O progresso a qualquer custo tem negligenciado o ser humano. Construções sustentáveis tentam resgatar essa dívida.
Habitat é o local ideal para que uma espécie, seja ela animal ou planta, possa se desenvolver, se alimentar e procriar. Pesquisadores já identificaram os habitats de inúmeras espécies. Sabemos, por exemplo, quais são os melhores lugares para que o elefante, a onça, o tamanduá-bandeira e o esquilo possam viver. Identificamos os biomas naturais e os seres vivos que os habitam. Até mesmo fomos capazes de considerar algumas espécies como exóticas, quando elas passam a ocupar e interagir de maneira pouco saudável com as espécies chamadas nativas dessa região. E nós, humanos, quais são os nossos ambientes, nem diria naturais, mas ideais para podermos viver com qualidade?
Ao longo da nossa história, as cidades e comunidades humanas foram sendo formadas levando em conta as questões ambientais existentes no local. Bom exemplo é o da água, vital para a sobrevivência. Nós humanos íamos ao seu encontro e instalávamos nossas moradias próximas às fontes do líquido precioso. Não é à toa que todas as grandes civilizações do passado se desenvolveram em torno dos grandes rios e muitas continuam lá até hoje.
O crescimento desordenado plenamente acompanhado da evolução tecnológica capacitou o homem, em sua megalomania, a vencer, domar a natureza criando espaços artificiais que aterraram e desviaram rios, asfaltaram a terra e eliminaram os outros seres vivos que, de alguma forma, bloqueassem esse caminho chamado de progresso, até mesmo outros seres humanos (indígenas e povos tradicionais, só para citar alguns).
Claro que muita coisa boa foi criada, mas junto com interessantes inovações vieram também a total falta de bom senso em relação a uma análise criteriosa sobre os benefícios e malefícios envolvidos com essas transformações. Perguntas básicas deixaram de ser feitas, como as que envolvem, o quanto determinada obra impacta a vida de todos e interfere nas fundamentais leis naturais a que todos nós estamos subordinados. As cidades, assim como elas foram concebidas, representam a melhor e mais saudável maneira de se viver?
Uma perversa consonância entre ganância, ignorância e ausência de planejamento foram os principais responsáveis pelo atual caos generalizado dos grandes aglomerados urbanos, notadamente nos países mais pobres e em desenvolvimento. Sem que isso signifique que o tal mundo desenvolvido tenha equacionado tais problemas, mas ao menos foram capazes de trabalhar em parte com maior seriedade.
Um novo cenário. Tal estado de coisas ao menos foi capaz de fazer surgir um movimento povoado de boas intenções conhecidos por vários formatos como ecovilas, cidades e comunidades sustentáveis, movimentos de moradias alternativos e também as chamadas construções sustentáveis.
Na semana passada, São Paulo foi palco do Greenbuilding Brasil que em sua quarta edição mostra um mercado em crescente expansão. Só para ter ideia, esse mercado de construções sustentáveis partiu de um patamar de 3% do PIB geral da construção civil brasileira em 2010, para 9% em 2012. O registro de empreendimentos que buscam obter a certificação LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), principal certificadora do gênero no Brasil, partiu de 1 projeto em 2004 para 219 pedidos em 2012. O Brasil já registra um total de 109 edificações devidamente certificadas como sustentáveis e ocupa a 4ª posição no mundo nesse cenário atrás de EUA, China e Emirados Árabes.
Ainda é pouco, principalmente se levarmos em conta o boom do mercado imobiliário nos últimos anos, mas demonstra uma crescente preocupação com os impactos causados pelo setor. Um estudo realizado pela Universidade de Oxford (Inglaterra), feito a pedido da OIT (Organização Internacional do Trabalho), constatou ser o setor da construção civil responsável por 40% das emissões dos gases de efeito estufa do planeta. Além disso, os custos maiores de uma obra sustentável que podem atingir de 1 a 3%, pouco mais do que uma construção convencional, serão plenamente compensados se analisarmos que ao longo da vida útil de um edifício, 80% dos custos envolvem gastos com manutenção. Portanto, redução nos consumos de energia, água e o uso de materiais locais e menos agressivos ao meio ambiente que já contribuem positivamente para a sustentabilidade, também irá aliviar o desembolso mensal daqueles que optarem por essas obras mais sustentáveis.
Políticas públicas. Mas é verdade também que mais do que o crescimento das construções sustentáveis – ou novas ecovilas – e mesmo o desenvolvimento de núcleos de moradias autossuficientes será preciso um envolvimento mais sério dos nossos gestores públicos responsáveis pela elaboração de macro políticas urbanistas. Será preciso uma nova visão que pense as atuais cidades e as futuras aglomerações urbanas de modo a priorizar uma maior integração com o meio ambiente e o uso racional de todos os recursos disponíveis. Prioridade também para o bem viver de todos, mais próximo de uma imagem do paraíso, ao invés do inferno atual das metrópoles. Mais harmonia no dia a dia e menos estresses cotidianos que empobrecem as nossas rotinas e prejudicam a saúde física e psicológica de tantas pessoas.
E, antes de mais nada, possam fazer a simples e óbvia pergunta que ainda não foi respondida no início dessa missiva e que de certa maneira também não foi feita ao longo de toda a nossa história, afinal, qual é mesmo o habitat do ser humano? Quem se habilita?
* Reinaldo Canto é jornalista especializado em Sustentabilidade e Consumo Consciente e pós-graduado em Inteligência Empresarial e Gestão do Conhecimento. Passou pelas principais emissoras de televisão e rádio do País. Foi diretor de comunicação do Greenpeace Brasil, coordenador de comunicação do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente e colaborador do Instituto Ethos. Atualmente é colaborador e parceiro da Envolverde, professor em Gestão Ambiental na FAPPES e palestrante e consultor na área ambiental.
** Publicado originalmente no site Carta Capital.