Buenos Aires, Argentina, 23/5/2011 – A boa estrela da indústria automobilística da Argentina, protagonista do forte crescimento industrial do país nos últimos anos, está ameaçada por sua forte dependência de componentes importados. A Argentina produziu 159 mil veículos em 2002 e aumentou a produção para 716 mil em 2010, enquanto a previsão para este ano é de 840 mil e de um milhão em 2013. Desse total fabricado, 80% é exportado e tem o Brasil como principal destino.
Contudo, a fila de automóveis parados no começo da semana na fronteira sugeriu a analistas que o limite para a continuidade do bom desempenho do setor está no Brasil, que havia barrado a entrada em seu mercado, em represália a iguais medidas tomadas pela Argentina. Finalmente, houve uma solução e a passagem foi aberta, embora com certa precaução, graças à intervenção direta dos ministros da Indústria dos dois países.
Na verdade, o problema é mais profundo do que uma disputa comercial entre os dois maiores sócios do Mercosul, que também reúne Paraguai, Uruguai e Venezuela, esta em processo de adesão plena. É que Brasil e Argentina compartilham esta indústria automotiva integrada.
A crise começou devido à implementação de restrições comerciais na Argentina à entrada de produtos brasileiros que afetam quase 24% das importações provenientes desse país, segundo a consultoria Abeceb. A ferramenta mais usada é a “licença não automática”, prerrogativa que permite frear importações por 60 dias. Neste caso, o bloqueio se prolongou por mais tempo e afeta 576 produtos procedentes do Brasil.
Em resposta, Brasília, que também apela para licenças similares a fim de proteger o mercado nacional, suspendeu a entrada de três mil automóveis procedentes da Argentina, que ficaram parados nas aduanas. Entretanto, no frigir dos ovos, o problema não é de comércio, afirmam os especialistas. O protecionismo argentino responde ao desequilíbrio da balança comercial entre os dois países. No primeiro quadrimestre deste ano, o déficit acumulado argentino é126% superior ao de igual período do ano passado.
No setor automotivo, apesar de seu constante crescimento, também existe um déficit em prejuízo da Argentina, não pelo intercâmbio de veículos montados, mas pelo acentuado desequilíbrio na área de componentes. “Se observarmos os números de 2010, veremos que no setor automotivo em seu conjunto a Argentina exportou US$ 9 bilhões e importou quase US$ 15 bilhões”, disse Marcos Ferrario, especialista nesse setor da Abeceb. Ferrario explicou à IPS que este desequilíbrio se deve ao fato de esta indústria exigir fornecedores que produzam autopeças com alto nível de desenvolvimento e nem todas as empresas instaladas na Argentina atendem estes requisitos.
Há componentes genéricos que qualquer fornecedor vende, mas outros são fornecidos por empresas especializadas e, por uma questão de escala, estas preferem se instalar no Brasil e dali exportar para a região, acrescentou Ferrario. Os fabricantes de autopeças querem maior participação, mas há problemas difíceis para empresas pequenas com a exigência de homologação de peças que atendam as exigências das montadoras, resumiu.
A ministra da indústria da Argentina, Débora Giorgi, assegura que, mediante o controle rígido das importações e sua paulatina substituição, alguns modelos já são produzidos no país, com 60% de componentes fabricados localmente. No entanto, esta política gera conflitos entre os sócios porque dificulta a entrada de baterias, pneus e outros produtos fabricados no Brasil.
Para Ferrario, o governo argentino pode estar buscando gerar incentivos. “Se dificulta a entrada de autopeças talvez essas empresas decidam se instalar aqui”, disse, ao mesmo tempo alertando que, se essa for a lógica, “é muito discutível”. O especialista disse que, se a Argentina prevê produzir um milhão de automóveis no curto prazo, necessita de uma indústria de componentes que acompanhe este processo, pois, do contrário, terá “um problema gigante de comércio exterior”.
Ferrario destacou que, atualmente, o déficit do setor automobilístico é compensado com outros itens da economia que apresentam superávit, mas estas condições podem variar. “A indústria automotiva em seu conjunto deve ter crescimento independente de outros setores para ser sustentável”, ressaltou.
Em conversa com a IPS, Fabio Rozenblum, presidente da Associação de Fábricas Argentinas de Componentes, concordou com Ferrario ao descrever um panorama em que nem todas as peças de automóveis podem ser fornecidas por empresas locais. O problema, explicou, é que “substituir uma peça importada por uma nacional é um processo que demora porque requer contar com as ferramentas para produzi-las, a tecnologia e o acesso para obter sua homologação”.
“Nossas fábricas estão em processo de substituição de importações e aumento do conteúdo local, mas isto leva tempo”, disse Rozenblum. “O governo está preocupado com o crescente déficit no setor e oferece financiamento para isto”, acrescentou. No entanto, a estratégia governamental não dará frutos no curto prazo de uma licença não automática que mantém a renda temporariamente parada. Envolverde/IPS