Documento defende alterações na lei, mas com manutenção de áreas atuais de conservação em propriedades privadas. Prevê incentivos para cumprimento da lei e atende reivindicações do setor agrícola.
Uma coalizão inédita de mais de 34 organizações ambientalistas e 30 empresas do setor florestal apresentou na última semana, em São Paulo, um conjunto de 16 propostas (saiba quais são elas) que pode destravar as negociações sobre as mudanças do Código Florestal. O documento promete superar as divergências provocadas pelo relatório sobre o assunto do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e atrair para um acordo mais setores da sociedade civil, do empresariado rural e urbano.
O texto de empresas e ambientalistas defende a manutenção dos atuais patamares de conservação em áreas privadas, mas também incentivos para que os produtores cumpram a lei. Vai em direção contrária, portanto, ao texto de Rebelo, que prevê redução nas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e de Reserva Legal (RL) das propriedades.
O documento apresentado ontem admite que o Código Florestal, de 1965, precisa ser aperfeiçoado, mas afirma que “qualquer alteração deve facilitar sua aplicação, não diminuir a proteção de áreas ambientalmente importantes. Trata-se, sobretudo, de criar e implantar mecanismos de incentivo à proteção, à restauração e à produção em bases sustentáveis” (leia a íntegra da carta).
O texto rejeita ainda a anistia a quem desmatou ilegalmente e o fim da obrigação de recuperar passivos ambientais, possibilidades previstas no substitutivo de Rebelo. Por outro lado, admite o cômputo das APPs no cálculo da RL e o uso agrícola, com restrições, de topos de morros, reivindicações dos produtores rurais. Outra proposta é desobrigar quem manteve sua RL de acordo com a legislação em vigor “à época da supressão” de recompor ou compensar essa área para os limites válidos pela legislação atual.
“A sociedade está oferecendo uma alternativa concreta, específica, coerente e objetiva que pode ser considerada pelos legisladores. Esta é a posição oficial das ONGs que assinam a carta sobre o Código Florestal”, afirmou, durante a coletiva de apresentação do documento, Márcio Santilli, coordenador do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA. Ele destacou que o trabalho de elaboração do documento aprofundou a discussão sobre as alterações da lei. “Essas propostas podem servir de base, de trilhos para a discussão do assunto.”
O documento foi debatido nos últimos sete meses no Diálogo Florestal, fórum que discute temas relacionados à produção e conservação e reúne organizações ambientalistas e empresas do setor de florestas plantadas (papel e celulose, plantio florestal, chapas de madeira, siderúrgicas e carvão vegetal). Esse setor econômico é parte importante do complexo do agronegócio: é responsável por um faturamento de mais de R$ 47 bilhões e emprega diretamente 535 mil pessoas.
“É importante que o Código Florestal contemple uma política de desenvolvimento e preservação”, apontou Elizabeth Carvalhaes, presidente executiva da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa). Ela explica que a elaboração da proposta teve como base a busca do equilíbrio entre a visão de desenvolvimento das empresas de base florestal, que têm planos de expansão no país, e a preocupação legítima das organizações socioambientais com a preservação do meio ambiente e da agricultura familiar.
“É importante que os legisladores olhem para o futuro ao trabalhar as alterações da lei, criando um arcabouço para explorar as potencialidades do País e não dilapidar seus recursos”, sentenciou José Luciando Penido, presidente do conselho deliberativo da Bracelpa e do conselho de administração da Fíbria, a maior empresa de celulose do Brasil, resultado da fusão entre a Aracruz e a subsidiária atuante no setor da Votorantim.
O documento do Diálogo Florestal está sendo encaminhado a representantes do Poder Executivo, à Confederação Nacional da Indústria (CNI) e parlamentares, entre eles os integrantes da comissão de negociação do Código Florestal criada na Câmara dos Deputados.
A RL é a fração de toda propriedade rural que não pode ser desmatada. Ela é de 80% no bioma amazônico, de 35% no Cerrado dentro da Amazônia Legal e de 20% no resto do País. A APP é a faixa de vegetação situada ao longo de corpos de água, no topo de morros e em encostas que também não pode ser eliminada segundo o Código Florestal.
Incentivos econômicos
“O texto expressa um posicionamento maduro, fruto de conversa franca e entendimento mútuo. Não aborda todos os pontos da lei, mas aqueles com interface entre empresas e ONGs e nos quais se chegou a um consenso”, comenta Raul do Valle, coordenador adjunto do PPDS do ISA que participou da elaboração do documento. Ele vê com entusiasmo o lançamento da proposta e aponta duas de suas grandes inovações: “ela agrega um grande número de organizações da sociedade civil que afirma ser possível mexer na lei, algo que até pouco tempo era um tabu. Por outro, um número expressivo de empresas afirmam que não interessa a elas e ao País diminuir a proteção a áreas ambientalmente importantes e que é perfeitamente possível ser competitivo cumprindo com a legislação florestal”.
Uma das principais propostas do documento relaciona-se aos incentivos econômicos para a conservação, sobretudo para pequenos produtores e agricultores familiares. Para empresas e ONGs, esse é um elemento-chave para que a nova lei tenha sucesso, ao passo que o substitutivo de Aldo Rebelo é tímido nessa questão.
O documento defende que seja possível utilizar créditos de carbono para o financiamento da recuperação florestal de áreas degradadas, bem como prêmios para o produtor que cumpra com a legislação, como crédito agrícola em melhores condições. “Sabemos que muitos dos incentivos não dependem de lei, mas de alterações em normas infralegais e, principalmente, de recursos e políticas públicas. Mas prever isso na legislação já é um bom começo”, explica Valle.
Com assessoria de imprensa da Bracelpa.
*Publicado originalmente no ISA.