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Quando a morte bate na porta do Protocolo de Kyoto

Bangcoc, Tailândia, 11/9/2012 – Ao fim de uma rodada de conversações sobre mudança climática na capital tailandesa, delegados dos governos dos países mais pobres deram o alerta: em novembro, quando voltarem a se reunir no Catar, poderá chegar ao final o Protocolo de Kyoto. “Nos preocupa que a integridade do Protocolo de Kyoto, o único tratado internacional que obriga as nações ricas a reduzirem suas emissões contaminantes e, por isso, nossa única garantia de que sejam tomadas medidas, se degrade diante de nossos olhos”, diz o comunicado conjunto da Aliança de Pequenos Estados Insulares (Aosis), Países Menos Adiantados e o Grupo Africano.

As três entidades representam mais de um bilhão de pessoas vulneráveis diante dos desastres da variabilidade climática. A preocupação pelo futuro do Protocolo de Kyoto em Doha, onde se reunirão os negociadores de mais de 190 países na 18ª Conferência das Partes (COP 18) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CMNUCC), tem uma justificativa: será a última antes de o relógio marcar o vencimento do prazo, 31 de dezembro, para que as nações industrializadas cumpram seu compromisso inicial de redução de gases-estufa e anunciem um novo pacto vinculante para o segundo período, a se iniciar em 2013.

Testemunhas das conversações em Bangcoc, que duraram uma semana, analistas disseram que as nações ricas estão decididas a se afastar do lugar de liderança que mostraram quando foi criado o Protocolo de Kyoto, acordado em 1997 e que entrou em vigor em 2005, após quase uma década de negociações. O documento, assinado na cidade de Kyoto, prevê que 37 nações industrializadas e a União Europeia (UE) reduzam suas emissões de gases causadores do efeito estufa em 5%, com relação aos indicadores de 1990, até 2012, quando termina a primeira etapa.

No encontro de Bangcoc, entre 30 de agosto e 5 de setembro, os “países do Anexo 1”, como são conhecidos os países industrializados no Protocolo de Kyoto, não deram sinais às nações em desenvolvimento de que farão novas reduções obrigatórias de emissões, para o período 2013-2020. “As negociações para o Protocolo de Kyoto deverão terminar com êxito, e isto significa conseguir um segundo período de compromissos na COP 18, em Doha, no Catar, disse Martin Khor, diretor-executivo do Centro Sul, grupo de estudos com sede em Genebra.

“Deveria ter surgido após a COP 17, de Durban, na África do Sul, mas foi adiada em um ano. Disso deverá tratar o encontro de Doha, sobre o Protocolo de Kyoto. Do contrário, qual o objetivo destas negociações?”, questionou Khor à IPS. “A decepção dos negociadores dos países em desenvolvimento foi evidente durante a sessão final das conversações de Bangcoc. Eles se deram conta de que as nações industrializadas não mostram nenhuma liderança para cumprir suas obrigações no contexto do Protocolo de Kyoto”, acrescentou.

Mesmo a oferta da UE, de reduzir suas emissões de gases-estufa em 20% em oito anos a partir de 2013, foi desprezada por numerosos ambientalistas. “O Protocolo que a UE quer aqui é um que não seja legal, mas apenas uma decisão política”, observou Khor. Asad Rehman, chefe de clima internacional da organização Amigos da Terra, declarou: “O objetivo de 20% oferecido pela UE é continuar como está, e isso está matando o clima, é criminoso”. Os ativistas se baseiam em estudos científicos que recomendam maior redução de emissões contaminantes para evitar que a temperatura do planeta aumente a níveis que possam causar estragos.

O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática (IPCC), ganhador do prêmio Nobel da Paz em 2007, pediu a redução de emissões contaminantes entre 25% e 40% até 2020, para evitar que o aumento da temperatura global supere os dois graus, em relação à média anterior à Revolução Industrial. Outros críticos dos países industrializados argumentaram que um regime climático promovido pelos maiores poluidores do mundo, responsáveis por 70% dos gases-estufa liberados na atmosfera entre 1890 e 2007, pode condenar o planeta ao seu pior destino.

“O que se acordou na COP 17 de Durban, em 2011, é um regime de laissez faire até 2020, quando só existirão compromissos voluntários em matéria de redução de emissões, escreveram no jornal Bangkok Post integrantes do Focus on the Global South, grupo de estudo com sede na capital tailandesa. “A tragédia é que esses compromissos representarão apenas 13% da redução de emissões de gases-estufa em relação aos níveis de 1990”, disseram Pablo Solon e Walden Bello, diretor-executivo e cofundador, respectivamente, do Focus on the Global South. “Isso levará a um aumento da temperatura global de, pelo menos, entre quatro e seis graus neste século”, destacaram.

Os Estados Unidos, o país que mais contamina, se mantiveram intransigentes na primeira etapa do Protocolo de Kyoto ao se negar a assinar o objetivo de reduzir em 5% as emissões contaminantes. Agora mostra seu poder para arrasar as expectativas que tinham as nações em desenvolvimento para a segunda fase do tratado. “O governo dos Estados Unidos se opõe a uma estrutura vertical no segundo período de compromissos do Protocolo de Kyoto”, apontou Meena Raman, assessora legal da Rede do Terceiro Mundo, grupo com sede em Penang, na Malásia. “Washington prefere um sistema de compromissos voluntários para reduzir as emissões, que não se baseia em fatos científicos nem na igualdade”, ressaltou.

Mesmo se em Doha se sair do ponto morto sobre o futuro do Protocolo de Kyoto, os cenários para os próximos anos não permitem muito otimismo para as pessoas mais prejudicadas pelos desastres climáticos, as mais pobres. “Mesmo alcançando um segundo período de compromissos, o futuro é sombrio, pois os objetivos da primeira etapa não foram cumpridos”, afirmou Dorothy-Grace Guerrero, coordenadora do programa de clima e justiça ambiental no Focus on the Global South. “A Aosis apresentou dados na mesa de negociações para a sobrevivência dos pequenos Estados insulares diante da elevação do nível do mar”, disse Guerrero à IPS. “Querem que os países do Anexo 1 reduzam suas emissões em 50% com relação aos níveis de 1990 para o segundo período de compromissos”, ressaltou. Envolverde/IPS