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Protesto contra mina de ouro revela descontentamento maior

Eugen David, ex-mineiro que virou agricultor em Rosia Montana, fala aos manifestantes na Praça da Universidade de Bucareste. Foto: Claudia Ciobanu/IPS
Eugen David, ex-mineiro que virou agricultor em Rosia Montana, fala aos manifestantes na Praça da Universidade de Bucareste. Foto: Claudia Ciobanu/IPS

 

Bucareste, Romênia, 18/9/2013 – O descontentamento popular contra o projeto aurífero de uma empresa canadense na zona de Rosia Montana, nas montanhas Apuseni, na Romênia, está crescendo como uma bola de neve. Mais de 20 mil pessoas participaram de uma manifestação, no dia 15, em Bucareste, a capital, e milhares saíram às ruas em outras cidades do país. Estas foram a terceira mobilização de caráter nacional este mês contra o projeto mineiro, e são as que mais gente atraíram.

Pequenos grupos protestam diariamente em Bucareste, Cluj e outras cidades. As manifestações começaram quando o governo apresentou, em 27 de agosto, um projeto de lei para conceder faculdades extraordinárias à promotora da exploração de ouro, Rosia Montana Gold Corporation, que tem como acionista majoritário o grupo canadense Gabriel Resources.

Segundo a iniciativa, a empresa pode deslocar habitantes cujas casas estejam no perímetro da mina e as autoridades estatais devem facilitar à empresa todas as permissões necessárias em prazos pré-estabelecidos, sem considerar a legislação nacional, decisões judiciais ou exigências legais de audiências públicas.

A Gold Corporation quer construir a maior mina de ouro da Europa em Rosia Montana, no condado de Alba, para extrair 300 toneladas de ouro e quase 1.600 de prata em 17 anos. A operação implica desmantelar três aldeias e destripar quatro montanhas. No total, seriam empregadas 12 mil toneladas de cianureto por ano e produzidos 13 milhões de toneladas anuais de resíduos, segundo uma apresentação do projeto que a empresa entregou ao Ministério do Meio Ambiente.

O projeto de lei está destinado a dar luz verde à exploração, algo que a empresa não conseguiu nos últimos 14 anos de tentativas mal sucedidas de obter todas as permissões necessárias. Em 2004, a Academia Romena de Ciências – órgão científico mais importante do país – defendeu que o projeto fosse descartado, porque seus custos sociais e ambientais superariam os benefícios econômicos.

Além da contaminação e da mudança de aldeias, a exploração de ouro colocaria em risco o patrimônio cultural de Rosia Montana, uma zona mineira que data dos tempos do Império Romano. Das três mil pessoas que vivem na área, centenas estão há anos contra o projeto. Criaram a organização não governamental Alburnus Maior e questionaram com êxito a empresa e as autoridades.

Um elemento que contribuiu para ampliar a simpatia do público com o movimento foi a evidente aliança que a Gold Corporation forjou com políticos de todo o arco partidário e com meios de comunicação de massa. Arquirrivais políticos, como o presidente centro-direitista, Traian Basescu, e o primeiro-ministro socialista, Victor Ponta, várias vezes se declararam a favor da mina.

A maioria da grande imprensa se beneficiou com publicidade da empresa, enquanto não informavam sobre os argumentos contra a exploração. Em um país onde a corrupção é uma característica notável da vida pública, este consenso a favor da mina cheira a pacto encoberto. O discurso público que predomina sobre o projeto é que a mineração de ouro criará empregos e dará dinheiro ao governo.

Segundo o último acordo entre governo e empresa – anexo ao projeto de lei de 27 de agosto – a Gold Corporation empregaria 2.300 pessoas por dois anos, durante a fase de construção, e 900 na de exploração, de 17 anos. Durante toda a operação, os cofres estatais receberiam US$ 2,3 bilhões, enquanto outros benefícios para a economia romena chegariam a US$ 2,9 bilhões.

Agora, os protestos se voltam contra o parlamento, que tem nas mãos a sorte de Rosia Montana. Se o projeto virar lei, a construção pode começar imediatamente, embora haja uma demanda de inconstitucionalidade para a qual existem fundamentos, segundo um comitê judicial do Senado que deu uma opinião negativa sobre o texto. “Não podemos dizer o que acontecerá, mas se continuarmos lutando e unidos salvaremos Rosia Montana”, declarou à IPS o dirigente da Alburnus Maior, Eugen David. “Estamos sitiados, mas poremos fim ao sítio”, disse.

As manifestações são notavelmente poderosas para um país como a Romênia. E desde o começo estiveram acompanhadas pela desinformação. Os principais canais de televisão as ignoraram no começo, apesar de seu tamanho. No dia 10, a mídia anunciou erroneamente que o Senado havia rejeitado o projeto. E o primeiro-ministro declarou que não era possível ir contra a vontade popular, para concluir que continuava apoiando a iniciativa.

Apesar de tudo, os manifestantes – que se organizam em uma estrutura horizontal e não têm líderes oficiais – conseguiram manter o público informado e interessado por meio do Facebook. As marchas semanais atravessam durante horas diversas localidades para divulgar as denúncias e mostrar que os manifestantes não são os “holigans” (torcedores violentos do futebol) que a televisão apresenta. A estratégia parece ter funcionado, à luz das multidões reunidas no dia 15.

Aos jovens, que formaram os primeiros protestos, foram se somando seus pais e outros manifestantes mais velhos, cada vez mais visíveis. Após 15 dias de inteligentes ações de rua, a presença policial no dia 15 foi apenas simbólica. “É interessante que este descontentamento começou por uma causa ambiental, mas agora é muito maior”, pontuou à IPS um ativo participante, Claudiu Craciun.

“É pelo direito das pessoas manterem suas propriedades, pelo dever de salvaguardar um patrimônio que não pertence apenas a nós, mas ao mundo e às futuras gerações”, enfatizou Craciun. “O caso de Rosia Montana, onde vemos uma lei feita sob medida para os interesses de uma corporação, expõe várias falhas das instituições democráticas e do sistema econômico capitalista”, acrescentou.

“Esta é uma luta do presente e para as próximas décadas. Ilustra o fim das divisões posteriores a 1989 (comunismo versus anticomunismo, europeísmo versus antieuropeísmo) e o surgimento de outras novas”, argumentou Craciun. “Hoje o povo enfrenta uma classe política corrompida que se apoia nas corporações e em meios esgotados, e reclama melhor processo democrático, que inclua a democracia participativa nos mecanismos tradicionais”, ressaltou. Envolverde/IPS