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Protestos brasileiros deixam detenções arbitrárias

Concentração na praça da Cinelândia, no Rio de Janeiro, em um dos muitos protestos pacíficos no Brasil. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 25/6/2013 – Matheus Mendes Costa, universitário, 21 anos, passou 13 horas detido em uma cela com não mais que três metros quadrados, em uma delegacia da cidade do Rio de Janeiro. Ele foi preso sob a acusação de agressão a policiais e destruição de instalações públicas. Costa, estudante de economia foi detido na madrugada do dia 18, durante uma das numerosas manifestações que paralisaram centenas de cidades pelo Brasil, dentro dos protestos detonados pelo movimento contra o aumento no preço do transporte público em algumas cidades e que, depois, passaram a exigir direitos sociais e políticos. Costa foi preso quando participava pacificamente, assegurou, ao lado de seu pai na manifestação que naquela noite tomou as ruas da cidade.

A dura e nada seletiva repressão policial é vista pelos analistas como um dos elementos que mais contribuíram para avivar a onda de protestos que sacodem o Brasil. A própria presidente Dilma Rousseff pediu contenção às forças da ordem em seu discurso ao país na noite do dia 21, destacando que a população tem o direito de protestar e garantiu que as desordens são provocadas por uma minoria de infiltrados. Além disso, ontem, Dilma se reuniu com o Movimento Passe Livre, e horas depois com os governadores dos 27 Estados e os prefeitos das maiores cidades. Nos dois encontros, a mudança da atuação policial estava na agenda.

“Estava com a mochila da faculdade e não imaginei que poderia me acontecer alguma coisa. O policial me agarrou pela mochila e arrancou o cartaz que eu carregava”, contou o jovem à IPS. O rapaz foi levado a um destacamento do Batalhão de Choque da Polícia Militar em um grupo de dez pessoas, na maioria estudantes e, inclusive, um sem-teto. “Nenhum de nós tinha perfil de vândalo. Um policial nos aterrorizou dizendo que lançaria uma bomba de gás lacrimogêneo contra nós. Os policiais que me pegaram não tinham identificação”, acrescentou o jovem.

Para serem liberados, Costa e os demais detidos tiveram que pagar fianças altíssimas. O estudante disse que não foi observado nenhum critério nos valores estabelecidos. “Éramos dez em uma cela pequena e nem todos puderam avisar suas famílias. Os policiais nos submeteram a diferentes humilhações. Até o mendigo, para ser libertado, precisou pagar uma fiança, a maior de todas, e tivemos que nos cotizar para ajudá-lo”, ressaltou Costa.

Analistas políticos e ativistas de direitos humanos coincidem em indicar que nas manifestações houve repressão policial indiscriminada junto com desordens e vandalismos cometidos majoritariamente por grupos infiltrados, responsáveis por saques de dependências públicas e lojas, que ofuscaram o objetivo pacífico das manifestações. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou que, somente no Rio de Janeiro, foram detidos arbitrariamente, até o dia 21, cerca de 60 manifestantes que ficaram presos em meio a batalhas entre forças policias e grupos de vândalos.

“Fiquei angustiado porque a polícia não fez seu trabalho de deter os violentos, mas se dedicou a deter inocentes com falsas acusações. Tive que pagar a fiança sem que me deixassem demonstrar que não havia feito nada agressivo”, criticou Costa, que deve enfrentar um julgamento por participação em grupo para delinquir.

O que aconteceu com Jorge Luiz de Jesus, de 18 anos, foi pior. Ele passou uma semana preso e esteve parte do tempo na rigorosa prisão de Bangu, onde compartilhou a cela com traficantes, assaltantes e violadores. Depois foi transferido para outra prisão, misturado com outros cem detentos. Sua prisão se agravou porque a polícia o acusou de carregar uma mochila com uma granada. “Expliquei que aquela mochila não era minha, e então o policial lançou um aerossol no meu rosto e disse ‘agora é sua’. A acusação foi forjada”, denunciou Jesus à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

Essa comissão está recolhendo dezenas de casos de detenção arbitrária durante as manifestações na cidade. O Ministério Público estadual iniciou uma investigação sobre os denunciados abusos policiais e militares, principalmente por parte do Batalhão de Choque. Para evitar que os manifestantes sejam confundidos com gente violenta e detidos por vandalismo, a OAB do Rio de Janeiro mobilizou 70 advogados que percorrem as ruas, delegacias e hospitais da cidade para prestar assistência legal.

O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, destacou à IPS a presença de grupos fascistas infiltrados nos protestos e criticou a falta de preparo das forças de segurança para proteger os manifestantes de grupos que vão às manifestações para criar violência. “A polícia não tem um histórico repressivo, mas está militarizada e sua conduta é de enfrentamento. Isso facilitou a atuação de grupos neonazistas infiltrados, que atacaram com suas barras de ferro desde o começo das manifestações. A polícia deve garantir o direito ao protesto, mas acabou atacando os manifestantes”, afirmou Santa Cruz.

A falta de preparo das forças de segurança é alvo de inúmeras críticas. O pai do jovem Costa, um ativista pelos direitos humanos que preside a organização não governamental  Rio Paz, qualificou a desordenada atuação policial de “atentado à democracia”. Antônio Carlos Costa afirmou que “a polícia não tem preparo para atuar com a população em condições normais, quanto mais em situações de grandes protestos. O movimento foi espontâneo, ganhou o povo e as pessoas foram às ruas pelas razões mais nobres”.

As demandas se centram em pedir a reforma do Brasil, disse Antônio Carlos, para quem o movimento popular se caracteriza por seu caráter reformista e não por pretender subverter a ordem, mas gerar “uma limpeza moral” da maior democracia latino-americana. Este ativista considera que, por isso, é um erro o poder público ver e apresentar suas ações como agressivas e de caráter terrorista.

O que levou a população às ruas, segundo o presidente da Rio Paz, foi uma revolta contra os multimilionários gastos na construção e remodelação dos estádios de futebol para a Copa do Mundo no ano que vem, com seu preâmbulo da atual Copa das Confederações. A Copa das Confederações começou no dia 15, paralelamente ao início dos protestos, e terminará no dia 30.

Entre 23 e 28 de julho, o Rio de Janeiro também receberá a Jornada Mundial da Juventude, da qual participará o papa Francisco, e em 2016 será sede dos Jogos Olímpicos. “As autoridades subestimaram a conscientização da população”, opinou o ativista Costa. “Houve muita vontade política e muito gasto de dinheiro público para fazer as construções pedidas pela Fifa, enquanto há dívidas sem pagar em nossas escolas e nossos hospitais. A rua gritou, e é preciso ouvir esse grito”, enfatizou Antônio Carlos Costa. Envolverde/IPS