Quiosque digital de imprensa: o exemplo que El País nos dá

Jornal espanhol dá exemplo de como se relacionar com clientes e oferece novo modelo de como os governos devem dialogar com o cidadão. A experiência cai como uma luva para os políticos interessados em utilizar mídias digitais e dispositivos móveis, no combate ao Estado solitário e à cidadania muda.

Nem peso nem tinta. Este foi o título do editorial do jornal El País do dia 15, para anunciar – não é trocadilho – o mais novo produto do conglomerado de comunicação a que pertence, o grupo Prisa. Trata-se da mais nova forma de oferecer informação jornalística, em computadores pessoais, telefones celulares e outros dispositivos móveis, batizado de Kiosko y Más – numa referência aos tradicionais quiosques da Espanha, onde se vendem os jornais do país, revistas e muito mais.

A novidade é que, diferentemente de um ou outro periódico a que se pode acessar e até folhear, a nova plataforma disponibiliza para o assinante um calhamaço virtual de 30 jornais e 60 revistas daquele país, inclusive dos grupos editoriais concorrentes, como o do jornal ABC. Assim, dispensa o leitor de carregar aquelas enormes encadernações impressas, especialmente aqueles que vivem da informação ou para a informação – que me perdoe Max Webber pelo plágio.

Se alguém pensou alguma vez que a concorrência impediria aventuras como esta, é melhor que vá atualizando seus conceitos, defende o editorial do mais respeitado diário espanhol. A tecnologia manda. A sensatez, também, argumenta, contra conservadores de mentalidade analógica, que ainda resistem mais no público, menos na imprensa europeia em geral. Se nos quiosques convivem manchetes diferentes, por que não o faríamos no mundo digital?, completa.

Um avanço que caracteriza a plataforma é que o usuário pode interagir com as notícias, comentando ou acrescentando-lhe novos conteúdos. Pode, na linha inversa deste diálogo, baixar e arquivar conteúdos ou ainda compartilhá-los no Twitter ou no Facebook. É verdade, tem que pagar mensalmente o valor de alguns poucos jornais para ter todas as 90 publicações disponibilizadas inicialmente. E é necessário também ter um tablet (iPad ou Android), ou um telefone inteligente (iPhone).

Equipamentos como estes já não são um sonho de consumo inatingível, mesmo na turbulência da economia espanhola. No Brasil, como em poucos países, popularizam-se nas mãos da classe média, sobretudo dos segmentos mais jovens, mais rapidamente do que o foram, por exemplo, os computadores pessoais, que nos deixavam presos a uma tomada, ou do que poderia ser a propalada TV digital interativa social e cidadã prometida pelo governo.

Pois bem, trago aqui uma reflexão, a partir desta experiência do Kiosko y Más, compreendendo a importância histórica que ela encerra, no que se refere à ampliação e à melhoria da relação entre um segmento de empresas de comunicação – mídia impressa – e seus clientes. Sobretudo, pela possibilidade que se abre para uma relação que se quer nova, digital e mais eficaz entre Estados solitários e cidadãos mudos, entre governos analógicos e eleitores desconectados.

Os meios de comunicação de massa analógicos se digitalizaram na captação da notícia, na elaboração de suas edições e, agora, remodelam-se nos seus formatos de distribuição e consumo. Em busca de melhorar a relação com seus consumidores e, assim, ampliar as possibilidades de negócio – antes, a lógica era a inversa –, jornais, emissoras de rádios e de televisão se transformam em meios pós-massivos, porque sabem que já não são os únicos donos da fala, e da História.

Se as instituições jornalísticas, a chamada imprensa, hoje dividem com as massas o poder da informação para sobreviver, outras instituições devem fazer o mesmo, sob pena de cair no abismo que é o anacronismo analógico, de onde, logo, jamais poderão sair. Os governos deveriam receber com a humildade digital o alerta e seguir o exemplo do El País, afinal, como os clientes, os cidadãos também são consumidores e também querem se empoderar, numa nova relação com o Estado.

Governos devem abandonar seus modelos de comunicação autoritários, unívocos, e abraçar a comunicação pública, aquela que se molda pelo interesse público, não pelo interesse exclusivo do governante, e que se lança ao diálogo, permitindo a autoria e a colaboração do seu interlocutor. Devem ser menos o partido e mais o Estado, menos o político e mais o cidadão. E, assim, avançar politicamente na cauda do cometa da digitalização.

Na prática, prefeituras, governos estaduais e a União já poderiam ter seus quiosques de atendimento em aplicativos para dispositivos móveis, inclusive com versões, mesmo de alcance reduzido, para celulares não inteligentes, que ainda são os comuns nas classes D e E. Toda repartição deveria estar com o seu balcão virtual aberto 24 horas, oferecendo informação, serviços, canais de ouvidoria, e com acessibilidade inclusive para pessoas com deficiência.

Quer fazer o boletim de ocorrência do assalto, faça pelo tablet! Precisa tirar um documento no Detran, usa o iPhone! Necessita ver como se comporta seu filho na sala de aula ou só saber as mais recentes notas dele, utilize o velho e bom PC da sua casa, do trabalho ou do ponto de acesso público mais próximo! Deseja denunciar a obra superfaturada, vai pela TV digital conectada! Em breve, quando precisar informar diariamente sua pressão sanguínea ou a taxa de glicemia ao Programa Saúde da Família, bastará ligar a TV digital aberta.

Falando assim, parece tão simples, né? E é. Basta que os governos façam investimento público em comunicação pública, de forma que o avanço tecnológico, digital, possa proporcionar também um avanço político, no sentido de estimular a cidadania ativa e a democracia participativa, no sentido de reforçar a instituição governo e o Estado democrático de direito. Afinal, a interação é digital, a representação é analógica.

* Alberto Perdigão é jornalista, mestre em Políticas Públicas e Sociedade, e escreve semanalmente sobre políticas de Comunicação e Governos Digitais –  [email protected].

** Publicado originalmente no Blog da Dilma.