Distribuir e divulgar informações tem ganhado força com a ascensão das redes sociais Twitter e Facebook. Cada vez mais se ouve falar em compartilhar conteúdo na Internet. Nesse contexto, o meio digital pode ser utilizado para democratizar o acesso à educação. Justamente esta é a finalidade dos chamados Recursos Educacionais Abertos (REA).
A denominação ainda está ganhando força. Apesar de haver adeptos que desenvolvem ações ligadas aos REA, em muitos casos, nem eles sabem o significado da sigla. Mas, o que exatamente é isso?
Os Recursos Educacionais Abertos são materiais educacionais oferecidos livre e abertamente para qualquer pessoa usar e, em algumas licenças, adaptar, melhorar e distribuir.
O reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), Arnaldo Augusto Borges, ressalta que o REA pode ser usado para romper barreiras, ampliando o processo educacional. “O aluno, principalmente de baixa renda, tem dificuldade de acompanhar aulas, pois não consegue comprar o livro. Se houver condições de acesso ao conteúdo pela Internet, será um grande avanço.”
Os Recursos Educacionais Abertos não focam apenas o compartilhamento, mas também o processo de construção coletiva. Experiências públicas na área já foram desenvolvidas, como o Projeto Folhas, da Secretaria de Educação do Estado do Paraná.
“O professor produzia o material e disponibilizava na rede. Desenvolvemos cultura de pesquisa e capacitação dos profissionais, também pensando no cotidiano escolar como lugar de formação do professor”, explica a professora Mary Lane Hutner, assessora da Direção Acadêmica das Faculdades Integradas do Brasil.
O projeto propõe uma metodologia específica de produção de material didático para alunos da educação básica. “A colaboração estava presente. Um professor que construía algo passava para o outro revisar”, conta Mary.
Dentre iniciativas privadas está o projeto do Colégio Dante Alighieri, de São Paulo (SP), que compartilha os conteúdos da TV Dante em seu site.
Além dele há também o Educar na Cultura Digital, que reúne pessoas interessadas em trocar experiências sobre inovações tecnológicas ligadas ao cotidiano escolar. O projeto é da Fundação Telefônica em parceria com o Grupo de Estudos Educar na Cultura Digital. “O coletivo virtual serve para interessados em mundo digital, gerações interativas e inovação pedagógica”, completa Priscila Gonsales, integrante do grupo.
O diretor de políticas de formação de materiais didáticos do Ministério da Educação (MEC), Sérgio Gotti, acredita que os Recursos Educacionais Abertos também podem contribuir para educação à distância. “Temos dificuldade de chegar a determinados lugares no Nordeste e Norte. A ideia é disponibilizar materiais online para os professores acessarem dessas localidades”, diz.
Professor agente
Segundo Gotti, um dos maiores desafios hoje está em como o professor se apropria do uso dos REA. Vera Solferini, do grupo gestor de tecnologias educacionais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), concorda. “Temos que incentivar o docente a usar a tecnologia, no sentido da mentalidade de conteúdo aberto”, acredita.
Para isso, dentro do Projeto Aulas Web, a Unicamp está desenvolvendo um software pensando em estimular o docente a criar materiais para o online, que serão compatíveis com software livre. Enquanto isso, a universidade disponibiliza conteúdo gratuito em sua Biblioteca Digital, que conta com 32 mil teses de dissertação.
“A participação do professor na construção de um material é muito importante”, alerta o pró-reitor de extensão da Universidade Federal do ABC, Plínio Zornof Táboas. “Na maioria dos casos, ele é apenas aquele que recebe o material, mas deveria ser agente no processo.”
Segundo ele, há necessidade de material para trabalhar questões educacionais específicas, singularizando localidades. “Permitir que ele construa e use sua produção didática, de acordo com os contextos que estão inseridos, é essencial para uma educação de qualidade.”
No entanto, pesquisadores dedicados aos REA ainda identificam resistência dos professores com o mundo digital. “A maioria está presa à sala de aula e ao papel”, afirma o coordenador do Centro de Estudos Africanos da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Dagoberto José Fonseca.
Já pensando em inserir-se no campo de debate sobre REA, a universidade criou o Acervo Digital, com mais de 25 mil publicações educacionais e científicas disponíveis gratuitamente para download.
Formatos também livres
“Não é possível existir recursos abertos sem formatos abertos, desenvolvidos de modo transparente e coletivo, e que não requerem programas privados para acessar as informações”, ressalta o membro do projeto Software Livre Brasil, Sérgio Amadeu da Silveira.
O especialista alerta que quando uma empresa, por exemplo, disponibiliza textos na Internet em arquivo PDF, o conteúdo fica refém dela. “Daqui dez anos, quem garante que poderei abrir o arquivo sem problema algum? Se a empresa decide acabar com o software, perderei todas as informações. O formato tem grande poder cibernético e de controle.”
Direitos autorais
Mas todos os conteúdos educacionais serão distribuídos livremente sem importar quem o produziu? Não! Quando se trata de REA, é necessário pensar nos direitos autorais dos recursos.
Uma das coordenadoras dos REA Brasil, Carolina Rossini, destaca nem sempre as ferramentas digitais dialogam com as propostas dos Recursos Educacionais Abertos. “Uma experiência usa software livre, mas programas como PDF. Outra disponibiliza cada material em um formato diferente e assim vai.”
O trabalho da Creative Commons (CC) é exatamente permitir o uso de determinados materiais, mas com a condição de dar o crédito. “Informações disponibilizadas de forma aberta funcionam melhores do que fechada”, pontua o vice presidente do CC, John Wilbanks.
Contrapondo os recursos livres à patente, ele avalia que “não sabemos de onde virá uma descoberta estratégica para a humanidade. Quando controlamos cada passo sobre um certo conhecimento, fechamos o acesso, diminuindo a chance de alguém usar as informações para achar a cura da Aids ou do câncer”.
Para ele, exemplos como a Wikipédia – enciclopédia online, livre e gratuita, que pode ser editada por qualquer um – demonstra o sucesso em abrir espaços para as pessoas participarem da construção. “Existe mais informação ali do que todos os livros publicados no mundo até hoje”, diz ele.
Para cada hora de conteúdo postado no Youtube precisaria de 40 dias para ser assistido, conta o diretor de elearning e educação aberta do estado de Washington, Cable Green. “Quando o custo de compartilhar é zero, porque continuamos com coisas de custo altíssimo?”. Segundo ele, os Estados Unidos gasta US$ 20 bilhões por ano com livros didáticos impressos.
No Brasil, a realidade não é muito diferente. Uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo (USP), revela que se um aluno da universidade fosse comprar a bibliografia básica indicada para estudar, gastaria entre 70% e 80% do orçamento familiar.
“Além disso, o governo paga entre R$ 6 e R$ 7 por livro editado a ser distribuído na rede de ensino do país, mas poderia gastar nem R$ 1”, informa o advogado e pesquisador do Gpopai, Bráulio Araújo. “Há monopólio das editoras e o governo não tem conseguido usar seu poder de comprar em escala para diminuir o custo.”
Políticas públicas
O governo estadunidense anunciou um investimento de US$ 2 bilhões em programas de formação superior. O montante deverá começar a ser aplicado já em 2011 e a ideia é usar a quantia em programas inovadores, incluindo REA.
“Identificamos que havia interesse de professores e alunos em recursos abertos. Alguns do corpo docente já estavam agindo nesta área, mas sozinhos. Então, devemos oferecer suporte para o movimento crescer”, conclui o Hal Plotikin, do Ministério da Educação dos Estados Unidos.
Apesar de tímidos, há passos sendo dados. O Projeto de Lei 1513/2011, do deputado federal Paulo Teixeira (PT), determina que qualquer obra resultante do trabalho de servidores públicos, incluindo professores e pesquisadores, seja licenciada e disponibilizada à sociedade por meio de licenças livres.
Mesmo assim, Carolina Rossini acredita que falta muito para a agenda REA começar a ser prioridade. A também coordenadora do REA Brasil, Biana Santana, pontua que o projeto é o começo. “O PL não libera os conteúdos de forma abrangente, atinge mais os servidores públicos.”
Viabilidade necessária
Outro desafio, o acesso a Internet ainda não é realidade em todas as escolas brasileiras. Banda larga menos ainda, o que acaba por inviabilizar projetos de REA.
“Do jeito que a rede está hoje, não se pode baixar um curso de língua estrangeira do ensino médio”, admite João Cardoso Palma Filho, secretário adjunto da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.
“REA tem que estar inserido nas políticas de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Isto ainda é um desafio que limita a agenda dos recursos abertos. Dar uma BMW sem gasolina não faz sentido”, questiona o coordenador de Comunicação e Informação da Unesco, Guilherme Canela.
Construir o domínio público da banda larga é uma demanda que precisa ser cumprida para, então, massificar materiais de alta qualidade, de acordo com análise de Plotkin sobre o Brasil.
10 anos de REA
A Unesco está programando um seminário internacional em Paris sobre REA para 2012, quando a criação do termo completará dez anos. O conceito de “Open Educational Resource” (OER) ou Recursos Educacionais Abertos (REA) foi usado pela primeira vez em julho de 2002, durante um fórum do órgão.
“Devemos ajudar a diminuir as desigualdades de informação que existe. Uma estratégia para isso são os REA. Informação é o oxigênio da democracia”, ressalta Guilherme Canela.
Parte da política da organização, recentemente, a Unesco liberou o download gratuito dos oito volumes sobre História da África em seu site.
* Veja tammbém no Portal Aprendiz – “Militantes pretendem vaiar Dilma por veto ao kit anti-homofobia“.
** Publicado originalmente no Portal Aprendiz.