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Questão nuclear iraniana depende de provas que os Estados Unidos não querem mostrar

Ex-diretor geral da AIEA, Mohammad El Baradei. Foto: WEF/cc by 2.0
Ex-diretor geral da AIEA, Mohammad El Baradei. Foto: WEF/cc by 2.0

Washington, Estados Unidos, 11/3/2014 – O governo dos Estados Unidos exige que o Irã resolva “preocupações passadas e atuais” sobre a “possível dimensão militar” de seu programa nuclear como condição para assinar um amplo acordo que ponha fim ao conflito pelo desarmamento atômico iraniano. Autoridades norte-americanas dizem que o Irã deve dar resposta a um informe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) que acusa Teerã de ter desenvolvido no passado um programa encoberto de armas nucleares.

Porém, o registro das negociações entre Irã e AIEA mostra que, nos últimos dois anos, Teerã estava pronto para dar respostas detalhadas sobre todas as acusações, mas a AIEA se negou a mostrar as provas documentais nas quais baseou essas acusações. O que impede a entrega de tais documentos é, há muito tempo, a decisão de Washington de se negar a isso, afirmando que o Irã deve confessar que possui um programa armamentista.

“Primeiro se deveria provar a autenticidade de cada acusação, depois a pessoa que a apresentou à agência deveria nos dar o documento original. Quando nos garantirem a autenticidade poderemos falar com a AIEA”, disse no dia 12 de fevereiro o presidente da Organização de Energia Atômica do Irã, Ali Akbar Salehi.

Nem a AIEA nem o governo de Barack Obama responderam publicamente a Salehi. A uma consulta da IPS, a porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, Bernadette Meehan, disse que os funcionários desse órgão não fariam declarações sobre a demanda iraniana de acesso aos documentos. O diretor da AIEA, Yukiya Amano, não respondeu a um pedido de declarações que a IPS apresentou no dia 27 de fevereiro.

Mas o rascunho de um acordo que negociam a AIEA e o Irã, datada de 20 de fevereiro de 2012, mostra que a única diferença entre as partes para resolver as acusações de fabricação de armas nucleares foi a demanda iraniana de ver os papéis nos quais essas acusações se baseavam.

O texto, publicado no site da Associação para o Controle das Armas, reflete tudo o que o Irã tirou e acrescentou à resposta original da AIEA. Pede que Teerã entregue uma “avaliação tecnicamente concludente” de uma série de seis “assuntos”, que incluem 12 acusações distintas contidas no informe em uma ordem particular que a AIEA não desejava.

Irã e AIEA acordaram que o país daria essa “avaliação técnica concludente” sobre uma lista de dez temas em uma ordem particular. Os únicos assuntos que o Irã propôs eliminar da lista foram “estrutura gerencial” e “atividades de obtenção”, que não envolviam especificamente a acusação de estar fabricando armas nucleares.

As duas partes coincidiram no rascunho que a AIEA daria uma “explicação detalhada de suas preocupações”. Mas discordaram quanto a AIEA entregar a documentação ao Irã. A agência propôs entregar os documentos relevantes “quando fosse apropriado”. O Irã insistiu em eliminar essa frase do rascunho.

A prioridade da lista de assuntos sobre os quais as duas partes haviam entrado em acordo nesse texto foi “Parchin”, um dado de inteligência fornecido por um Estado não identificado segundo o qual o Irã havia instalado um grande cilindro na base militar de Parchin.

Um informe da AIEA de novembro de 2011 indicava que o cilindro era para testar projetos de armas nucleares e que foi construído com a ajuda de um “especialista estrangeiro”. Teerã também concordou em responder em detalhe sobre esse profissional, que foi identificado como Vyacheslav Danilenko, um ucraniano especializado em nanodiamantes.

A evidência associada a essa reclamação e a outras publicadas no informe de 2011 são relatórios de inteligência e documentos que Israel entregou à AIEA entre 2008 e 2009. O ex-diretor geral da AIEA, Mohammad El Baradei, se referiu a uma série de documentos entregues por Israel em suas memórias publicadas em 2012.

O Irã também concordou em responder em detalhe às denúncias de que tentara integrar uma arma nuclear ao veículo de reentrada do míssil Shahab-3, e que havia desenvolvido explosivos como “detonadores” para um projétil atômico. Essas duas supostas atividades foram descritas em documentos divulgados nos meios de comunicação dos Estados Unidos entre 2005 e 2006.

Agora se sabe que esses documentos, sobre cuja autenticidade El Baradei e outros altos funcionários da AIEA expressaram sérias dúvidas, foram entregues à inteligência do Ocidente por uma organização terrorista iraniana contrária ao regime.

Karsten Voigt, ex-alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, revelou, no ano passado, em entrevista sobre um livro recém-publicado por ele, que pessoal da agência de inteligência alemã BND lhe disseram, em novembro de 2004, que a coleção completa de documentos procedia de um membro do Muyahedin-e-Jalq (MEK), que não consideravam uma fonte confiável. O MEK é uma organização terrorista para os Estados Unidos e a União Europeia.

El Baradei, que se retirou da AIEA em novembro de 2009, havia declarado reiteradamente que esses documentos deveriam ser entregues para garantir o “devido processo”, mas que os Estados Unidos impediram que isso acontecesse. Um ex-funcionário da AIEA, que pediu para não ser identificado, disse à IPS que os Estados Unidos só permitiram mostrar ao Irã uma quantidade muito limitada de documentos em uma apresentação de diapositivos de PowerPoint projetados em uma tela.

Washington entregou à agência cerca de cem páginas de documentos para que compartilhasse com o Irã, disse a fonte, mas entre eles não figurava nenhum dos descritos no informe. Essa política dos Estados Unidos se manteve durante o governo de Barack Obama, como mostra um telegrama diplomático emitido em Viena no dia 29 de abril de 2009 e divulgado pelo WikiLeaks.

Em uma reunião técnica do P5+1 (Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, China, Rússia mais Alemanha) funcionários norte-americanos e da AIEA aparecem indicando que o objetivo dessa política é pressionar o Irã para que confesse as atividades assinaladas nos documentos.

O chefe do Departamento de Salvaguardas da AIEA, Olli Heinonen, deixou claro que não será entregue ao Irã nenhuma cópia dos documentos relevantes que o acusam de fabricar armas, e se queixou de que Teerã continua afirmando que tais documentos foram inventados. Em seu informe de 14 de novembro de 2013, a AIEA afirma ter recebido mais informação, presumivelmente de Israel, que corrobora a análise contida em seu relatório de 2011.

A falta de vontade do governo de Obama para considerar a possibilidade de os documentos do MEK serem inventados e para dar ao Irã a oportunidade de demonstrá-lo mediante uma análise detalhada desses papéis, mostra que as reclamações do passado são tão polêmicas como as questões técnicas que devem ser negociadas para acabar com o conflito. Envolverde/IPS

* Gareth Porter é historiador e jornalista investigativo especializado em segurança nacional dos Estados Unidos. Recebeu o Prêmio Gellhorn de jornalismo em 2011 por seus artigos sobre a guerra no Afeganistão. Seu novo livro, Manufactured Crises: The Untold Story of the Iran Nuclear Scare, foi publicado no dia 14 de fevereiro.