Thiruvananthapuram, Índia, 19/7/2011 – Quando o marido da indiana Sujatha soube que ela estava grávida apenas cinco meses após se casar, considerou que era “mau momento” para receber um bebê. Para piorar sua ansiedade, um exame indicou que ela esperava uma menina. Sujatha, professora em uma escola pública, e seu marido, engenheiro civil (ambos pediram para não publicar seus nomes completos) procedem de famílias ricas e educadas de Thiruvananthapuram, capital do Estado de Kerala. Porém, se atreveram a violar a lei e buscaram no Hospital Sree Avittam Thirunal algum médico que praticasse o aborto em Sujatha, que foi agendado para um mês depois.

A lei proíbe os casais indianos de selecionar o sexo dos filhos, bem como discriminar os que forem meninas. Os abortos são legais apenas em alguns casos, como quando, no caso de doença da mãe, uma gravidez pode colocar sua vida em risco, ou quando se descobre que o bebê tem um problema grave. Mesmo com estas leis em vigor, casais educados de contextos urbanos, como Sujatha e seu marido, optam por abortos seletivos com base no sexo, o que causa uma redução da população feminina.

Os exames para se saber o sexo do feto aumentaram em todo o país, apesar dos esforços para fortalecer a Lei de Técnicas de Diagnóstico Pré-Natal e de Pré-Concepção, que está contra o mau uso desses estudos que derivam na escolha do sexo pelos pais. O ministro da Saúde, Ghulam Nabi Azad, disse aos jornalistas em Nova Délhi que o conselho central encarregado de controlar o cumprimento dessa lei foi criado para prevenir a generalização dos exames que determinam o sexo.

Azad afirmou que o Conselho Médico da Índia (MCI) “deveria garantir com urgência a rápida implantação de pautas para capacitação e experiência” nesse sentido. O governo pediu ao MCI que implante um severo sistema de credenciamento para os institutos que dão formação sobre o uso do ultrassom, além de considerar a quantidade cada vez maior de instituições fraudulentas que usam certificados falsos. Os departamentos de saúde dos Estados também começaram a tomar medidas contra centros ilegais de ultrassom e clínicas maternais fraudulentas. O parlamento aprovou, em 1994, a Lei de Técnicas de Diagnóstico Pré-Natal e de Pré-Concepção e a emendou em 2003.

Fontes do departamento central de saúde disseram que desde então, e até março deste ano, foram apresentados 805 processos contra médicos por violação da lei, o que derivou em 55 condenações. “A psique sociocultural indiana prefere um filho a uma filha. Esta crença é muito forte no noroeste da Índia, o que inclui Haryana e Nova Délhi, onde os exames que depois permitem a escolha do sexo são muito comuns”, disse à IPS o médico V. Raman Kutty, ativista sanitário e professor no Centor Achutha Menon para Estudos sobre a Ciência da Saúde em Thiruvananthapuram.

“Os avanços na ciência médica ajudaram na popularidade destes exames. As grandes cidades são os principais centros para a realização destes exames, já que contam com laboratórios sofisticados. Porém, a amniocentese e o ultrassom estão disponíveis inclusive nas clínicas de pequenos povoados e cidades menores”, afirmou Kutty.

Uma pesquisa liderada por Prabhat Jha, da canadense Universidade de Toronto, publicada na revista médica britânica The Lancet, estima que nas últimas três décadas foram praticados 12 milhões de abortos seletivos de meninas na Índia. Os abortos seletivos com base no sexo foram incomuns no país na primeira metade do Século 20, mas a disponibilidade do ultrassom facilitou o procedimento, o que fez aumentar a frequência desses estudos.

A lei sobre aborto tem muitas lacunas que impedem que os infratores sejam punidos penalmente, afirmam alguns especialistas. “No sistema atual, médico e paciente podem realizar abortos por motivos equivocados. Uma pesquisa feita em Mumbai revelou que nenhum dos dois leva em conta as advertências legais e abortos são praticados em fases avançadas da gravidez, após descobrir que o feto é feminino”, disse à IPS Sunny Sebastian, especialista em saúde, morador nessa cidade.

A escolha com base no sexo tem consequências sobre a população. O Censo 2011 detectou queda na quantidade de meninas entre zero e seis anos. Em 1981, havia 971 meninas para cada mil meninos, enquanto este ano a quantidade de meninas caiu para 914. Os dados revelam que essa relação diminuiu em 431 distritos, mas melhorou em outros 149. Ao citar as conclusões do novo censo, Azad disse que há 7,1 milhões a menos de meninas do que de meninos. “Em 2001, essa brecha era de seis milhões. Isto significa que entre 3,1 milhões e seis milhões de meninas foram abortadas na última década”, acrescentou.

Os ativistas afirmam que impedir o aborto de fetos femininos é um sério desafio para a sociedade indiana, e que o fator econômico tem papel fundamental na mudança da proporção meninos-meninas. O bem-estar financeiro de uma família determina se esta decidirá ter ou não uma menina, disse à IPS a ativista social e conferencista Durga Lakshmi, do Instituto Metca de Formação de Professores em Varkala, Kerala.

“Mediante o poder, o fortalecimento dos direitos, o ativismo contra as más práticas e uma rígida implementação da lei, a sociedade pode eliminar a seleção segundo o sexo e o aborto de meninas. Os problemas econômicos são a base para que famílias menores prefiram filhos homens. Nas famílias pobres acredita-se que as filhas são uma carga econômica”, acrescentou Lakshmi. Envolverde/IPS