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Quanto os egípcios sabem sobre seu Estado?

Os protestos em todo o Egito ainda não conseguiram o direito à informação. Foto: Khaled Moussa al-Omrani

 

Cairo, Egito, 26/7/2012 – Durante o levante contra o regime egípcio de Hosni Mubarak (1981-2011), os manifestantes tomaram de assalto a sede das forças de segurança no Cairo e encontraram documentos que revelavam o meticuloso acompanhamento que o Estado fazia de seus cidadãos. Entre esses documentos havia registros de vigilância de ativistas, transcrições de conversas telefônicas e emails interceptados. Por outro lado, a sociedade egípcia ignora quase tudo das atividades de seu próprio governo. Os sucessivos regimes criaram obstáculos à obtenção de qualquer documento ou dado que os incriminasse.

Organizações de direitos humanos disseram que esse sigilo incentivou o clima de corrupção e impunidade. O acesso público à informação deixaria mais transparente o governo, disse Toby Mendel, diretor-executivo do Centro para a Lei e a Democracia, com sede em Halifax. Também é um princípio fundamental da democracia. “Para que a população participe do processo público de tomada de decisões deve ter acesso à informação sobre a qual se baseiam estas decisões”, explicou. “Se, por exemplo, alguém quer construir uma estrada, precisa ver até onde vai, que lógica tem construí-la e analisar a relação custo-benefício”, detalhou Mendel à IPS.

Pelo menos 90 países aprovaram legislações nacionais que estabelecem o direito do público conhecer informação em poder do governo e os procedimentos para solicitá-la e obtê-la. Em maio de 2011, a Tunísia se converteu no segundo país árabe, depois da Jordânia, a adotar uma lei de liberdade de informação, que honrava uma promessa do governo provisório de acabar com o silêncio dos meios de comunicação e a irresponsabilidade do regime anterior.

Depois da queda de Mubarak, em fevereiro de 2011, a sociedade civil pressionou o governo interino do Egito para adotar uma lei semelhante, como sinal de rompimento com o passado. Um informe divulgado em abril pela Associação Egípcio-Norte-Americana para o Império da Lei afirma que uma legislação de liberdade de informação potenciaria a transparência e a responsabilidade do novo governo. Também poderia contribuir para erradicar a corrupção, que debilita a economia e o sistema político.

Essas leis dão aos cidadãos a oportunidade de participar da vigilância dos representantes de seu governo, para garantir que os fundos do Estado sejam gastos no país e não caiam em contas pessoais dos funcionários, diz o documento. As empresas também usam essa lei para garantir um acesso equitativo a oportunidades de contratos com o governo, mediante avaliações de qualidade e competência, e não por nepotismo ou amizade, acrescenta.

O governo de Mubarak eliminou toda tentativa de organizações de direitos humanos de introduzir no parlamento projetos de lei na matéria. Depois do levante, o governo solicitou empréstimos a doadores internacionais para manter a atribulada economia do país, e, segundo algumas fontes, uma das condições impostas foi um acordo tácito de aprovar uma lei de transparência. Então, o Banco Mundial encarregou Mendel de redigir um projeto de lei de liberdade de informação para o governo egípcio. Mas, em junho de 2011, depois de revisar seu orçamento, as autoridades militares rejeitaram um empréstimo de US$ 3,2 bilhões do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional e arquivou o projeto.

“Nesse período, a sociedade civil tomou o rascunho que eu havia preparado, o modificou e o apresentou ao parlamento”, contou Mendel. “O governo também trabalhou sobre o rascunho original e, posteriormente, elaborou seu próprio projeto”, acrescentou. Os legisladores estavam debatendo os dois projetos quando o parlamento foi dissolvido, no mês passado. Os dois textos têm artigos em comum, mas diferem nos procedimentos e em uma lista de isenções.

O do governo trata o acesso à informação como um privilégio concedido e fornece um mecanismo para que os cidadãos a solicitem, mas só exige que as instituições do Estado forneçam dados quando sua divulgação responder “a um interesse legítimo”. O da sociedade civil vai além, pois consagra o acesso à informação como um direito e obriga os organismos do Estado e algumas instituições privadas a publicarem regularmente os detalhes de sua estrutura interna, suas atividades e decisões.

Segundo Mendel, é importante que os projetos estabeleçam um organismo avaliador independente que garanta que a lei seja cumprida, para que os cidadãos possam apelar para esse comissário de informação (uma pessoa ou um comitê) se considerarem que um pedido é injustamente rejeitado ou tem seu atendimento retardado. O comissário de informação também deveria ter autoridade para determinar se o governo classifica corretamente a exclusão de certos dados, uma categoria que permite negar acesso a eles.

São inúmeras as leis de liberdade de informação que balançaram neste ponto. A Índia, por exemplo, exonerou muitas instituições do Estado da obrigação de revelar dados, com o argumento de que eram sensíveis para a segurança nacional. As cláusulas de exclusão amplas e vagas tornam mais fácil ocultar informação que pode deixar a descoberto casos de má administração ou corrupção. “Um grande obstáculo para o Egito é quanto às forças armadas ficarem fora do alcance da lei”, pontuou Mendel. Os militares controlam 40% da economia nacional, por isso é impensável deixá-los de fora, acrescentou.

Segundo o historiador e analista militar Robert Springborg, os generais do Egito possuem terras e administram fábricas, se beneficiam do orçamento estatal e recebem U$ 1,3 bilhão anuais a título de assistência militar dos Estados Unidos. Contudo, suas propriedades e seus gastos estão totalmente ocultos da vista do público: informar sobre eles constitui um crime. “Os militares têm acesso a recursos públicos que não estão registrados de modo preciso no orçamento do Estado, e inclusive o parlamento desconhece como são utilizados estes fundos”, afirmou.

Segundo defensores dos direitos humanos, o problema vai além, já que o Egito tem em vigor várias leis que restringem o acesso a documentos e dados do governo. É imperativo, afirmam esses setores, que qualquer nova lei na matéria substitua ou modifique toda essa legislação anterior, ou que o direito à informação esteja consagrado na nova Constituição, cuja redação é iminente. Envolverde/IPS