Trípoli, Líbia, 14/9/2011 – A revolução líbia arruinou a vida do nigeriano Alybe Nally, de 20 anos. “Quando os rebeldes tomaram Trípoli, roubaram meu dinheiro, o celular, passaporte, tudo o que tenho é o que você vê”, diz, olhando as sandálias diferentes que calça. De fato, a revolução colocou em perigo muitos africanos negros, que são vistos pelos rebeldes como leais ao deposto Muammar Gadafi.
Alybe saiu da Nigéria há alguns anos para trabalhar lavando carros na capital Líbia. Agora está no acampamento de refugiados Sidi Bilal, próximo a um porto abandonado na periferia da cidade. Ele conta que bebeu água do mar, com outras mais de mil pessoas no acampamento, antes que a organização Médicos Sem Fronteiras começasse a distribuir água potável, no dia 3. O lugar está em terríveis condições, mas os refugiados têm medo suficiente para não abandoná-lo.
“Me agarraram em um posto de controle na entrada do acampamento há dez dias”, conta o também nigeriano Eddy Ohasuyi, de 27 anos. “Me deixaram na prisão todos estes dias. Me chamavam de mercenário e me batiam todas as manhãs, depois me obrigavam a retirar escombros e lixo das ruas.”
As histórias de trabalhos forçados se repetem em Sidi Bilal. As pessoas contam que foram retidas pela força ou sob promessa de um salário, que nunca chegou. A maioria retorna ao acampamento um ou dois dias depois. Outros, como Monday Abiyan, desaparecem. “Meu irmão foi levado na ponta de pistola há dez dias, e não voltou”, conta Osama Abiyan, de 23 anos, de Gana, sentado à sombra do ressecado casco de um barco. Pensa que talvez o torturaram ou mataram.
São muitos também os que falam de ataques sexuais contra as mulheres. Uma delas, também de Gana, diz que se protege entre dois amigos e se esconde sob uma coberta para poder dormir. Enquanto este correspondente da IPS percorre o acampamento, alguns refugiados se reúnem para ouvir as promessas de um enviado do governo rebelde, Ibrahim Ali.
“Estamos trabalhando para protegê-los e garantir sua segurança”, diz o representante do rebelde Comitê Nacional de Transição (CNT) a um grupo de africanos subsaarianos reunidos à sua volta. “Após fazerem uma lista com seus nomes completos e os números de seus passaportes, trataremos de tirá-los daqui logo que pudermos”. “Ainda há guerra. Não é fácil lidar com esta crise, mas o CNT (que governa de fato o país) enfrenta o problema”, disse à IPS o diplomata Carlos Afonso, delegado da União Europeia que acompanha Ibrahim Ali.
O pessoal de muitas organizações humanitárias não está tão seguro. A Human Rights Watch (HRW) pediu ao CNT que cesse “as prisões arbitrárias e os abusos contra trabalhadores imigrantes africanos e de líbios negros considerados mercenários”. Em um informe divulgado no dia 4, a HRW afirma que “as prisões arbitrárias generalizadas e o habitual abuso criaram um grave sentimento de insegurança na população africana da cidade”.
Enquanto Ali apresenta suas promessas, a reunião é bruscamente interrompida por gritos na entrada do acampamento. Dois homens armados tentam colocar à força dois refugiados em um carro cor laranja. Escondem as armas logo que percebem a presença de jornalistas estrangeiros, e em seguida são cercados por negros enfurecidos. “Veem? Não fosse por vocês já teriam sequestrado esses dois jovens. Isso acontece todos os dias”, disse à IPS Martins Osa, de 19 anos. O enviado do CNT afasta os inesperados visitantes e os escolta até o carro. Quando a IPS pergunta se as autoridades tomarão alguma medida contra os dois homens armados, Ali responde, sorrindo, que o incidente foi apenas um mal entendido.
Nas duas últimas semanas, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) coordenou a retirada de mais de 1.600 trabalhadores imigrantes em embarcações contratadas desde Trípoli. No entanto, a OIM afirma que ainda há centenas de pessoas esperando para partir. A situação dos subsaarianos é muito perigosa, pela suspeita generalizada de que foram mercenários de Gadafi, que governou o país desde 1969.
Os conflitos pelas escassas provisões também estão se tornando costumeiros. Em uma parte estoura uma briga entre dois refugiados por um tanque de água. Minutos depois, dois líbios armados entram sem permissão em um caminhonete e disparam para o ar e, em seguida, para o chão. Ninguém se fere. Mas os refugiados dizem que este tipo de violência não é raro. De noite, acrescentam, jovens líbios vão ao acampamento em busca de mulheres. Envolverde/IPS