O que há em comum entre os jovens espanhóis, chilenos e ingleses que têm aparecido nas manchetes dos jornais e em noticiários televisivos em todo mundo? Uma primeira resposta aposta na diferença: jovens espanhóis e chilenos “participam” do jogo democrático enquanto os jovens ingleses são vândalos que ameaçam as instituições e a sociedade. Imagens de suas ações violentas correm o mundo, justificam a repressão policial, minimizam a discussão sobre direitos sociais. Trazem à tona a “violência” como característica inerente a esta geração juvenil. Como em um passe de mágica, repentinamente, as gangues teriam deixado de ser pequenos grupos localizáveis em distintos bairros de Londres para se transformar numa considerável e unida horda de jovens violentos provenientes de certos bairros da metrópole.
Porém, quando se procura o que há em comum entre o que está ocorrendo com os jovens dos três países evidencia-se a falência do casamento entre educação e trabalho. Este é o divórcio que marca a experiência de vida desta geração juvenil na qual se incluem jovens universitários chilenos, jovens “indignados” na Espanha e, também, os ameaçadores jovens ingleses.
No Chile os jovens questionam os rumos da educação. Obedientes às recomendações do Consenso de Washington, governos chilenos fizeram seu dever de casa desobrigando-se com subsídios para o transporte de estudantes do ensino médio e ampliando a privatização da educação universitária. Alguns anos atrás, os jovens do ensino médio saíram às ruas para reivindicar acesso aos meios de transporte, hoje nas universidades são estes mesmos jovens – na época, conhecidos como pinguins – que questionam a mercantilização da educação chilena. Na Espanha, os jovens indignados reagem ao desemprego. Ocupam praças e com suas consignas propõem reformas radicais na educação e no mundo do trabalho. São eles os mais atingidos pelas dificuldades de inserção produtiva nos moldes do Século 21. Se o desemprego na Espanha chega a 25% nos índices gerais, entre os jovens os números chegam a 40%.
As juventudes dos três países expressam dilemas da sociedade atual, na qual transformações tecnológicas produzem, a cada dia, incessantes mutações e restrições no mundo trabalho. Na realidade, para a grande maioria dos jovens de todo o mundo, os certificados escolares não são mais garantia de inserção produtiva, e a palavra “trabalho” sempre evoca incertezas. Entre eles, em comum, há o medo de sobrar. Isto é, de não encontrar um lugar no mundo presente e no futuro.
Os jovens espanhóis e chilenos têm acesso a vagas no sistema escolar. Há muito tempo a Espanha parecia ter resolvido a questão educacional. O Chile é sempre citado como o país da América Latina com maior cobertura educacional. Porém, se os certificados escolares são como passaportes necessários, eles não garantem a viagem para o mundo do trabalho. Em parte porque os currículos escolares, as carreiras oferecidas e, também, o formato do sistema escolar estão engessados. De maneira geral, as escolas de hoje ainda refletem o paradigma da sociedade industrial sem considerar fatores da economia global e suas consequências nas trajetórias e mobilidade juvenil.
Ora, os jovens moradores de bairros de desempregados em Londres fazem parte deste mesmo mundo e desta mesma geração de jovens. Não se pode dizer que não tenham acesso a escola pública, na qual estão 93% dos estudantes ingleses. Mas, este acesso não se traduz em qualidade do ensino, não é mais garantia de emprego e, ainda, reproduz as desigualdades sociais acirradas pela nova geopolítica do capitalismo global. Na maioria filhos de migrantes, de segunda ou terceira geração, são eles os mais atingidos por múltiplos fatores geradores de discriminação ligados à cor, à aparência e ao endereço. Estas características, evidentes nas fichas preenchidas por candidatos a empregos e nas fotos ali anexadas, contam cada vez mais como filtros seletivos no competitivo e mutante mercado de trabalho.
Apesar das novas configurações, as reações que jovens mobilizados provocam nos governos e na sociedade são velhas. Por um lado, quando se fala nos jovens espanhóis ou chilenos, os discursos e proposições reafirmam estratégias para aumentar a escolaridade e níveis de emprego. Fala-se em crescimento econômico sem questionar as atuais políticas de emprego e os padrões educacionais estabelecidos e falidos. E, por outro lado, nos comentários sobre os jovens ingleses predominam estratégias de contenção e repressão à violência que, de maneira geral, reforçam os preconceitos e a segregação espacial urbana.
Berço da sociedade salarial, fiadora da promessa moderna que estabelece como dever do Estado a garantia da escola pública para todos e o cumprimento dos direitos trabalhistas, a Inglaterra de hoje está a provocar questionamentos sobre o futuro das juventudes de todo o mundo. Ali as recentes manifestações não só comprovam a falência da clássica relação entre educação e trabalho, mas também expõem as fissuras das políticas sociais mais recentes dirigidas aos jovens. Por tudo isto, é preciso perguntar: a quem interessa que os jovens ingleses desempregados sejam vistos simplesmente como criminosos?
* Regina Novaes é cientista social, foi secretária nacional de Juventude – adjunta e presidente do Conselho Nacional de Juventude de 2005 a 2007. Doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP), desenvolve pesquisas nas áreas de juventude, religião e política.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.