Porto Príncipe, Haiti, 10/5/2011 – “Em minha opinião, não existe tal coisa como um desastre natural. Os pobres são obrigados a viver em condições que os tornam vulneráveis. A verdadeira pergunta é: por que temos esta ideia de que a pobreza é “natural”?, disse a locutora voluntária Sylvia Richardson. Nascida em El Salvador e radicada no Canadá, ela falou na primeira Conferência Caribenha de Rádios Comunitárias, realizada na capital do Haiti, cenário do que a Organização das Nações Unidas definiu como “o pior desastre em décadas”.
O tema do encontro de três dias foi “Comunicações, Vulnerabilidade, Administração de Desastres e Mudança Climática”, mas Richardson disse que o alto número de mortes nas últimas catástrofes no Haiti – o terremoto que matou 230 mil pessoas e a epidemia de cólera que matou outras cinco mil – não foram “naturais”.
“A pobreza não é natural e permanente. Não é algo que simplesmente acontece para certas pessoas em certos lugares. Nos tornamos pobres pela exploração, pelo roubo. Pelo roubo de nossos recursos, de nosso trabalho de nossa dignidade, quando se diz que nossas vidas valem o que o mercado pode pagar”, disse Richardson à IPS.
Esta locutora, mãe de dois filhos, assistente bibliotecária e nova vice-presidente para a América do Norte da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), falou em uma dezena de paineis realizados no final de semana. “Quando somos autores de nossas próprias histórias, quando nos organizamos e nos mobilizamos, acontecem mudanças”, afirmou.
A Conferência foi organizada pela Amarc e pela Sociedade para a Animação das Comunicações Sociais (Saks), centro de capacitação e produção em radiodifusão comunitária. O encontro reuniu rádios de países da região caribenha com características comuns herdadas da era colonial: fronteiras traçadas arbitrariamente, idiomas diversos e pobreza.
“Aqui no Caribe estamos todos no mesmo barco, enfrentando desastres naturais e também desastres que são resultado da exploração e da má administração de recursos por pequenas minorias nacionais e internacionais”, disse à IPS o diretor da Saks, Sony Estéus. “Precisamos nos unir”, afirmou. É por isto que a nova direção da Amarc, formada por representantes de todo o mundo, recebeu membros de 25 rádios comunitárias haitianas e de quase uma dezena de rádios e instituições de Dominica, Guadalupe, Jamaica, República Dominicana e Trinidad.
Em sessões formais e jantares, trocaram experiências e histórias em quatro idiomas: espanhol, inglês, francês e creole. Por exemplo, membros de rádios comunitárias da Jamaica e da Índia falaram dos papeis de suas emissoras em tempos de desastres como inundações e furacões, mostrando como se converteram em centros de informação e, muitas vezes, em locais onde as pessoas podiam carregar seus celulares.
“Surpreendeu-me ver fotos da Jamaica”, disse Anéus Nelson, diretor de programação da emissora haitiana Radyo Soyèt FM, referindo-se a imagens de casas nesse país construídas na beira de rios. “Têm os mesmos problemas que nós.” Rosamond Brown, da Roots Radio em Kingston, disse à IPS que “claramente estamos enfrentando as mesmas coisas”. Por sua vez, o senador haitiano Melius Hyppolite, que representa uma região onde as primeiras rádios comunitárias foram criadas durante a ditadura de Raoul Cédras (1991-1994), prometeu apresentar um projeto de lei no parlamento para legalizar essas rádios.
Funcionários da Amarc anunciaram planos para criar um serviço de notícias caribenhas no modelo da Púlsar, a plataforma informativa em espanhol da associação na qual emissoras de rádio podem baixar arquivos de áudio e textos de outras estações de toda América Latina.
“Quando há acontecimentos políticos importantes no Haiti e no restante do Caribe, de onde obtemos informação? Da mídia dominante, de jornalistas que vêm da América do Norte e da Europa”, disse o coordenador da Púlsar, Alejandro Linares. “É uma questão de autonomia informativa. A questão da língua dificulta, mas temos que fazê-lo para que não seja alguém de fora a nos dizer qual é a nossa realidade. Precisamos contar com nossas próprias histórias”, afirmou.
A Conferência terminou com uma declaração conjunta denunciando que, mais de 16 meses depois do terremoto, quase um milhão de pessoas ainda vivem em acampamentos frágeis, onde mulheres, meninos e meninas são vítimas de violência e exploração sexual. “Pedimos transparência e responsabilidade no uso dos recursos para a reconstrução do país, e para isto são necessários meios de comunicação independentes e comunitários que garantam uma reconstrução inclusiva, participativa e com perspectiva de gênero”, diz a declaração. “A tragédia haitiana mostra as profundas desigualdades da globalização que condenam as populações locais a viverem em dependência e paternalismo”, acrescenta. Envolverde/IPS