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Próximo a um ponto sem volta

Julia Marton-Lefèvre: “Um futuro sustentável não pode ser conseguido sem conservar a diversidade biológica”. Foto: Laurent Villerent

Bulawayo, Zimbábue, 13/8/2012 – “Sabemos que a conservação funciona, mas precisamos de recursos muito maiores se queremos reverter a atual crise das extinções”, disse, da Suíça, a diretora-geral da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), Julia Marton-Lefèvre. Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), realizada em junho, esta organização divulgou sua última atualização da Lista Vermelha de espécies ameaçadas.

Segundo a relação, 19.817 das 63.837 espécies avaliadas estão ameaçadas de extinção. Os ecossistemas de água doce estão sob particular pressão devido ao aumento da população humana e à exploração dos recursos hídricos. Além disso, a pesca insustentável e a destruição de seu habitat, pela contaminação e construção de represas, ameaça os peixes de água doce. A IPS conversou com Marton-Lefèvre quando faltam poucos dias para o Congresso Mundial da UICN, que acontecerá entre 6 e 15 de setembro em Jeju, na Coreia do Sul.

IPS: Um dos vários objetivos que a UICN se propôs em seu Plano Estratégico para a Diversidade Biológica 2011-2020 é que, ao fim desse prazo, se tenha conseguido evitar a extinção de espécies ameaçadas conhecidas, e que tenha melhorado seu estado de conservação. Caminha-se para o cumprimento desse plano?

Julia Marton-Lefèvre: Lamentavelmente, no momento a resposta é não. Por isto, fizemos deste objetivo nossa principal prioridade na UICN. Isto não significa que não tenhamos exemplos inspiradores de sucesso em matéria de conservação. Por exemplo, por meio de nossa iniciativa Salvemos Nossas Espécies, a UICN e seus sócios já ajudaram a conservar cerca de cem espécies ameaçadas em 30 países. Sabemos que a conservação funciona, mas precisamos de recursos muito maiores se queremos reverter a atual crise das extinções.

IPS: À luz do último informe da Lista Vermelha, divulgado em junho, que mostra uma grande quantidade de espécies ameaçadas de extinção, a senhora diria que chegamos a um ponto de inflexão?

JML: De fato, a última atualização da Lista Vermelha da UICN apresenta um cenário sombrio: um em cada três corais, um em cada quatro mamíferos e dois em cada cinco anfíbios estão em risco de extinção. Além disso, um novo estudo divulgado nos últimos tempos concluiu que excedemos três de nove das chamadas “fronteiras planetárias”, que definem um “espaço operacional seguro” para a humanidade, o que inclui a perda de biodiversidade. Hoje estamos perigosamente perto de alcançar esses “pontos sem retorno”, mas é muito difícil prever de modo preciso quando se alcançará um ponto de inflexão até que realmente ocorra. Por exemplo, o colapso das reservas de bacalhau do Atlântico norte aconteceu na década de 1970, mas seus impactos são sentidos inclusive atualmente.

IPS: O que precisa ser mudado? Nossos hábitos de consumo ou nossos esforços de conservação?

JML: Sem dúvida, precisamos das duas coisas. Temos que fazer mais conservação – que é algo que funciona – e intensificá-la, e, ao mesmo tempo, precisamos combater nossos hábitos de produção e consumo para torná-los mais sustentáveis. A demanda por produtos baseados na natureza, para elaborar alimentos, remédios, roupa, apresenta-se como uma ameaça importante para muitas espécies que até agora não eram afetadas pela perda de habitat ou pela mudança climática. A natureza simplesmente não pode acompanhar nosso insaciável apetite por tudo, desde matérias-primas até animais vivos, e temos que mudar isso.

IPS: Acredita que agora existe maior vontade política de frear a extinção de espécies do que, digamos, há 20 anos?

JML: Há 20 anos, na Cúpula da Terra do Rio de Janeiro, os líderes mundiais assinaram o Convênio sobre a Diversidade Biológica. Atualmente, é um dos tratados mundiais mais amplamente ratificados. É difícil comparar o grau de compromisso da época com o de agora, mas há algo inquestionável: a vontade política que é necessária hoje é muito maior devido à magnitude do problema.

IPS: Qual a influência do trabalho da UICN e de seus sócios?

JML: Durante muitos anos, a resposta à pergunta central do impacto da ação mundial pela conservação foi tão anedótica quanto esquiva. Graças aos esforços da UICN, de sua Comissão de Sobrevivência de Espécies e de nossos mais de 1,2 mil membros em todo o mundo, agora temos evidências sólidas de que sem esforços de conservação dirigidos, a perda de biodiversidade tal como é medida pelo Índice da Lista Vermelha seria quase 20% pior.

IPS: Quais desafios persistem?

JML: O maior desafio agora é conseguir que todos entendam o que está em jogo: que a natureza não é um luxo, mas a própria base de nosso bem-estar neste planeta. também necessitamos fortalecer a vontade política para adotar as medidas necessárias. Como disse antes, a situação é bastante crítica, e nosso Congresso vai analisar vários destes desafios. Envolverde/IPS