Aron Belinky, do Vitae Civilis, e Estanislau Maria, do Akatu, são os entrevistados desta semana entre as organizações parceiras do Ethos na preparação da Conferência 2011.
Dando continuidade à série de entrevistas com os parceiros do Instituto Ethos na preparação coletiva da Conferência Ethos 2011, o Notícias da Semana traz a visão de mundo de outras organizações da sociedade civil. Desta vez, representantes do Vitae Civilis e do Instituto Akatu contam como pretendem colaborar para que nos tornemos “Protagonistas de uma Nova Economia – Rumo à Rio+20”, tema da conferência que acontecerá entre os dias 7 e 9 de agosto.
Até lá tentaremos ouvir a maior parte das 35 organizações representantes do conjunto da sociedade que vêm contribuindo com a organização da conferência, cujo objetivo central é a construção de uma agenda de transição para uma economia inclusiva, verde e responsável. Esta agenda deve contemplar as diferentes expectativas e contribuições dos organizadores, que representam trabalhadores, empresários e organizações não governamentais, além dos setores público e acadêmico.
A seguir, as entrevistas com Estanislau Maria, coordenador de Comunicação do Instituto Akatu, e com Aron Belinky, coordenador de Processos Internacionais do Instituto Vitae Civilis.
Notícias da Semana: De que maneira a sociedade, o governo, representantes dos trabalhadores, ONGs e empresas podem trabalhar juntos para assumir compromissos que acelerem a entrada do país nesse novo modelo econômico?
Estanislau Maria: Com máxima transparência e as formas mais democráticas possíveis de participação e mobilização. Precisamos pactuar responsabilidades compartilhadas, conscientizar e mobilizar fortemente cidadãos e o setor produtivo. Além disso, devemos cobrar do governo políticas públicas que facilitem essa transição para a economia verde e a consolidação desse novo paradigma de sociedade.
Aron Belinky: Trabalhar juntos é o caminho para construir propostas na direção dessa economia inclusiva, verde e responsável, mas não dá para parar nisso. O grande desafio está na implementação dessas propostas, no sentido de conseguir ajustar os ritmos e colocar as coisas em marcha, numa certa sintonia. As empresas não vão assumir determinados custos – como, por exemplo, os previstos na Política Nacional de Resíduos Sólidos –, se não houver um quadro regulatório com normas válidas para todos. Cabe às ONGs identificar esses pontos, tirar esse debate da zona de conforto, entender que o governo está dividido em vários grupos de pressão, que caminham em diferentes direções – veja o exemplo da aprovação do Código Florestal. Temos de negociar para que as propostas sejam implementadas num ritmo conjunto que atenda às necessidades do governo e das empresas e às demandas da sociedade. Acomodar esses interesses e tensões nesse processo é o papel do Ethos, da Vitae Civilis e de outras entidades. Os Diálogos Nacionais para a Economia Verde, promovidos pelo Vitae Civilis, com apoio do Instituto Ethos, entre outras organizações, têm a capacidade de buscar essa sintonia e o apoio de vários atores. E também tem o mérito de propor clareza ao tema em torno do qual ainda há muita desinformação.
NS: Que tipo de mudanças o país precisa implementar para que essa nova economia seja de fato inclusiva, calcada na quebra de paradigmas (como o do incentivo ao consumo) extremamente arraigados no atual modo de fazer negócios?
EM: Precisamos mudar fortemente e radicalmente nosso modelo de produção e consumo. Precisamos produzir e consumir menos e de maneira diferente. Para tanto, é imperiosa a conscientização crescente e urgente da população, a implementação de políticas públicas nesse sentido e o abandono do obsoleto conceito de PIB na contabilidade da nação. Este é um indicador macroeconômico que mantém o país preso ao padrão de ataque aos recursos naturais com o objetivo de produzir mais e mais. Para piorar, essa mentalidade do PIB contamina a microeconomia das empresas e até as aspirações das famílias e dos cidadãos.
AB: Ainda temos um longo caminho a percorrer, mas a economia verde é um tema que, visto com seriedade, tem potencial para gerar grandes contribuições, permeando o conjunto da sociedade. No entanto, falta clareza por três fatores. O primeiro é a falta de informação – muita gente fala de economia verde sem saber minimamente o que está sendo proposto. Oportunismo e preconceito são os outros dois problemas. Há empresas praticando greenwashing – fazem uma pequena mudança num processo ou produto e passam a chamar aquilo de sustentável. Este tipo de oportunismo estraga e desvaloriza conceitos importantes e acaba gerando preconceito. Tanto da parte dos mais radicais, que são contra a economia de mercado por questões ideológicas, quanto da parte dos protecionistas, que sempre acham que isto é coisa de gringo querendo impedir nosso desenvolvimento. O Brasil precisa superar essa falta de clareza.
NS: Como a Conferência Ethos 2011 pode contribuir para uma participação brasileira mais ativa na Rio+20?
AB: Acho que, como ela enfoca um dos temas centrais da Rio+20, que é a questão da economia verde, e se conecta com outras agendas sociais, pode gerar propostas e reflexões que contribuam para os resultados do evento carioca. Depende de como o material produzido pela Conferência Ethos será trabalhado pelos conferencistas da Rio+20. Ampliar o diálogo para um público diferenciado o Instituto Ethos sabe fazer bem, pela maneira consistente como coloca e trabalha os temas de responsabilidade social empresarial. Ao não se limitar a interesses imediatos, o Ethos ajuda a aprofundar a visão do meio empresarial para esse tipo de diálogo, que pode fazer toda a diferença.
NS: Cooperação é a palavra de ordem da nova sociedade que buscamos. Qual o papel das ONGs e de outras organizações no esclarecimento da sociedade sobre a necessidade de romper paradigmas (de consumo, de métricas para avaliar a economia, de crescimento, desenvolvimento)?
EM: Humildemente, o Akatu entende que tem papel fundamental, contribuindo nessa rede de instituições, setor produtivo e governo para a mudança de paradigmas de produção e consumo. Continuaremos concentrando esforços na sensibilização e conscientização dos cidadãos para o poder transformador do consumo consciente, mobilizando-os rumo a uma sociedade mais sustentável.
AB: Do ponto de vista da Conferência Ethos, nosso papel é colocar na programação e na estrutura do evento conteúdos que mostrem, mesmo às empresas não comprometidas por convicção, que a economia verde tem questões de ordem prática, pragmáticas e tangíveis. Não defendemos essa causa porque ela é bonita, mas porque é uma ferramenta com um sentido econômico muito claro. Isto fica evidente, por exemplo, quando se percebe que o Brasil é um grande exportador de água, em forma de carne e soja. Entregamos essa água, reconhecida como um produto estratégico que poucos países têm, de graça, sem nenhum tipo de precificação. Entregamos sem valorizar a fábrica desse ativo, que é a floresta, produtora de chuva, e nem temos medida para isso. Não precisa ser ecologista para enxergar essa coisa óbvia. Então, por esse enfoque, a economia verde começa a parecer poderosa e a fazer sentido mesmo entre leigos.
* Publicado originalmente no site Instituto Ethos.