Cerca de 790 mil veículos circulam, atualmente, em Porto Alegre, segundo dados do Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran-RS). Com o aumento de aproximadamente 35% no número de automóveis na cidade, nos últimos 10 anos, ocorrido devido ao crescimento na renda per capita e a redução dos juros, potencializaram-se os impactos ambientais.
Conforme a Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (Anip), apenas em 2013 quase 70 milhões de pneus foram produzidos no Brasil e a mesma quantidade descartada, na maioria das vezes, de forma irregular.
Para frear este prejuízo ao meio ambiente, fabricantes de pneus novos como Bridgestone, Goodyear, Michelin e Pirelli criaram, em 2007, através de uma parceria com a Anip, um projeto de coleta e destinação de pneus inservíveis à reciclagem, o Reciclanip.
A iniciativa nasceu para cumprir uma resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), de 1999, que, entre as disposições, trazia a proibição do descarte de pneus em aterros sanitários, mar ou riachos, terrenos baldios e também a queima a céu aberto. Atualmente, a Dunlop e a Continental também integram o grupo.
O projeto se expandiu e, hoje, conta com representações em todos os estados. Em Porto Alegre, o trabalho fica por conta da empresa Elmo Pneus, localizada na zona norte da cidade. O proprietário do estabelecimento, Elmo Oliveira de Paula, relata que trabalha para a Reciclanip há seis anos e que a parceria vêm dando certo.
“No inverno, o fluxo diminui um pouco, mas, no verão, recolhemos cerca de 10 mil pneus, por semana”, destaca o empreendedor. Este número não corresponde apenas à coleta na Capital, pois a empresa atende, também, parte da Região Metropolitana de Porto Alegre e, segundo de Paula, é de lá a cidade com maior volume de coleta. “O município com mais pneus, nos últimos tempos, foi Gravataí, porque acumulou, após um grande período sem recolhimento”, explica o empresário.
Passo a passo da reciclagem
O processo de reutilização dos pneus, em Porto Alegre, começa nos 26 pontos de coleta do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), desde 2005, quando o órgão firmou parceria com a Anip. O Departamento reúne os objetos de descarte de empresas privadas e encaminha ao depósito da Elmo Pneus, para o reaproveitamento.
Também são utilizados os pneus provenientes das limpezas do DMLU na cidade, como é caso do projeto de despoluição do arroio Dilúvio, que teve o item entre os mais coletados das águas. “Nós colaboramos de toda a maneira possível, porque queremos ver os pneus fora das ruas, fora dos rios, no local certo”, salienta o engenheiro chefe da equipe de Resíduos Especiais do DMLU, Eduardo Fleck.
O destino do material deixado no depósito da Elmo Pneus é a CBL Reciclagem. É nesta empresa, localizada no município de Nova Santa Rita, que acontece a transformação. Após a triagem dos pneus, por espécie e tamanho, é feita a separação da borracha vulcanizada dos outros componentes, como aço e tecido.
Então, o corte e a trituração são as últimas etapas do processo, até o destino final. “Depois da trituração ele vai para a fábrica de cimento, a própria cimenteira queima o pneu e retira o pó que vai para a mistura”, detalha o dono da Elmo Pneus, Elmo de Paula.
O engenheiro do DMLU Eduardo Fleck reforça que no país, basicamente, eles servem como combustível, pois o potencial energético destes pneus é aproveitado nessas indústrias de clínquer (principal componente do cimento), que precisam de temperaturas muito altas nos seus fornos.
“Eu diria que praticamente 100% dos pneus residuários do Brasil seguem para este destino. Então, embora existam alguns projetos pioneiros de incorporação ao asfalto e outras coisas, o que realmente funciona aqui é a incorporação ao clínquer”, afirma Fleck.
Em 2001, a Univias trouxe para o Brasil o projeto inovador citado pelo engenheiro: o asfalto ecológico. A ideia, que teve sua primeira aplicação no Rio Grande do Sul, foi inspirada em iniciativas realizadas nos Estados Unidos, na Europa e na África do Sul e, também, em pesquisas feitas pela fabricante de asfaltos Greca e o Laboratório de Pavimentação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Apesar de ainda ser pouco representativo no país, até 2012, o Ecoflex, asfalto de borracha, havia sido utilizado na pavimentação de aproximadamente 5 mil quilômetros, retirando do meio ambiente cerca de 5 milhões de pneus. Um dos principais acessos ao litoral do RS, a Freeway, recebeu esse pavimento no trecho entre os municípios de Gravataí e Glorinha, por exemplo.
Negócio sustentável: a história inovadora da Vuelo
Outra ideia que dá um destino inimaginável para os pneus são os produtos da Vuelo. A marca, criada em 2013, em Porto Alegre, desenvolve bolsas, mochilas e carteiras a partir de materiais retirados das ruas. Para a publicitária Adriana Tubino e a estilista Itiana Pasetti, sócias na empresa, só faria sentido colocar mais um objeto no mundo, se ele fosse sustentável e utilizasse mão de obra e matéria-prima brasileira. Assim, surgiu a ideia de usar câmaras de pneus na fabricação dos acessórios. Adriana enfatiza a importância dessa reciclagem. “O pneu demora em média 500 anos pra se decompor na natureza, é muito tempo!”, ressalta a empresária.
Com pouco mais de um ano de existência, a Vuelo comercializa seus produtos para diversos lugares do Brasil e, também, para outros países como Itália, Estados Unidos e República Tcheca. A rápida expansão, segundo Adriana, foi possível devido ao advento da internet. “Com a venda online fica cada vez mais fácil de levarmos a Vuelo até as pessoas, sem fronteiras”, comemora a empresária. A cada novo lote de produtos da empresa são retirados cerca de 400 câmaras de pneus do meio ambiente.
“Quem quer ter uma Vuelo é porque acredita na nossa proposta de reinvenção e sustentabilidade”. É assim que a sócia-proprietária da marca de bolsas Vuelo, Adriana Tubino, define o seu público, carinhosamente chamado de vuelistas. A empresa trabalha com criações reinventadas, sustentáveis e 100% brasileiras. Um ano após surgirem as bolsas de câmaras de pneus e náilon de guarda-chuva, Adriana conta nesta entrevista que novas ideias estão prontas para serem postas em prática.
UniRitter – Como e quando surgiu a Vuelo?
Adriana Tubino – A Vuelo foi lançada em abril de 2013, fizemos um ano recentemente. Tudo começou numa boa conversa entre amigas, em que eu e a Itiana, minha sócia, falávamos da vontade de ter uma bolsa que fosse ideal para viagens de final de semana, uma weekend bag. Uma bolsa que pudesse levar poucas peças e que fosse bonita de usar. Sabe aquela viagem a trabalho, que a gente tem que sair do aeroporto, ir direto pra uma reunião depois ir encontrar os amigos? Ou aqueles dias em que a gente tá cheio de coisas pra carregar e não sabe onde colocar tudo? Queríamos a bolsa que fosse ideal pra tudo isso. E resolvemos fazer.
UR – Por que utilizar materiais recicláveis?
Adriana Tubino – Quando começamos a pensar em desenvolver o produto chegamos à conclusão que só faria sentido colocar mais um objeto no mundo se este fosse criado a partir de materiais reinventados e com uma produção o mais sustentável possível, toda feita aqui com mão de obra e matéria-prima brasileira.
UR – E como vocês chegaram a ideia de trabalhar com borracha de pneu?
Adriana Tubino: Foi um longo processo, feito com muita calma e cuidado. Foi a descoberta de um mundo novo para nós. Levamos bastante tempo pesquisando materiais, experimentando, fazendo contatos, observando os resíduos, as possibilidades. Até nos encantarmos com a borracha da câmara de pneu e o náilon de guarda-chuva. A câmara de pneu apesar de ser uma borracha, se assemelha muito com o couro o que gera um resultado bem interessante e sem origem animal. Já o náilon de guarda-chuva é muito rico em estampas e possibilidades e funcionou como um forro perfeito para as bolsas. Com estas matérias-primas foram surgindo os desenhos e os primeiros protótipos.
UR – Quem é e de onde é o público da Vuelo?
Adriana Tubino – Gostamos de chamar nosso público de vuelistas, uma forma mais próxima, mais carinhosa. Nossos vuelistas são múltiplos, não temos como definir, tem crianças, estudantes, jovens descolados, pais e mães, executivos. Quem quer ter uma Vuelo é porque acredita na nossa proposta de reinvenção e sustentabilidade e faz esta escolha. São pessoas que realmente embarcam neste voo junto com a gente e isso é lindo de ver. Vivemos e produzimos no sul do Brasil, em Porto Alegre, mas com a internet e a venda online fica cada vez mais fácil de levarmos a Vuelo até as pessoas, sem fronteiras. Hoje, vendemos para diversos lugares do Brasil e também para outros países como Itália, Estados Unidos, República Tcheca. As pessoas querem cada vez mais saber a origem do que consomem e isso é muito bom, estimula o crescimento de um mercado cada vez mais ético e sustentável.
UR – Quais os benefícios para o meio ambiente?
Adriana Tubino – Achamos que a melhor forma de atuarmos no mundo, hoje, é através da micropolítica, cada um pode e deve fazer sua parte. A cada novo lote de produtos criados e produzidos pela Vuelo retiramos cerca de 400 câmaras de pneu e 300 náilons de guarda-chuva do meio ambiente. O pneu demora em média 500 anos pra se decompor na natureza, é muito tempo! Prolongamos a vida útil destes materiais transformando-os novamente em matéria-prima. As câmaras de pneu e os náilons de guarda-chuva são todos comprados das borracharias e das unidades de triagem de lixo seco, gerando uma nova renda para estas pessoas e criando um novo produto no mercado dos resíduos. Além disso, buscamos sempre envolver no nosso processo produtivo mão de obra social, famílias de baixa renda ou jovens aprendizes, gerando novas oportunidades de trabalho.
A Vuelo incentiva a continuidade desse pensamento sustentável?
Adriana Tubino: Sim. Criamos uma logística reversa para os produtos da Vuelo, pois nossa ideia é não gerar mais resíduos, senão nosso trabalho não faria sentido. Criamos produtos duráveis e queremos incentivar cada vuelista, os nossos consumidores, a usá-los o máximo possível. Então, pedimos para que no final da vida útil da sua Vuelo o produto seja encaminhado pra gente para que possamos dar um destino final adequado aos materiais. É uma experiência nova de comprometimento entre a Vuelo e nossos vuelistas, queremos ver como irá funcionar e ir aprimorando este processo com o tempo.
UR – Quais são os próximos projetos da marca?
Adriana Tubino – Estamos sempre antenados para novas criações, pesquisando, testando materiais. Agora acabamos de lançar uma Coleção Especial, nossa primeira parceria. A convite da artista Heloisa Crocco e do shaper de pranchas Ogro criamos cinco novos produtos. A ideia era aplicar a textura “Topomorfose”, criada pela Heloisa inspirada nos desenhos dos veios da madeira, sobre as texturas já existentes da câmara de pneu e do náilon de guarda-chuva, explorando novas possibilidades. O resultado ficou muito legal e já dá pra conferir no site da Vuelo. Temos muitas ideias para colocar ainda em prática. Logo mais queremos captar água da chuva para a lavagem das câmaras e guarda-chuvas. A Vuelo quer crescer para chegar cada vez mais para um número maior de pessoas, mas sempre se preocupando em ser sustentável.
* Publicado originalmente na UniRitter e retirado do site Mercado Ético.