Genebra, Suíça, 18/4/2011 – As divergências habituais sobre temas de saúde entre países industrializados e em desenvolvimento emergem também nítidas quando a comunidade internacional debate as políticas de prevenção e resposta a uma pandemia de gripe similar ou ainda mais grave do que a de 2009. Assim ficou evidente, na semana passada, nas sessões do grupo de trabalho sobre preparação para uma gripe pandêmica na sede da Organização Mundial da Saúde (OMS) em Genebra.
Os países em desenvolvimento pretendem que a OMS estabeleça um sistema justo e equitativo de participação de benefícios em todo o processo de prevenção contra a gripe. A pretensão das nações do Sul se baseia no fato de que uma grande quantidade dos materiais biológicos empregados na ação contra o flagelo provém exatamente do mundo em desenvolvimento e se destina a laboratórios ou a companhias processadoras dos países ricos, disse Sangeeta Shashikant, assessora legal da Rede do Terceiro Mundo.
Os países em desenvolvimento procuram obter benefícios que lhes permitam adquirir capacidade para desenvolver o campo da pesquisa, programar a vigilância e estabelecer laboratórios, disse Shashikant à IPS. Com esses recursos, as populações pobres poderão, durante uma pandemia de gripe, também atender suas necessidades de vacina, medicamento antivírus e de outros suprimentos medicinais, explicou a especialista desta rede de organizações não governamentais com sede na Malásia e escritórios em diversas regiões.
Por outro lado, as nações industrializadas, particularmente os Estados Unidos, pressionam para diluir as disposições principais das políticas contra a pandemia, explicou Shashikant. As diferenças, agravadas pela ressonância que teve a pandemia de 2009, serão dirimidas na sessão anual da Assembleia Mundial da Saúde, que acontecerá de 16 a 24 de maio, em Genebra.
O vírus H1N1, conhecido como gripe suína, surgiu pela primeira vez em março de 2009, no Estado mexicano de Veracruz. Nos meses seguintes, se espalhou a um ritmo sustentado por mais de 70 países de distintas regiões. O número de mortes que causou é impreciso, pois a OMS contabilizou apenas os casos confirmados pelas autoridades sanitárias dos países afetados. Com este método, se chegou a 18 mil mortes, um número que parece reduzido em comparação com as 250 mil a 500 mil vidas cobradas anualmente pela gripe comum.
Estes aspectos, e alguns questionamentos às políticas da OMS durante o desenvolvimento da crise, aumentam a preocupação dos sanitaristas internacionais e também de políticos e diplomatas que fixam as orientações desta instituição. O representante do México junto à OMS, Juan José Gómez Camacho, disse à IPS que “o mundo não está preparado para enfrentar uma nova pandemia”.
E a realidade é que pode haver mais. O caso de 2009 demonstrou que as pandemias não são hipóteses, são muito reais e matam pessoas, e podem ocorrer em qualquer parte. Assim, temos que estar preparados, e não estamos. O sistema ainda não está pronto, alertou. Camacho, que copreside o grupo de trabalho sobre preparação para uma gripe pandêmica com a representante da Noruega, Bente Angell-Hansen, disse que a comunidade internacional deve dar uma resposta coordenada. É preciso maior número de vacinas no mercado e também maior acesso a elas. Isto é o que o grupo de trabalho tenta negociar.
O delegado mexicano afirmou que todas as partes envolvidas no tema da saúde, como governos, indústria farmacêutica e sociedade civil, colaboram na busca de um acordo. A ideia é dispor de um sistema pronto para entrar em ação no momento em que nos enfrentarmos com uma pandemia, acrescentou. “A pandemia de 2009 demonstrou que o sistema de reação não é o adequado”, recordou Camacho. “É ineficiente, não é transparente e é muito desigual, porque quando os países precisaram das vacinas, não as receberam. Incluindo o México”, ressaltou.
Por sua vez, Shashikant disse que um dos motivos de atrito entre países desenvolvidos e industrializados é a questão da propriedade intelectual. Em caso de pandemia, a escassez de vacinas e medicamentos antivírus aumenta, porque o consumo destes produtos se concentra nos países industrializados, acrescentou. Diante desta consequência, o mundo em desenvolvimento opta por se cercar de sistemas de produção próprios de vacinas e remédios contra vírus. E, então, surge o problema da propriedade intelectual, ou patente, que pode ser uma barreira para os propósitos das nações pobres, disse Shashikant.
A solução deve ser a concessão de licenças para que os produtores dos países em desenvolvimento possam explorar estas patentes em termos justos e razoáveis, afirmou Shashikant. Para os países industrializados, especialmente os Estados Unidos, esta não parece ser uma saída grata. Washington parece mais interessado em continuar protegendo sua indústria, sua propriedade intelectual e seus dividendos, resumiu. Envolverde/IPS