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Quênia descobre um inacessível excesso de água

O condado de Turkana é a região mais árida do Quênia. Segundo especialistas, a descoberta de 200 mil metros cúbicos de água na região deve beneficiar diretamente a comunidade do lugar, majoritariamente nômade. Foto: GNR8R/CC by 2.0
O condado de Turkana é a região mais árida do Quênia. Segundo especialistas, a descoberta de 200 mil metros cúbicos de água na região deve beneficiar diretamente a comunidade do lugar, majoritariamente nômade. Foto: GNR8R/CC by 2.0

 

Nairóbi, Quênia, 19/9/2013 – Zakayo Ekeno passou décadas pastoreando gado nas áridas terras do condado queniano de Turkana, como seu pai fizera antes. Nada nesses solos liquidados pela seca lhes indicava a riqueza que escondiam. “Muitas vezes me perguntei se poderia sair algo bom desta terra de má sorte”, contou Ekeno. Turkana é o mais árido e pobre dos 47 condados do Quênia. Em 2011, quase 9,5 milhões de pessoas dessa comunidade, principalmente nômade, foram afetadas por uma severa falta de chuvas.

Assim, poucos poderiam ter sonhado que debaixo dessa terra rachada e chamuscada pelo Sol havia água suficiente para abastecer durante 70 anos um país de 41,6 milhões de habitantes como este. No dia 11 deste mês, o governo do Quênia e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) anunciaram a descoberta de reservas de aproximadamente 200 mil metros cúbicos de água doce na bacia do Lotikipi, em Turkana.

“Todos os anos perdemos gado por falta de água e pastagens. Também vivemos com medo de que outros roubem nossos animais para substituir os que perderam. Eu mesmo já fiquei ferido nesses assaltos. A água é a solução para este conflito”, pontuou Ekeno. Até agora a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o Quênia como um país com escassez hídrica crônica, e estatísticas da Unesco mostram que 17 milhões de pessoas não têm água potável. O Quênia consome cerca de três bilhões de metros cúbicos por ano.

Embora a descoberta tenha sido recebida com emoção, especialistas em água e meio ambiente, como a cientista Judith Gicharu, alertaram que o governo queniano tem pouca capacidade e marcos legais para manejar esta sustentabilidade hídrica. “Temos a Lei da Água de 2002 e a Lei de Manejo e Coordenação Ambiental de 1999. Entretanto, elas não fornecem um contexto apropriado para a administração da água subterrânea”, indicou à IPS.

Existem disposições em marcos mais amplos, mas não abordam especificamente o uso da terra e a administração das camadas freáticas, explicou Gicharu. As decisões sobre a água subterrânea “não costumam se basear em normas sólidas. E, mesmo havendo regulamentações, raramente são cumpridas. A implantação de qualquer disposição fica comprometida pela superposição de responsabilidades de diferentes órgãos do governo que se ocupam da água e do meio ambiente”, detallhou.

No Quênia, todos os recursos hídricos pertencem ao Estado, e as entidades governamentais devem aprovar e dar permissões para o uso da água. Contudo, segundo o informe intitulado Quênia: Estudo de Caso Sobre a Governança da Água Subterrânea, publicado em 2011 pelo Banco Mundial, “não existe consciência estratégica sobre a necessidade de proteger estes recursos”.

Ikal Angelei, da organização ambientalista comunitária Amigos do Lago Turkana, alertou que, na falta de um forte contexto legislativo que possa estabelecer “a forma de explorar os recursos, quem se beneficia deles e como, é possível que esta riqueza natural não melhore significativamente a sorte do país”. A ativista acrescentou que, “tão logo foi descoberto o aquífero, e a população de Turkana já está ausente do diálogo sobre a água. O governo já fala em abastecer todo o país com a ‘nova’ água, mas, quanto dela será destinado aos habitantes do lugar?”

Esta é a segunda maior descoberta de recursos naturais em Turkana. Em março de 2012 a empresa de exploração petroleira Tullow Oil anunciou a descoberta de milhões de barris de óleo na bacia do Lokichar. “Não podemos seguir o mesmo caminho que tomou a questão do petróleo. Desde que foi descoberto em Turkana, os investidores só se interessaram em saber quando começará a ser explorado. Dos benefícios para a comunidade não falam”, destacou Angelei.

Para o economista Arthur Kimani, “o governo tem de ajudar a comunidade a entender que, além de beber a água, este recurso também pode gerar dinheiro, por exemplo, se usado para cultivar espécies comerciais”. Uma fonte do Ministério do Meio Ambiente, Água e Recursos Naturais declarou que essas críticas “não poderiam estar mais longe da verdade. De fato, a população de Turkana obterá água nas próximas duas semanas. Também nos comprometemos com o setor privado para concretizar associações que resultem economicamente viáveis para a comunidade”.

Kimani insiste em que o papel do governo é crucial para administrar o fornecimento de água subterrânea. É necessário que haja participação pública para acordar como acontecerá”, ressaltou. “Muitas empresas trabalham com uma camarilha de gente bem conectada para apresentar um sistema opaco de declaração de resultados do que foi explorado e da renda obtida”, afirmou.

“Os esquemas de renda compartilhada deveriam ser adotados de maneira aberta, para que o setor estatal tenha oportunidade de participar e se desestimule os funcionários que buscam benefícios pessoais à custa do público, sobretudo da comunidade que vive perto dos recursos naturais”, enfatizou Kimani. Por sua vez, Samuel Kimeu, diretor-executivo do escritório da Transparência Internacional no Quênia, disse à IPS que é necessário existir clareza em toda a cadeia de extração. Do contrário, “os termos das licenças irão contra o interesse público, que fica privado de seus possíveis ganhos”, ressaltou. Envolverde/IPS