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Quando dar dinheiro não basta

Reclamando o direito à saúde no 4º Fórum de Alto Nível sobre Eficácia da Ajuda ao Desenvolvimento, em Busan, Coreia do Sul. Foto: Miriam Gathigah/IPS

Busan, Coreia do Sul, 2/12/2011 – O Dia Mundial de Luta Contra a Aids foi comemorado ontem buscando conseguir “zero novas infecções por HIV, zero discriminação e zero mortes relacionadas”. Na África também se necessita zero tolerância com a corrupção no manejo dos fundos de ajuda no combate à doença.

“Somente na África oriental, Uganda teve suspensa sua principal fonte de financiamento na luta contra o vírus HIV (causador da aids). Em várias ocasiões, o Quênia esteve a ponto de sofrer um destino semelhante, porque havia evidências de que se generalizara a indevida apropriação de fundos da campanha”, disse John Peter Kaguruzi, analista de políticas públicas em Ruanda.

“No Djibuti, dos US$ 5,3 milhões de concessão de fundos para luta contra o HIV, US$ 750 mil foram usados para gastos que não podem ser explicados. Histórias semelhantes pululam em Zâmbia e Mali. É provável que mais auditorias revelem um mau uso desses fundos, o que resulta em negar a muitas pessoas o acesso a iniciativas preventivas e de cura”, disse Kaguruzi.

Criar consciência é importante em lugares como o Quênia, onde os afetados são estigmatizados e considerados promíscuos. Quando morrem, são enterrados em sacos de polietileno. Com o passar dos anos, os quenianos ficaram mais conscientes da pandemia, mas isso não reduziu o estigma a ela associado. Tampouco diminuíram de modo significativo as condutas sexuais de risco. Cerca de 1,4 milhão de quenianos são portadores de HIV.

Estatísticas do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida) estimam que 22,5 milhões de pessoas vivem com HIV na África subsaariana. Pouco mais da metade são mulheres, e as crianças representam 2,3 milhões.

Anos de pesquisa não conseguiram que se chegasse a uma cura para o HIV/aids, e somente na África subsaariana a doença faz, pelo menos, um milhão de mortos por ano. Contudo, se milhões de africanos infectados com HIV ainda estão vivos é graças aos fundos fornecidos por doadores, que lhes permitem o acesso a medicamentos vitais. “É necessário mais financiamento para fornecer tratamento”, disse à IPS a enfermeira queniana Mary Naliaka.

Entretanto, talvez não seja mais financiamento a necessidade dos países africanos. Uma auditoria feita em 25 dos 145 países que recebem ajuda para combater o HIV revelou que, somente na Mauritânia, 67% da ajuda foi usada de maneira incorreta, segundo Kaguruzi. “Isto é um sinal de que há corrupção generalizada. Em alguns países os controladores não avalizaram a subvenção, mas somente uma parte. No Djibuti, por exemplo, foram auditados apenas 80% do fundo, revelando 30% de uso indevido”, acrescentou.

A falta de fundos afeta programas que conscientizam sobre o HIV/aids, bem como campanhas que distribuem preservativos gratuitamente. “Frequentemente, os dispensadores de camisinha estão vazios”, disse à IPS a conselheira Ann Kariuki, que trabalha em um centro de exames voluntários no Quênia.

Quando, em janeiro de 2002, foi criado o Fundo Mundial de Luta Contra a Aids, a Tuberculose e a Malária, como uma associação público-privada, o objetivo foi dar apoio financeiro a respostas mundiais diante dessas três doenças. No entanto, com o Fundo em meio a uma crise financeira, talvez isto não seja possível.

“O Fundo Mundial salva diariamente 4.400 vidas em países pobres, como os africanos”, disse o ativista ugandense Peter Mwendwa. “A Suécia já suspendeu US$ 83 milhões até que a crise seja resolvida”, acrescentou. A Suécia é um dos principais contribuintes do Fundo.

Na África do Sul, a Treatment Action Campaign, uma organização de ativistas contra a aids que fornece tratamento gratuito para pessoas com HIV, disse que fechará suas portas se o Fundo Mundial não cumprir seus compromissos monetários. Para realizar grande parte de seu trabalho, a organização recebeu um subsídio quinquenal do Fundo, que também financia o tratamento de 70% dos pacientes com HIV em países pobres.

Uma avaliação de como se gasta o dinheiro do Fundo Mundial na África revelou grossas incorreções no uso da ajuda, impedindo que muitas pessoas infectadas e que necessitam de tratamento antirretroviral tenham a oportunidade de levar uma vida saudável.

Desde fevereiro, o Fundo Mundial revelou o mau uso de dinheiro em 11 dos 145 países pobres receptores dessa ajuda, por uma quantia total de US$ 44,2 milhões. O Fundo Mundial “já recuperou US$ 4,5 milhões e apresentou evidências que apoiam as investigações penais em Mali, Mauritânia e Zâmbia”. Nestes países foram feitas pelo menos 20 prisões, enquanto o Fundo investiga os casos de corrupção. Esses três países também tiveram suspensas suas concessões. O mesmo ocorreu com outras nações, como Chade, Uganda e Djibuti.

Este ano, o Fundo divulgou um comunicado declarando que estabelecera medidas rígidas “para reforçar suas salvaguardas financeiras e aumentar sua capacidade de prevenir e detectar casos de fraude e de uso indevido de sua ajuda, muitas já em curso”. Segundo o comunicado, estas medidas incluem “expandir o mandato das empresas que controlam os gastos nos países para potencializar a prevenção e detecção de fraudes”. Envolverde/IPS