“A ofensiva em torno da difusão de REDD e outros mecanismos identificados com Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA cresceu monumentalmente após a eclosão da crise econômica do capitalismo iniciada em 2007-2008. Isso ocorreu porque, entre outras razões, o capital financeiro aproveitou-se da oportunidade para recompor parte do capital fictício ‘queimado’ na crise mais recente”, adverte o pesquisador Elder Andrade de Paula.
O sistema de REDD (Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal), um mecanismo financeiro adotado por diversos países para compensar as emissões de gases de efeito estufa provenientes da degradação florestal, “tem sido cada vez mais comum (…) em grandes eventos e também por parte de empresas”. Contudo, na avaliação de Elder Andrade de Paula, “esses projetos estão inseridos numa estratégia mais ampla de apropriação dos bens naturais pelos capitais privados”. Segundo ele, “valendo-se, por um lado, do ‘medo’ das possíveis tragédias advindas dos efeitos das ‘mudanças climáticas’ e, por outro, da ‘esperança’ em minimizar tais efeitos, esses projetos prometem reduzir as emissões de CO² via redução de desmatamento, como é o caso do Projeto Purus, no Acre”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, o pesquisador explica que no Acre foram anunciados dois projetos de REDD, o Purus e o Val Paraíso, os quais “devem ser entendidos como corolário de um conjunto de políticas identificadas com a matriz do capitalismo verde, instituídas pelo governo do estado a partir de 1999. Elas incluem a formulação de um Zoneamento Econômico Ecológico, Lei de concessão de Florestas Públicas e incentivo à expansão da exploração madeireira via Planos de Manejo Florestal Sustentável – PMFS e culminam com a Lei SISA em 2010, que institui os Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA. No processo de institucionalização dessa Lei, foram privilegiados aqueles ‘serviços ambientais’ relacionados com ‘sequestro’ de carbono. Criaram-se instituições voltadas para operar com essas políticas e foram obtidos financiamentos externos para implementar o ‘Programa Isa-carbono’. Em fina sintonia com a matriz imperial instituída via Banco Mundial, USAID e grandes ONGs conservacionistas como WWF, o estado do Acre é propagandeado como ‘modelo de economia verde’”. De acordo com o agrônomo, a implementação dos projetos “inviabiliza a reprodução social das populações e povos que vivem nas e das florestas. Além de imporem uma série de restrições à livre circulação e uso dos seus territórios, instituem mecanismos de controle que promovem uma devastadora desagregação dos laços de sociabilidade interna”.
Elder Andrade de Paula informa ainda que desde a implementação do REDD como medida para minimizar os efeitos das mudanças climáticas, “aumentam as pressões dos agentes financeiros interessados na expansão desse tipo de negócio”. Segundo ele, a Fifa também participa do Projeto Purus para compensar os gases de efeito estufa gerados durante a realização da Copa do Mundo. “Nada melhor do que um megaevento como a ‘Copa do Mundo’ para massificar a difusão desse tipo de iniciativa. A FIFA tem um duplo ganho com isso, uma vez que defende os interesses das corporações a ela vinculadas e ao mesmo tempo vende uma imagem de uma organização ‘comprometida com o meio ambiente’, uma vez que estaria ‘compensando’ as emissões de CO² resultantes da realização da ‘Copa do Mundo 2014’”, critica. E rebate: “Obviamente, no caso da ‘copa do mundo’ não aparecem os ‘custos ambientais’ e sociais relativos à construção dos palcos (estádios/arenas) para realização dos espetáculos: contaminações resultantes da produção de materiais para construção dos mesmos, famílias expropriadas nos seus entornos, operários vitimados no ‘Itaquerão’ ou sob os escombros do viaduto em Belo Horizonte, etc. Mais ainda, não é computado o sofrimento das famílias atingidas por projetos como o Purus, apresentados como “compensação” para a neutralização do CO² gerado no decorrer da ‘Copa do Mundo 2014’”.
Elder Andrade de Paula é licenciado em Ciências Agrícolas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, especialista em Ciências Sociais com enfoque na Amazônia pela Universidade Federal do Acre – UFAC, mestre e doutor em Desenvolvimento Agrícola e Sociedade. Atualmente é docente da Universidade Federal do Acre – UFAC.
IHU On-Line – Em que consistem e como surgiram os projetos privados de crédito de carbono no Acre, especialmente o Projeto Purus?
Elder Andrade de Paula – Esses projetos estão inseridos numa estratégia mais ampla de apropriação dos bens naturais pelos capitais privados. Sua característica fundamental reside no maior estreitamento dos vínculos diretos entre mercantilização e financeirização da natureza em escala planetária. Isso implica na necessidade de instituir uma padronização das legislações nacionais com vistas a assegurar novas modalidades de contratos – como é o caso do “mercado de créditos de carbono” – e facilitar a operação dos mesmos no âmbito do sistema financeiro internacional. Valendo-se, por um lado, do “medo” das possíveis tragédias advindas dos efeitos das “mudanças climáticas” e, por outro, da ‘esperança” em minimizar tais efeitos, esses projetos prometem reduzir as emissões de CO² via redução de desmatamento, como é o caso do Projeto Purus, no Acre.
No Acre, os dois projetos privados anunciados publicamente até o presente (Purus e Val Paraíso/Russas) devem ser entendidos como corolário de um conjunto de políticas identificadas com a matriz do capitalismo verde, instituídas pelo governo do estado a partir de 1999. Elas incluem a formulação de um Zoneamento Econômico Ecológico, Lei de Concessão de Florestas Públicas e incentivo à expansão da exploração madeireira via Planos de Manejo Florestal Sustentável – PMFS e culminam com a Lei SISA em 2010, que institui os Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA. No processo de institucionalização dessa Lei, foram privilegiados aqueles “serviços ambientais” relacionados com “sequestro” de carbono. Criaram-se instituições voltadas para operar com essas políticas e foram obtidos financiamentos externos para implementar o “Programa Isa-carbono”. Em fina sintonia com a matriz imperial instituída via Banco Mundial, USAID e grandes ONGs conservacionistas como WWF, o estado do Acre é propagandeado como “modelo de economia verde”.
O Projeto Purus deve ser interpretado, portanto, como expressão deste amálgama entre os interesses externos e os das oligarquias regionais. Isto é, uma versão colonial atualizada do período marcado pelo monoextrativismo da borracha entre final do século XIX e meados do XX. A leitura das 122 páginas que compõem o Projeto Purus, “um projeto de conservação da floresta tropical no Acre-Brasil”, é suficientemente esclarecedora a esse respeito. Logo na introdução (página 6), afirma que: “O Projeto Purus é um projeto de conservação de floresta tropical que busca o pagamento por serviços ambientais, também conhecido como a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+), em uma área de propriedade privada situada no Estado do Acre-Brasil, com 35.169 hectares (…) Os três principais proponentes do projeto são: CarbonCo LLC (“CarbonCo”), Freitas International Group, LLC (“Freitas International Group ou Carbon Securities”), e Moura & Rosa Investimentos LTDA. (“Moura & Rosa” ou “M&R”). CarbonCo, a subsidiária integral da Carbonfund.org, é responsável por obter a certificação e o financiamento do Projeto. Carbon Securities atua no agenciamento, consultoria, logística, tradução e intermediação entre CarbonCo e Moura & Rosa. Moura & Rosa é uma empresa situada no Estado do Acre-Brasil, proprietária de terras e principal responsável pela gestão e implementação do projeto ambiental (…) O Projeto está sendo desenvolvido e registrado sob o Clima, Comunidade e Biodiversidade Standard (CCBS, segunda edição) e o Verified Carbon Standard (VCS, Versão 3.2). Além disso, o projeto está alinhado com as Normas de REDD e os Pagamentos Ambientais e Sociais do Estado do Acre por Serviços Ambientais (Lei nº 2.308/2010).”
IHU On-Line – Como esses projetos impactam o desenvolvimento de atividades tradicionais agrícolas na região? Quais são as atividades que sofrem restrições e o que muda no modo de trabalho das comunidades tradicionais com a implantação desses projetos?
Elder Andrade de Paula – A implementação desses projetos inviabiliza a reprodução social das populações e povos que vivem nas e das florestas. Além de imporem uma série de restrições à livre circulação e uso dos seus territórios, instituem mecanismos de controle que promovem uma devastadora desagregação dos laços de sociabilidade interna. Na página 36 do referido projeto informa-se que “Nas fases anteriores do projeto, havia quatro membros da comunidade, informalmente, considerados ‘os olhos e ouvidos’ da propriedade Projeto Purus”, e afirma-se que, ao longo da duração do Projeto, os seus proponentes gostariam de implementar, entre outros, o início do “Trabalho das Patrulhas de Fiscalização de Desmatamento, Caça e Biodiversidade”. Além dos integrantes da comunidade por eles selecionados para esse fim, contarão ainda com sofisticados sistemas de vigilância controlados por satélite e também por outros tipos de equipamentos como os Trikes, ilustrado na imagem a seguir.
Aquela maldita plaquinha “sorria, você está sendo filmado”, comum em sistemas de vigilância comercial nos centros urbanos, terá agora sua versão florestal. A vida dessas populações será tão infernizada, que elas serão obrigadas a abandonar seus territórios.
IHU On-Line – Quais são as comunidades afetadas pelo Projeto Purus e como elas se posicionam em relação ao projeto?
Elder Andrade de Paula – No apêndice “A” do Projeto aparece uma lista com dezoito nomes de representantes das famílias por eles identificadas. No ano passado (2013), foi denunciado publicamente [1] o total desconhecimento por parte dos moradores dessa área (formada pelos seringais Porto Central e Itatinga no município de Manoel Urbano) em relação ao conteúdo do Projeto e o receio de serem expulsos de seus territórios. O problema é que tanto os moradores dessa área do projeto Purus quanto os demais de outras áreas que já estão sendo afetadas pelo conjunto das políticas identificadas com a “economia verde” estão com sua capacidade de reação muito fragilizada. A maioria de suas representações foi cooptada e amordaçada pelas oligarquias que governam o Acre [2].
IHU On-Line – Qual é a relação da Fifa com o projeto Purus?
Elder Andrade de Paula – Em que pesem as críticas aos mecanismos de compensação instituídos no escopo da economia verde, como é o caso do REDD, aumentam as pressões dos agentes financeiros interessados na expansão desse tipo de negócio. Desse modo, nada melhor do que um megaevento como a “Copa do Mundo” para massificar a difusão desse tipo de iniciativa. A FIFA tem um duplo ganho com isso, visto que defende os interesses das corporações a ela vinculadas e ao mesmo tempo vende uma imagem de uma organização “comprometida com o meio ambiente”, uma vez que estaria “compensando” as emissões de CO² resultantes da realização da “Copa do Mundo 2014”.
IHU On-Line – É possível estimar o custo ambiental da Copa do Mundo?
Elder Andrade de Paula – Os especialistas nessa questão afirmam que sim e vendem esses cálculos para “todo tipo de freguês”. Tem sido cada vez mais comum aparecer alusões a esse mecanismo em grandes eventos e também por parte de empresas. No Brasil, já vi uma empresa aérea anunciar durante seus voos que suas “emissões de CO² estão sendo neutralizadas” através de projetos de compensação. Obviamente, no caso da “copa do mundo” não aparecem os “custos ambientais” e sociais relativos à construção dos palcos (estádios/arenas) para realização dos espetáculos: contaminações resultantes da produção de materiais para construção dos mesmos, famílias expropriadas nos seus entornos, operários vitimados no “Itaquerão” ou sob os escombros do viaduto em Belo Horizonte, etc. Mais ainda, não é computado o sofrimento das famílias atingidas por projetos como o Purus, apresentados como “compensação” para a neutralização do CO² gerado no decorrer da “Copa do Mundo 2014”.
IHU On-Line – Qual tem sido a popularidade e abrangência dos projetos de REDD+? Quais os prós e contras dessa medida? Ela de fato contribui para minimizar as emissões de gás carbônico e reduzir os impactos das mudanças climáticas?
Elder Andrade de Paula – A ofensiva em torno da difusão de REDD e outros mecanismos identificados com Pagamentos por Serviços Ambientais – PSA cresceu monumentalmente após a eclosão da crise econômica do capitalismo iniciada em 2007-2008. Isso ocorreu porque, entre outras razões, o capital financeiro aproveitou-se da oportunidade para recompor parte do capital fictício “queimado” na crise mais recente. Através do mercado de créditos de carbono, pode-se “da noite para o dia” incidir na recomposição desse capital fictício. Mais ainda, a eficácia desses projetos no controle imperialista sobre os territórios dotados de bens naturais estratégicos (água, florestas, biodiversidade, etc.) é monumental, como bem destacou a economista Amyra El Khalili em uma conferência realizada na UFAC em 2013. Em síntese, estou querendo enfatizar a ideia de que este tipo de mecanismo, por estar rigorosamente subordinado à lógica destrutiva do capital, não deve ser interpretado como solução. A solução, como afirmam os ecossocialistas, passa necessariamente pelo enfrentamento das causas estruturais da destruição inerente a esse padrão de produção, distribuição e consumo instituído no decorrer da civilização capitalista.
NOTAS
[1] A esse respeito ver artigo de Verena Glass “Projetos de carbono no Acre ameaçam direito a terra” http://reporterbrasil.org.br/2013/12/projetos-de-carbono-no-acre-ameacam-direito-a-terra/
[2] Mais informações sobre os efeitos dessas políticas no Acre, ver “Dossiê Acre” .
* Publicado originalmente no site IHU On-Line.