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Pyongyang facilita ingresso de ajuda

Bangcoc, Tailândia, 5/8/2011 – “Mesmo que cem mil pessoas morressem de fome na Coreia do Norte, os estrangeiros que lá estão não ficariam sabendo”, disse um trabalhador humanitário que passou três anos nesse país. “Toda agência que trabalha na Coreia do Norte deve notificar o governo sete dias antes de visitar qualquer lugar”, acrescentou ao conversar com a IPS com a condição de não ser identificado. “É tempo suficiente para encobrir evidências”, ressaltou.

A escassez crônica de alimentos na Coreia do Norte revive o temor de que se repita a fome ocorrida em meados da década de 1990, quando teriam morrido entre 500 mil e um milhão de pessoas. E, agora, alguns dos tradicionais obstáculos impostos aos poucos trabalhadores humanitários internacionais nessa nação asiática estão sendo levantados. O trabalhador que conversou com a IPS qualificou de “sem precedentes” e “inovador” o acordo assinado em abril entre o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e Pyongyang, para fornecer alimento a 3,5 milhões de pessoas, na maioria mães, crianças e idosos.

O convênio dá ao pessoal dessa agência da Organização das Nações Unidas (ONU) uma liberdade incomum para supervisionar as entregas em 107 dos 208 condados norte-coreanos. Também permite visitas a determinados lugares com notificação prévia de apenas 24 horas, conexão à internet para acompanhamento dos envios de ajuda e entrega de vistos a pessoas de “qualquer nacionalidade”.

“Tivemos as mais rigorosas condições para operar durante 15 anos”, disse Marcus Prior, porta-voz do escritório do PMA na Ásia, com sede em Bangcoc. “Visitar mercados locais em áreas rurais para compreender o panorama da alimentação é algo novo”, acrescentou. Essa concessão, em um país governado por uma ditadura comunista desde 1948, permite ao PMA garantir que a ajuda alimentar descarregada no Porto de Nampo chegue aos destinatários.

“O pessoal do PMA tem acesso a toda a cadeia de entrega: porto, armazém, caminhões, controles nos pontos de destino em escolas, hospitais e orfanatos”, explicou Prior em uma entrevista. As operações do PMA, desde maio, são parte de uma medida de emergência para atender “a urgente fome de 3,5 milhões de pessoas vulneráveis”, a maioria vivendo em terrenos montanhosos. Em março, a ONU calculou que seriam necessárias cerca de 430 mil toneladas de ajuda alimentar para mais de seis milhões dos 24 milhões de pessoas afetadas.

“Permitir ao PMA esse acesso para acompanhar de perto suas operações de ajuda deve ser comemorado”, disse o tailandês Vitit Muntarbhorn, ex-relator especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Coreia do Norte. “Segue o princípio de que sem acesso não há alimentos, que a ONU mantém”, destacou. “A ajuda humanitária deve ser incondicional e transparente para garantir que a comida chegue às vítimas”, afirmou à IPS este professor de direito que teve seu ingresso na Coreia do Norte negado durante seis anos.

A nova crise alimentar norte-coreana ficou evidente em janeiro, quando Pyongyang informou ao PMA que suas reservas se esgotaram. Este ano, a escassez de alimentos está relacionada com as condições climáticas adversas, e não com a redução da ajuda da Coreia do Sul. As fortes chuvas que afetaram 20% das planícies cultiváveis no verão de 2010 destruíram as colheitas, incluindo os vegetais usados no “kimchi”, prato mais popular do país, de acordo com um informe especial da ONU. O duro inverno que veio em seguida congelou os campos de cevada e trigo.

A Coreia do Sul, que suspendeu seu embarque anual de 400 mil toneladas de arroz a partir de 2008, apenas se comoveu diante da nova crise norte-coreana. A administração do presidente Lee Myung-bak se mantém firme com sua política de linha dura contra o programa de desenvolvimento nuclear de Pyongyang.

As relações entre os dois países se agravaram depois de dois ataques norte-coreanos no ano passado, nos quais morreram 50 sul-coreanos. A atual administração conservadora de Seul condicionou sua ajuda ao fim do programa nuclear norte-coreano, ao contrário dos governos anteriores, que haviam procurado uma política de aproximação, fornecendo assistência com requisitos mínimos.

Nem mesmo a China, forte aliada de Pyongyang, respondeu favoravelmente um pedido feito pelo próprio governante norte-coreano Kim Jon Il, de meio milhão de toneladas de grãos, segundo uma fonte diplomática asiática. “Fez três viagens à China em um ano, mas Pequim não ajudou a preencher a lacuna deixada pelos sul-coreanos quando suspenderam o envio de cereais”, disse a fonte. “Se Washington e Seul ficarem satisfeitos com o mecanismo de supervisão do PMA, então mais ajuda será enviada para a Coreia do Norte”, acrescentou. Envolverde/IPS