Você recebe um telefonema. Em segundos, procura identificar se a voz é conhecida, se é de homem, mulher ou criança, e qual o estado de espírito do interlocutor: nervoso, alegre, apressado, infeliz, indiferente?
Para colher tantas informações a partir de um único evento auditivo, são mobilizados circuitos de neurônios situados nos dois lados do cérebro. Aqueles responsáveis pelo reconhecimento da voz ocupam áreas do hemisfério direito, enquanto os que se encarregam de decifrar o significado da fala estão concentrados no esquerdo.
No passado, imaginávamos que esses dois módulos funcionariam de forma independente: um deles cuidaria do “quem”, o outro do “o quê” (the who and the what).
Neste ano, o grupo de Tyler Perrachione, do MIT, trabalhando com portadores de dislexia, publicou na revista Science um estudo que contradiz esse conceito de independência entre o quê e o quem.
A dislexia tem sido considerada resultante de um defeito no processamento sensorial ou cognitivo. Os neurocientistas do MIT demonstraram pela primeira vez que essas deficiências fonológicas também comprometem o reconhecimento de vozes.
Eles compararam pessoas com muitos anos de história de dislexia com outras não disléxicas (grupo controle), de idade, nível educacional e cociente intelectual semelhantes. Todas precisavam aprender a reconhecer cinco vozes que nunca tinham ouvido.
Quando as vozes desconhecidas falavam em inglês, a língua nativa dos participantes, as pessoas com dislexia apresentaram uma performance 40% inferior. Quando falavam mandarim, essa diferença entre os controles e os disléxicos desapareceu.
Ao contrário dos não disléxicos, aqueles com dislexia deixaram de apresentar a vantagem de reconhecimento de vozes na língua nativa em relação à estrangeira. A dificuldade para identificar vozes é um achado novo na dislexia, que não pode ser explicado por problemas auditivos nem de aprendizado.
Por que o nosso cérebro funciona dessa maneira?
Para os autores, a explicação tem raí-zes evolutivas. “A complexidade crescente do mundo social criou uma pressão seletiva sobre os mecanismos cerebrais para integrar, em vez de isolar, as informações colhidas no ambiente. Essa integração funcional da informação (objetivo social) com o conteúdo da mensagem (objetivo linguístico) proporciona o máximo de detalhes da cena social.”
Se eles estiverem certos, a mente dos bebês funcionaria da mesma maneira?
Um bebê de 7 meses só é capaz de reconhecer a troca da pessoa que fala, se ouvi-las na língua falada em casa. Ele não consegue perceber a diferença entre as que conversam num idioma desconhecido. Como nessa idade os bebês ainda não entendem as palavras, a dificuldade com o interlocutor estrangeiro não pode ser atribuída à falta de compreensão, mas à ausência de memórias arquivadas. Essas características sugerem que o cérebro do bebê armazena informações detalhadas sobre a sucessão de sons que costuma ouvir das pessoas mais próximas.
Quando os bebês escutam línguas -estrangeiras aos 7 meses, eles se comportam como o adulto com dislexia diante da língua nativa.
Aos 9 meses, só aprendem sílabas e palavras estrangeiras se interagirem diretamente com a pessoa que lhes fala. Diante da tevê não conseguem. Nessa idade, se tiverem de decidir entre dois interlocutores que lhes dirigem a palavra, um dos quais na língua nativa, o outro em idioma estrangeiro, preferem olhar para o primeiro.
Essas observações demonstram que interações sociais afetam o processamento da linguagem nos bebês. A fala é um exemplo de que associar a fonte (quem) ao conteúdo da informação (o quê) agrega valor. Os bebês parecem nascer predispostos a aprender por meio da integração social e da informação linguística.
Agora, precisamos descobrir como centros cerebrais localizados em lados opostos do cérebro conseguem transferir a informação de um para o outro, de modo que a ativação de um deles coloca o outro em ação.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.