Washington, Estados Unidos, 9/11/2011 – Embora o movimento Ocupe Wall Street e protestos semelhantes que sacodem os Estados Unidos tenham se tornando quase sinônimos de democracia, processos baseados no consenso e outros símbolos de unidade, a linguagem e as táticas que empregam os isolam de muitas populações do país. Os imigrantes tentam participar, embora as ocupações ocorram quase exclusivamente em centros urbanos, e as grandes maiorias de estrangeiros trabalhem em subúrbios e áreas rurais dedicadas à agricultura.
Entretanto, Erik Nicholson, porta-voz do United Farm Workers (Trabalhadores Agrícolas Unidos), um sindicato com 27 mil membros, disse à IPS que entre a comunidade de imigrantes há um apoio generalizado ao movimento. “Somos por definição uma organização transnacional, já que a esmagadora maioria de nossos membros em áreas agrícolas é de imigrantes que foram obrigados a fugir dos devastadores impactos das mesmas políticas econômicas contra as quais protesta o movimento Ocupe aqui, nos Estados Unidos”, explicou Nicholson à IPS.
“Políticas como o TLCAN (Tratado de Livre Comércio da América do Norte) causaram na década de 1990 um enorme êxodo de produtores de milho do México, que chegaram aos Estados Unidos em busca de emprego. Agora trabalham em condições terríveis”, afirmou o porta-voz. Este ano houve pelo menos duas mortes em plantações do Estado da Califórnia, acrescentou. Os fazendeiros não dão aos trabalhadores água ou teto contra o Sol, por isso “literalmente caem mortos pelo calor”, ressaltou.
“Contudo, essas tragédias que ocorrem no agro não estão desconectadas de Wall Street. Quantidades sem precedentes de capitais de risco são jogadas na agricultura norte-americana com promessas impossíveis de retorno em uma indústria altamente volátil”, ponderou Nicholson. Há menos de duas semanas houve uma manifestação contra a Darigold, uma grande corporação que comercializa leite em um estabelecimento cujos trabalhadores sofrem tratamento horroroso. “O Ocupe Seattle uniu-se a este protesto, o que representou uma grande aproximação dos dois movimentos”, contou.
“Temos de reconhecer o incrível grau de temor que há nas comunidades de imigrantes. Quando saem de suas casas pela manhã não têm ideia se voltarão à noite ou se acabarão presos em ações policiais sob as novas e draconianas leis anti-imigração que regem neste país”, alertou o porta-voz. “Mesmo assim, apoiam o movimento Ocupe porque representa um momento real para a ação em massa, une esforços diversos e continua crescendo. Precisamos continuar fazendo o trabalho que sempre fizemos, continuar nos movendo e buscando maneiras de nos conectar”, disse Nicholson.
Dias depois de o Ocupe Wall Street publicar sua declaração “Uma demanda”, o blogueiro John Paul Montano escreveu uma carta aberta aos ocupantes, expressando sua preocupação pela linguagem dos “99%”. Na carta diz que “esperava que vocês, que lutam pela justiça e pela igualdade, mencionassem que a mesma terra sobre a qual protestam não lhes pertence, que vocês são hóspedes sobre essa terra indígena roubada”.
O blogueiro acrescenta que “esperava que abordassem a história centenária que nós, os povos indígenas deste continente, sofremos enquanto vozes diziam estar construindo uma ‘terra de liberdade’ sobre nossas sociedades indígenas, sobre nossas terras indígenas, enquanto destruíam e/ou ignoravam nossos modos de vida”.
Poucas semanas depois, Julián Padilla, atual porta-voz do subcomitê de educação do Grupo de Trabalho de Pessoas de Cor (POC WG) na cidade de Nova York, publicou um folheto detalhando que em 1685 a Dutch West India Company obrigou povos africanos escravizados a construírem um muro entre os comerciantes brancos e os indígenas norte-americanos, que ainda lutavam pela sua terra, contra os colonos que agora são a baixa Manhattan.
O muro garantiu um espaço para que os comerciantes comprassem e vendessem suas ações “até que formalizaram a prática mediante a criação da Bolsa de Valores de Nova York, em 1792”, completou. Em uma marcha de protestos vários dias depois, Padilla, junto com outros organizadores, tentou mudar a letra da música que a multidão entoava de “Todo o dia, toda a semana, Ocupe Wall Street” para “Todo o dia, toda a semana, descoloniza Wall Street”, mas foi em vão.
“A maioria dos indígenas não quer confrontar o fato básico de que os povos indígenas foram as primeiras vítimas de todas as traições que ocorrem aqui em Wall Street”, disse à IPS Joseph, membro do movimento aborígine norte-americano. “As pessoas não querem usar as palavras reais associadas a este lugar: genocídio, assassinato, tortura, violação, escravidão”, escreveu.
“Ouço as pessoas falarem das leis Jim Crow (que por quase um século institucionalizaram a segregação racial nos Estados Unidos), de que os negros tinham que usar portas diferentes para entrarem nas cafeterias. Não esqueçamos que os indígenas não tinham porta alguma aberta”, ressaltou Joseph. Sua mesa no Parque Zucotti, repleta de literatura política contemporânea e histórica, recebe pouca atenção da multidão, mas ele está determinado a ir até o fim.
No final de outubro, os organizadores das manifestações em Albuquerque decidiram renomear seu protesto “(Des)Ocupe Albuquerque”, por respeito à ativa população indígena do Novo México e para conectar a expansão capitalista e o movimento local pelo direito à terra. Em Albuquerque, um participante de uma manifestação escreveu no Daily Kos que, “para os aborígines do Novo México, ‘ocupe’ significa 500 anos de ocupação forçada de suas terras, seus recursos, cultivos e também de suas vozes por parte de potências imperiais como Espanha e Estados Unidos. A grande parte dos 99% viu com bons olhos esse acordo”, afirmou.
Padilla disse à IPS que “ocupar um espaço não é ruim por si só; a questão é por quem, como e por que. Quando os colonizadores brancos ocupam uma terra, não só dormem ali durante a noite. Também roubam e destroem. Quando os indígenas ocuparam a Ilha de Alcatraz, foi um ato de protesto”, acrescentou.
“Ocupar significa apoderar-se de um espaço, e penso que um grupo anticapitalista que ocupa o espaço em Wall Street é poderoso, mas desejo que o movimento da cidade de Nova York mude seu nome para ‘descolonize Wall Street’ para levar em conta a história e as críticas indígenas, as pessoas não brancas e o imperialismo”, acrescentou. Envolverde/IPS
* Este é o segundo de dois artigos sobre as influências étnicas e de classe nos movimentos inspirados no Ocupe Wall Street nos Estados Unidos.