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Recorde mundial de colheitas não enche os celeiros

Washington, Estados Unidos, 16/1/2012 (IPS/Earth Policy Institute) – Os agricultores de todo o planeta produziram muito mais grãos em 2011 do que jamais fizeram. Estimativas do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos mostram que a colheita mundial chegou a 2,295 bilhões de toneladas. Isto é, 53 milhões de toneladas a mais do que o recorde anterior, de 2009. Porém, o consumo cresceu 90 milhões de toneladas em 2011, chegando a 2,280 bilhões de toneladas.

Como a produção de grãos foi deficitária em relação ao consumo em sete dos últimos 12 anos, as reservas ainda são perigosamente baixas, deixando o planeta vulnerável a novos aumentos de preços. Quase metade das calorias consumidas em todo o mundo procede diretamente dos grãos e, grande parte das restantes, é obtida com produtos animais alimentados com grãos.

Três grãos dominam a colheita mundial: trigo e arroz, consumidos diretamente como alimento, e milho, usado em grande parte como alimento para o gado. O trigo era a principal colheita mundial até meados dos anos 1990, quando o milho emergiu em resposta à crescente demanda por produtos animais alimentados com grãos, e mais recentemente em razão do etanol.

Apesar de se registrar uma queda na importante colheita norte-americana, devido fundamentalmente às altas temperaturas do verão no Hemisfério Norte, a produção global de milho atingiu o recorde histórico de 868 milhões de toneladas no ano passado. As colheitas de trigo (689 milhões de toneladas) e de arroz (461 milhões) também foram recordes. As reservas de grãos excedentes (quantia que resta quando começa a nova colheita) agora somam 469 milhões de toneladas, o suficiente para cobrir 75 dias de consumo nos atuais níveis.

Entre 1984 e 2001, as reservas de grãos se mantiveram em nível mais cômodo, de cem dias. Entretanto, em 2002, a produção de grãos teve déficit de 88 milhões de toneladas em relação à demanda, e desde então as reservas excedentes tiveram média de 72 dias de alcance, perto do limite da segurança alimentar. Em 2006, as reservas excedentes tocaram o fundo, chegando a cobrir apenas 62 dias de consumo, preparando, assim, o cenário para o aumento de preços de 2007-2008, quando estes duplicaram ou triplicaram em curto período.

Para as famílias pobres nos países em desenvolvimento, que gastam metade ou mais de sua renda com comida, geralmente grãos, esta situação as deixaram de prato vazio e cheias de frustração. Em cerca de 35 países houve protestos, enquanto o número de famintos no mundo superou um milhão.

As reservas mundiais caíram novamente em 2010, quando a seca, os incêndios e um calor abrasador dizimaram os cultivos de trigo na Rússia e em países vizinhos. As exportações russas foram proibidas e os preços dos alimentos voltaram a crescer, desatando temores de uma segunda crise de preços em três anos. O aumento de preços entre junho e dezembro de 2010 arrastou mais 44 milhões de pessoas para a pobreza extrema, segundo o Banco Mundial.

As perspectivas dos mais pobres no mundo continuam sendo lúgubres. A produção recorde do ano passado não conseguiu superar de maneira suficiente o consumo a ponto de recuperar as reservas. A volatilidade dos preços dos alimentos e as magras reservas têm como contexto uma redução da quantidade de terra cultivada por pessoa. Em todo o planeta, os cultivos de grãos cresceram para quase 700 milhões de hectares. Contudo, como a população mundial chegou a sete bilhões de habitantes em 2011, a média de hectares plantados com grãos por pessoa foi de 0,1, metade do registrado no começo da década de 1960.

Embora a área total cultivada com grãos tenha caído de seu pico de 732 milhões de hectares em 1981, a produção é 50% maior, graças aos solos melhorados. Em 1950, os agricultores podiam esperar colheitas de, em média, uma tonelada de grão por hectare. Agora, os cultivos são três vezes mais produtivos. O problema das perspectivas alimentares do planeta é que a agricultura já não é, como se conhecia proverbialmente, “um fruto ao alcance das mãos” de todos. Em várias partes do mundo, são adotadas variedades de cultivo mais eficientes e novas práticas de irrigação e tipos de fertilizantes.

Três países produziram quase a metade dos grãos do mundo em 2011: China, em primeiro lugar, com 456 milhões de toneladas, seguida de Estados Unidos, com 384 milhões, e Índia, com 226 milhões. Os 27 países da União Europeia colheram em conjunto 286 milhões de toneladas. Enquanto isso, um crescente número de países depende de grãos importados para cobrir suas necessidades, o que faz com que a parte das colheitas de grãos que entram no comércio internacional aumente 12%.

Os Estados Unidos são de longe o país que mais exporta grãos: no ano passado venderam 73 milhões de toneladas, equivalentes a um quarto do mercado mundial. Em seguida está a Argentina, com 32 milhões de toneladas, seguida de Austrália e Ucrânia, cada uma com 24 milhões, e Rússia e Canadá, com 20 milhões de toneladas cada um. Quanto ao milho em particular, os Estados Unidos dominam o mercado mundial, com 40% do total. Por isso, os países importadores estão preocupados com a crescente parte da colheita norte-americanas (40% em 2011) que é transformada em etanol.

O Japão continua sendo o maior importador de grãos, comprando mais de 25 milhões de toneladas do exterior em 2011, em sua maior parte usada como alimento animal. Egito, México, Coreia do Sul e Arábia Saudita aparecem em seguida na lista dos países que importam mais de dez milhões de toneladas de grãos. A dependência do mercado internacional de grãos é alta em todo o Oriente Médio. Por exemplo, a Arábia Saudita agora depende de importações para 90% de seu consumo. Como o país quase esgotou suas reservas de água subterrânea, está abandonando seus cultivos de trigo no deserto. Envolverde/IPS

* Este artigo foi publicado originalmente pelo Earth Policy Institute. Informações adicionais no site www.earth-policy.org.