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Quênia prepara lei sobre mudança climática para salvar cultivos básicos

Daniel Njau, pequeno agricultor de chá do condado de Nyeri, centro do Quênia, contempla o dano sofrido por seus cultivos devido às fortes variações climáticas. Foto: Miriam Gathigah/IPS
Daniel Njau, pequeno agricultor de chá do condado de Nyeri, centro do Quênia, contempla o dano sofrido por seus cultivos devido às fortes variações climáticas. Foto: Miriam Gathigah/IPS

 

Nairóbi, Quênia, 6/6/2014 – Daniel Njau, pequeno agricultor do condado de Nyeri, no centro do Quênia, está consternado diante da possibilidade de precisar substituir sua plantação de chá por outros cultivos alimentícios mais resistentes às variações climáticas. “O chá é muito sensível às variações do clima. Qualquer mudança drástica significa a perdição para o cultivo comercial. Nos últimos anos tive mais prejuízos do que ganhos”, disse à IPS esse proprietário de seis hectares.

Mas as estatísticas do Ministério da Agricultura mostram que Njau é apenas um dos aproximadamente 500 mil pequenos produtores de chá cujos meios de vida enfrentam a incerteza por causa da mudança dos padrões climáticos nesse país da África oriental, de 44 milhões de habitantes. A comunidade científica afirma que a mudança climática que prejudica a agricultura se deve ao aquecimento global, produzido em grande parte pela emissão de gases-estufa, como o dióxido de carbono.

Especialistas da Organização das Nações Unidas (ONU) também alertam que, na medida em que as zonas de plantação do milho se tornarem mais quentes, a produção do cereal – cultivo básico do Quênia – diminuirão 20% e o rendimento de outros alimentos essenciais, como feijão, cairá 68%. Essa situação afeta pelo menos 300 mil produtores de milho, segundo dados do Ministério da Agricultura.

Os especialistas culpam a baixa capacidade de adaptação ao vai e vem do clima pela falta de uma política nacional e de uma lei sobre mudança climática no Quênia. Quanto à política sobre mudança climática, o contexto jurídico do país está fragmentado, já que cada setor tem sua própria legislação. Em 2013, o então presidente Mwai Kibaki rejeitou um projeto de lei marco, conhecido como Autoridade de Mudança Climática, apresentado em 2012.

A vice-presidente da Assembleia Nacional legislativa, Joyce Laboso, apontou à IPS que, embora essa iniciativa tenha sido rechaçada por falta de participação pública em sua discussão, “o novo projeto de lei de mudança climática 2014 conquistou uma significativa boa vontade política”. Esse projeto proporcionará um contexto jurídico e institucional para a mitigação da mudança climática e para os esforços de adaptação à mesma.

Os agricultores do Quênia, especialmente os pequenos produtores, vivem tempos de incerteza, já que as condições climáticas extremas fizeram com que as principais fontes de água do país produzissem menos do que antes. Foto: Miriam Gathigah/IPS
Os agricultores do Quênia, especialmente os pequenos produtores, vivem tempos de incerteza, já que as condições climáticas extremas fizeram com que as principais fontes de água do país produzissem menos do que antes. Foto: Miriam Gathigah/IPS

Uma vez que se converta em lei, o projeto também assessorará o governo nacional e os condados sobre os convênios regionais e internacionais sobre mudança climática que envolvem o Quênia. Além disso, facilitará a aplicação desses instrumentos.

John Kioli, redator do malogrado projeto de lei de 2012 e presidente do Grupo de Trabalho sobre Mudança Climática do Quênia, afirmou que essa iniciativa legislativa “ressuscitou” no novo projeto de 2014. Laboso explicou que o projeto 2014 foi apresentado aos legisladores em janeiro, “já passou por sua primeira leitura e agora está em um comitê à espera da segunda leitura”.

Segundo Kioli, “a destinação de fundos para a mudança climática é um grande desafio”. Ele explicou que, se o projeto de lei de 2012 tivesse sido aprovado, se teria constituído uma autoridade da mudança climática independente, com faculdades legais de autorregulamentação, bem como um fundo fiduciário que financiaria os projetos de adaptação. O projeto de 2014 estabelecerá um fundo para a mudança climática que facilitará os esforços de mitigação e adaptação ao mesmo.

O governo calcula que o quinquenal Plano de Ação Nacional para a mudança climática exigirá investimento de aproximadamente US$ 12,76 bilhões. Isto equivale ao orçamento fiscal correspondente ao período 2013-2014. O plano de ação é um modelo sobre como aplicar a Estratégia Nacional de Resposta à Mudança Climática (NCCRS).

Kioli assegurou que o país segue no caminho certo com relação à legislação. Mas, há muitos problemas, sobretudo com relação à “falta de compreensão da diferença entre ambiente e mudança climática”. Segundo o político, isso ficou evidente quando alguns setores pediram a modificação da lei de Meio Ambiente, Gestão e Coordenação (1999) para que atuasse como uma solução para a mudança climática.

“Pesquisamos sobre os efeitos da mudança climática em diversos setores, como a agricultura, e a conclusão é que existem lacunas legislativas importantes”, pontuou Kioli. E afirmou que o primeiro compromisso tangível do país com o combate à mudança climática foi a promulgação, em dezembro de 2009, da NCCRS, o que garantirá a adoção de medidas firmes nesse sentido. Entretanto, especialistas advertem que a NCCRS, embora importante, é apenas um plano de ação e não uma política nacional ou uma lei.

Apesar de uma política de estado não ser aprovada pela Assembleia Nacional e, portanto, não ser juridicamente vinculante, é um marco importante implantado por meio de uma lei. Além disso, o Plano Nacional de Ação Contra a Mudança Climática destaca a necessidade de contar com uma política e uma legislação específicas.

No entanto, Laboso informou que a Comissão de Meio Ambiente e Recursos Naturais e o Ministério de Meio Ambiente, Água e Recursos Naturais mantiveram reuniões com diversas partes interessadas, incluídos senadores e legisladores dos condados, para acertar as questões polêmicas e realizar modificações pertinentes ao projeto de lei sobre mudança climática de 2014.

“As modificações serão apresentadas ao parlamento em um informe, junto com o projeto de lei para debate, assim que a legislatura retome suas funções após o recesso” de junho, pontuou Laboso. “O ritmo de trabalho é bom, já que tanto a política nacional em matéria de mudança climática quanto o projeto de lei de 2014 se desenvolvem lado a lado”, acrescentou. Envolverde/IPS