Quem governa na União Europeia?

Lisboa, Portugal, setembro/2011 – Uma atenta avaliação da informação sobre a crise portuguesa que é divulgada pelos meios de comunicação permite comprovar que dela se fala todos os dias e até o limite do esgotamento, mas o fazem sem mencionar suas causas e, menos ainda, identificar seus responsáveis, apesar de existirem e serem conhecidos.

Tampouco se relaciona de maneira significativa nossa crise com a crise global, em especial a europeia. Parece que o mais importante é o que dirá o informe da Troika, formada por Fundo Monetário Internacional, União Europeia (UE) e Banco Central Europeu quanto ao cumprimento do memorando sobre as reformas com as quais Portugal se comprometeu para receber o crédito de 78 bilhões de euros destinado a aliviar a precária situação econômico-financeira.

Obviamente, isto é importante, mas está longe de resolver nossos problemas. Com se a situação econômica global não mudasse todos os dias e não tivesse repercussões imediatas em nossa situação nacional, a qual também vai mudando…

Em termos governamentais, os mercados especulativos parecem ditar a lei, como se os Estados nacionais – ou os Estados da zona do euro – tivessem que obedecer sem alternativa as agências qualificadoras de risco e não tivessem instrumentos próprios para dominá-los. Mas, os têm. Trata-se, nem mais, nem menos, da vontade política de quem governa a União Europeia.

Contudo, bastou que Itália e Espanha começassem a ser atacadas – com as consequências que disso resultaram –, para que os espíritos mais atentos se apressassem a mudar de critério, gerar dúvidas e reclamar que as instituições europeias abandonem a paralisia em que permanecem e tratem de reagir com bom senso. Claro que há meios para fazê-lo, se quiserem. Eu pergunto: quem fabrica a moeda euro? Não é o Banco Central Europeu…? Agora, se fosse preciso, o BCE poderia colocar para trabalhar – quando quiser – a máquina de produzir moeda?

Na verdade, a União Europeia, bem como os Estados Unidos, têm de compreender que estão diante de um dilema muito sério: ou mudam de modelo econômico – o qual seguem com persistência nos últimos anos –, ou a crise global os arrastará para uma decadência irreversível em um mundo de progresso emergente (com China, Índia, Rússia, Brasil, África do Sul e, talvez, Indonésia, na cabeça). Portanto, a UE tem de mudar radicalmente de política e avançar no sentido federal, com um governo econômico e político que seja solidário e capaz de se impor no cenário internacional.

Quanto aos Estados Unidos, é urgente que abandone a economia virtual e o capitalismo de “cassino” – e ainda não o fizeram – impondo regras éticas aos mercados e às agências qualificadoras de risco, reduzindo-os à sua real insignificância e acabando com os “paraísos fiscais”. Agrade, ou não, ao Tea Party. Esta é uma questão de sobrevivência.

Se isso acontecer – como espero –, o Ocidente terá futuro. Do contrário, se verificará a decadência do Ocidente, como profetizou Oswald Spengler no começo do século passado.

Portugal, depois da crise política, tem um novo governo com uma orientação neoliberal típica e ministros inspirados, mais ou menos, na Escola de Chicago. Sendo assim, parece ter poucas condições para subsistir muito tempo porque a evolução da União Europeia necessariamente caminhará no sentido contrário.

A União Europeia, com a crise que bate nas portas de países como Itália, Espanha, Bélgica e, talvez, outros, finalmente terá de chegar a acordos para enfrentar suas responsabilidades. Com os Estados Unidos depois do compromisso concretizado entre democratas e republicanos. A própria China e outros países emergentes temem que se caminhe para uma crise mundial de proporções nunca vistas. E, não é possível deter a ganância dos mercados e a irresponsabilidade das agências qualificadoras de risco?

É difícil imaginar que os responsáveis políticos sejam tão incapazes a ponto de se negarem a ver a realidade da situação. Envolverde/IPS

* Mario Soares é ex-presidente e ex-primeiro-ministro de Portugal.