relata que o Pecuária Verde foi pensado a partir da diretriz de tornar possível a pecuária adaptável à sustentabilidade. “É possível ter na criação de gado uma economia rentável e, simultaneamente, com uma floresta em pé, com o uso pleno e racional dos recursos hídricos, sem falar na integração com o próprio município e melhora da qualidade de vida da população local. No entanto, é necessário investimento em tecnologia e capital humano, aliado à mudança na cultura do pecuarista, que trabalha da mesma forma há 400 anos”, afirma.

As Fazendas-Piloto, como são denominadas, participam de maneira engajada no projeto. “Nosso desafio agora é difundir o projeto e replicar os resultados positivos em novos locais. É preciso criar um interesse para que os produtores vejam de perto os benefícios do programa e o divulguem em larga escala”, pontua Carina.

Superação de expectativas – O sindicalista Costa revela que o projeto superou as expectativas do setor, ressaltando que os níveis de produtividade no sistema de pecuária intensiva estão bem acima dos níveis registrados com os sistemas tradicionais da pecuária extensiva. O nivelamento dos números de produção entre todas as propriedades participantes também surpreenderam: “No primeiro ano do projeto, existia uma diferença de 252% de nível de produtividade entre as fazendas, que caiu para 20% no segundo ano. O que mais nos chamou atenção foi o fato de que propriedades antes consideradas inferiores foram as que mais se destacaram. Isso mostra que investir em treinamento, capacitação e conhecimento melhoram o sistema produtivo de forma significativa”, avalia.

Após três anos de atividade, o Pecuária Verde já deixa alguns legados importantes para os produtores rurais: a conscientização de como trabalhar de acordo com a legislação e tendo pleno conhecimento da capacidade de produção e do potencial a ser explorado na propriedade. 

Aumento da produtividade e lucro – Em seu período de existência, o Fundo Vale ajudou a implantar um caminho possível para uma atividade mais sustentável. A média de produção de carne no Pará em 2003 era de 33 quilos por hectare ao ano. Nos dias de hoje, a cada hectare intensificado com a produção bovina, outros 10 são liberados para reflorestamento, recomposição de Área de Reserva Legal (ARL) e Área de Proteção Permanente (APP).

Do cenário de transformação, os seis melhores desempenhos do programa de boas práticas foram incorporados ao Pecuária Verde, que conta com a consultoria de pesquisadores renomados da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (ESALQ/USP), da Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP/Jaboticabal) e da ONG The Nature Conservancy (TNC).

Nos início, conta o Prof. Dr. Moacyr Corsi, da ESALQ, as propriedades foram avaliadas do jeito que estavam e ficou constatado que na pecuária tradicional que vinha sendo aplicada a margem líquida de lucro girava em torno de 0,7 arrobas por hectare, cerca de R$ 70,00/hac, uma rentabilidade tão baixa que torna o sistema insustentável. “Aparecendo outra oportunidade de uso de solo, os produtores migram para ela”, constata o especialista.

Os estudos realizados na ESALQ se preocupavam em buscar soluções para que a intensivação do processo produtivo de pastagem apresentasse rentabilidade semelhante a qualquer outra alternativa de utilização do solo. “O que se vê atualmente em muitos lugares é o prevalecimento da pecuária. Na minha visão, a integração verdadeira é quando a criação de gado e outra atividade agrícola se complementam em termos de rentabilidade. Ambas podem se alternar e a produção de carne ser capaz de proporcionar ganhos semelhantes aos da agricultura”, diz o professor.

Ao contrário do que pensa a maioria dos donos de propriedades, intensificar a produção de pastagem não significa adubar a área, mas sim analisar o sistema de produção para descobrir os “gargalos” e ajustar os problemas de infraestrutura dos pastos para torná-los mais eficientes.

Pecuária Verde: os bons números

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O Pecuária Verde contabiliza atualmente resultados muito satisfatórios. Em 2013, a taxa de lotação Unidade de Animal por hectare (UA/ha) foi de 3,2, representando um aumento de quase 27% em relação ao ano anterior. O GPD (Ganho de Peso Diário) foi de aproximadamente 659 gramas por cabeça, representando 1,25% mais que em 2012. A Produtividade foi de 30,33 arrobas (**) por hectare (@/hac) em uma área de 10 mil metros quadrados, um aumento em torno de 25%. Ainda em 2013, os produtores tiveram margem de lucro de 6,08%, cerca de 55% maior que no ano anterior.

Prof Moacyr Corsi
Prof. Moacyr Corci: eficiência de pastejo Paragominas (PA). Foto: EBVB

Para 2014, o projeto prevê metas ainda maiores. A expectativa é de aumentar a taxa de lotação para 3,55 UA/hac e a produtividade para, no mínimo, 35,95 @/hac, com a previsão de margem líquida entre 7 e 8 arrobas por hectare.

Restauração ecológica – O combate ao desmatamento ilegal e a eficiência na gestão ambiental, aliados a uma nova economia, têm alicerçado as políticas de investimento do Fundo Vale, que desde sua criação adotou o termo “Municípios Verdes” nos programas de trabalho.

O Programa Municípios Verdes no Pará, lançado em 2011, inspirou-se no exemplo de Paragominas, uma das experiências mais bem-sucedidas de crescimento econômico aliado ao respeito pelo meio ambiente. O programa conseguiu unir atores sociais e fortalecer uma agenda de sustentabilidade que já estava em curso, agilizando a transformação do município.

Paragominas conta com uma área formada em quase 70% por reservas florestais. A restauração ecológica da Floresta Amazônica é feita com base no Programa de Adequação Ambiental de propriedades rurais e visa aproveitar economicamente áreas agrícolas com menor aptidão de pecuária e maior disposição florestal. O projeto estabelece que deve haver complementação de Reserva Legal (RL) no caso de déficit, ou outro uso econômico como plantação de árvores frutíferas nativas ou exóticas, de eucaliptos ou ainda pecuária com manejo diferenciado, etc.

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“Na Amazônia, em 90% das áreas (de Santarém, São Félix do Xingu e Paragominas), é possível a condução da regeneração natural, ou seja, apenas 10% necessitam de intervenção. A isto, dá-se o nome de resiliência local, ou seja, o potencial da área de se auto-recuperar. Quanto menor a interferência na área, maior a resiliência, respeitando-se o tempo necessário. Há também a chamada “resiliência de paisagem” – as florestas da região são as próprias contribuintes para a recuperação do entorno, explica o professor Ricardo Rodrigues, da ESALQ, líder do Programa de Adequação Ambiental.

Muda de ipê na restauração da Floresta Amazônica na região de Paragominas (PA) Foto: Elisa Homem de Mello
Muda de ipê na restauração da Floresta Amazônica, Paragominas (PA)
Foto: EBVB

 

Outra constatação importante do programa foi de que as áreas irregulares eram muito pequenas na maioria das propriedades. “As áreas legais (de APP) variam entre 50% a  80% e são passíveis de serem manejadas por meio de licenciamento ambiental. À sobra da propriedade da fazenda foi aplicado o projeto de enriquecimento da reserva legal, cujo objetivo é o  plantio das nativas que existiam na floresta daquela área. Um estudo em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) concluiu que, após 30 anos, as mudas nativas estavam a ponto de serem cortadas e vendidas. Na Fazenda São Luís, em Paragominas, por exemplo, foram plantadas 22,5 árvores em 160 hectares. Uma árvore vale cerca de R$ 3,5 mil. As mudas variam entre andiroba, cedro, mogno, ipê e maçaranduba, entre outras”, diz Rodrigues.

 

Bem-estar na fazenda gera resultados expressivos –  O Pecuária Verde investiu fortemente em consultoria técnica sobre manejo e bem-estar nas fazendas ao longo de três anos. Produtores e funcionários receberam instruções em todos os processos de manejo: do nascimento de bezerros à vacinação, identificação, instalações de currais e embarque dos animais. Todo este trabalho trouxe resultados expressivos para o setor.

Em relação às instalações, todas as propriedades participantes fizeram adequações ou mesmo mudanças gerais. As reformas nas instalações tiveram impacto na redução do tempo para o cuidado com os animais. Também houve menor reatividade do gado no curral por agora existir um piso projetado para acomodar melhor os cascos, evitando escorregões ou quedas e, consequentemente, evitando prejuízos. Ao mesmo tempo, contribuiu para aumento da qualidade de vida dos vaqueiros, que hoje se arriscam menos e trabalham com mais calma.  “Melhorou muito. Antes dos técnicos aparecerem, às vezes dava vontade até de desistir, mas conseguimos mudar e a vida saltou da água para o vinho”, conta Seu Antônio, administrador da Fazenda Rancho Fundo.

Estudos revelam que o bem-estar dos envolvidos na produção foi um grande diferencial do Pecuária Verde: “A aplicação do novo conceito de qualidade de vida para todos os que participam da cadeia produtiva foi um ganho. Depois que essas pessoas perceberam os benefícios do projeto, a mudança ocorreu de forma natural. Ao responder uma pesquisa, muitos vaqueiros revelaram se sentir menos cansados no final do dia, com mais disposição para ficar junto com a família e desfrutar do lazer”, destaca o professor Matheus Paranhos, da Universidades Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho (UNESP), de Jaboticabal (SP), um dos consultores do projeto.

Outro bom resultado foi com a desmama lado a lado dos animais, que antes era feita de forma abrupta, causando estresse tanto para o bezerro quanto para a vaca. Em alguns casos, isso implicou na perda de até 10% do peso corporal dos novilhos. Entre as soluções para resolver o problema, produtores implementaram uma fonte de água entre dois piquetes (local onde o gado é confinado para tratamento) para que vacas e bezerros bebessem de frente um para o outro. Além disso, ofereceram suplementação aos bezerros após a separação, melhorando o ganho de peso dos filhotes.

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Bem estar inclusive no desmame Paragominas (PA) Foto: EBVB

Por sua importância econômica, o processo de vacinação foi intensamente trabalhado junto às fazendas participantes do projeto. Com o resultado, as propriedades padronizaram sua execução, vacinando o animal contido (um a um, retido no piquete). Isso significa um gado menos estressado e um trabalho mais seguro para os vaqueiros.

Para o professor Paranhos, o Pecuária Verde foi um divisor de águas. “Não há muitas experiências deste tipo no país. Eu me sinto honrado em participar de um projeto como esse, que trouxe uma realidade inovadora para a pecuária de corte da Amazônia. E a grande diferença que avalio é a abrangência das ações em todas as esferas do projeto, que trabalhou de forma integrada as questões ambientais, sociais e de produção”, enfatiza.

 

Rebanho do Pará

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Fonte: Secretaria de Estado de Agricultura (SAGRI)

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* hectare (hac) = 10 mil metros quadrados

**  1 arroba = 15 kg