Reflexões sobre comunicação humana

Sobre as origens

 

  1. A maioria de nós, profissionais de comunicação, não costuma refletir sobre o processo de comunicação ao longo do tempo. Acredito que isso faz falta ao nosso dia-a-dia. Estamos tão inebriados com o progresso das tecnologias da comunicação, com a sofisticação dos processos de comunicação, que nos esquecemos do caminho que a comunicação percorreu para chegar aos dias atuais.
  1. A propósito, a palavra comunicar vem do latim communic?re,  que significa tornar comum, repartir, dividir alguma coisa com alguém. Assim, quando nos comunicamos, estamos tornando algo comum, repartindo algo com alguém. E o conteúdo da comunicação é a informação, outra palavra de origem latina que é originária do verbo informar, inform?re, que significa dar forma. Assim, damos uma forma a um conceito e o transformamos em palavra, imagem, gesto e, com isso, comunicamos.
  1. É importante diferenciar comunicação de informação. Costumo criticar a expressão TICs – Tecnologias da Comunicação da Informação. Acredito que existe uma tecnologia da comunicação, na medida em que comunicação é processo; mas não tecnologia da informação, porque ela é conteúdo. Tecnologia da comunicação está mais relacionada a hardware e software e informação a conteúdo.
  1. Para adentrarmos ao processo de comunicação, devemos considerar, esquematicamente seus componentes: o emissor, o receptor, a mensagem, o meio de comunicação, a resposta (feedback) e o ambiente onde o processo comunicativo se realiza. Jamais devemos deixar de considerar o ambiente onde a comunicação acontece: ele determina a inteligibilidade do receptor e influencia a possibilidade de a mensagem ser decodificada adequadamente.
  1. Em algum momento de sua história, o ser humano iniciou o processo de comunicação. Jamais saberemos quando isso aconteceu. O fato, porém, é que a partir daí, a humanidade iniciou seu processo de distanciamento da natureza. Sabemos que os primeiros hominídeos surgiram há três milhões de anos, no sul da África. Ali também surgiu os primeiros homo habilis, há cerca de dois milhões de anos, que fabricava instrumentos simples de pedra, construía cabanas e, provávelmente, desenvolveu uma linguagem rudimentar. Começava aí a nossa sofisticada comunicação.
  1. Os primeiros registros comunicacionais apareceram por volta de 40.000 AC, na forma de arte rupestre. Isso já significava um alto grau de desenvolvimento. Algo dessa evolução já podia ser sentida na confecção de roupas, armas e nos rituais de sepultamento de mortos. Tudo isso trazia uma especificidade humana: o pensamento simbólico e a transmissão de conhecimentos. Isso já é cultura, como criação de conhecimento e herança social. Mas o registro do pensamento é um passo adiante na humanidade.
  1. As pinturas rupestre mais famosas estão localizadas na Europa: Arte rupestre de Val Camonica, Itália. A maioria está na França: ; Lascaux; La Marche; Chauvet-Pont-d’Arc; Caverna de Cosquer; Font de Gaume; Caverna de Pech Merle; Caverna de Les Trois-Frères. Na Espanha, está a famosa Caverna de Altamira.

 

Vale a pena ver o trailer e assistir ao filme de Werner Herzog, “A caverna dos sonhos esquecidos”, um belíssimo documentário sobre a caverna de Chauvet-Pont-d’Arc, um relato emocionante, esteticamente primoroso sobre esse recém descoberto sítio arqueológico.

Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=gKYOdjQOaYo

Filme:  https://www.youtube.com/watch?v=YQjjzjUAMqs

No Brasil são encontradas diversas manifestações de arte rupestre, entre elas: Naspolini, no estado de Santa Catarina; Lagoa Santa, Varzelândia e Diamantina, em Minas Gerais;  Toca da Esperança, região central da Bahia; e Serra da Capivara, no Piaui.

 

Comunicação e política

 

  1. Devemos considerar que toda pessoa é, fisicamente, comunicação. Todo sujeito é, primeiramente, corpo/comunicação. Ao se apresentar, o indivíduo está se comunicando. Ele diz, sem falar, simplesmente chegando: eu sou e eu sou assim. Ele está vestido e gesticula. Roupas e gestos são poderosíssimas formas de comunicação. Aqui estamos falando de microcomunicação, ou comunicação interpessoal.
  1. A título de provocação, proponho mais um tema para reflexão: toda comunicação humana expressa uma ação política. Não confundir com política partidária. Vamos abordar política como uma relação de poder. Sim, porque a comunicação tem um viés político. E esse viés político se expressa na relação emissor/receptor. O disicurso costuma propor:  dominação, convivência belicosa, convivência solidária, submissão. Evidentemente, não há uma forma pura, exclusiva de comunicação. Elas costumam se mesclar e, no processo de comunicação, a cada momento, um tipo se sobressai.
  1. Na comunicação entre nações, essa relação fica mais evidente. Os países se relacionam como dominantes e dominados, fazem alianças, criam grupos hegemônicos e  experimentam lideranças grupais. E há os líderes e os liderados. Se observarmos como os representantes dos países se apresentam, podemos observar claramente suas intenções e suas posições no cenário político internacional.
  1. Na comunicação interpessoal isso também acontece. E tem se constituído em frequentes motivos de conflito. Seja no trânsito, nas residências, entre crianças. A comunicação como instrumento de convencimento vai da publicidade/propaganda, aos discursos dos políticos, às relações amorosas. Tudo o que o ser humano faz é comunicação. Do gesto mais simples ao espetáculo de massa; do beijo amoroso ao conflito bélico entre nações. Os conflitos sempre surgem a partir de uma comunicação inadequada. Seja ela momentânea ou histórica.
  1. Podemos perceber emergência de ruídos nas relações interpessoais em situações as mais banais. Por exemplo, no relacionamento entre duas pessoas, quando uma delas chega com bananas em casa. O modo como a pessoa se expressa ao ver as bananas pode gerar um conflito. Por isso falamos da relação entre o que se diz e o que se quer dizer. A sintaxe é a mesma; a semântica vai acontecer a partir do tom que se dá a cada frase. Imagine com que tom cada uma destas frases pode ser dita: com ironia, com rispidez, com indiferença etc.

 

–     Bananas bonitas

–     Bananas muito bonitas

–     Que bananas bonitas

–     Mas que bananas bonitas

–     Você comprou bananas

–     Mas você comprou bananas

–     Quanta banana

–     Pra que tanta banana

 

Sobre os dias de hoje

 

  1. Enfim, tudo o que fazemos quer dizer algo. O ser humano é o animal mais comunicativo que existe. Por isso ele se transformou em ser humano. Eu comunico, tu comunicas, ela comunica, ele comunica, nós comunicamos, vós comunicais, eles comunicam, elas comunicam. Eu falo, tu gesticulas, ela escolhe um vestido, ele usa terno, nós gritamos gol, vós entoais hinos, elas ganham flores, eles dão flores. E, nos tempos atuais, tudo isso pode ser vice-versa.

 

  1. Em cada ação há uma comunicação. Em cada comunidade humana há regras e normas para o relacionamento. E, em cada tempo e espaço, registramos mudanças no relacionamento. E tudo é expresso pela comunicação, uma atividade em constante processo, em eterna mudança. O ser humano é o animal mais comunicativo que existe. Simplesmente porque o ser humano inventou um jeito, quer dizer, vários jeitos, várias maneiras de expressar aquilo que sente.

 

  1. Quantos animais sabem comunicar? Está certo, o cachorro comunica. O gato comunica. O leão, o elefante, os macacos, as aves. Mas o que eles comunicam? Estarão esses animais comunicando o seu pensamento, o seu afeto, a sua visão de mundo, o seu desejo, o seu prazer? É até possível. Mas por que esse tipo de comunicação entre aqueles animais é tão padronizado, tão repetitivo?

 

  1. Duas coisas aconteceram para que nossos ancestrais hominídeos se transformassem em seres humanos e se diferenciassem dos outros animais: o pensamento simbólico e uma forma de expressar esse pensamento, verbalmente ou por algum tipo de registro, como por exemplo, a escrita, desenhos, sons musicais, dança, gestos etc.

 

  1. Daí para frente, aquele animal que era um projeto de ser humano se transformou em um verdadeiro ser humano. Daí para frente, o ser humano jamais deixou de comunicar. O ser humano se comunica consigo mesmo, o ser humano se comunica com os outros seres humanos, o ser humano se comunica com os outros animais.
  2. O ser humano, em dado momento, aprendeu a falar. Era diferente de grunhir, de simplesmente emitir sons. Foram necessários milhares e milhares de anos para que o ser humano aprendesse a falar. Então, o ser humano reuniu suas experiências de vida e, num primeiro momento, passou a contá-las para seus pares. Ele já sabia gesticular, já sabia expressar verbalmente suas emoções. Mas fazia tudo gestual e oralmente. Na verdade, foi um grande passo, porque já se podia comunicar a representação do real, já se podia contar histórias e memórias.

 

  1. Porém, quando o ser humano aprendeu a escrever, aconteceu uma grande revolução. Ficou mais fácil transmitir os pensamentos e as emoções, porque ele passou a registrar seus sentimentos e conhecimentos. E muito mais seres humanos tiveram acesso às informações. Hoje, nós somos absolutamente seres comunicativos. Somos essencialmente comunicadores. Comunicamos e somos comunicados. Seja pela comunicação interpessoal, seja pela comunicação de massa.
  1. Comunicamos pela roupa, pelos gestos, pelos olhares, pelo andar, pela voz, pelas vozes, pela intensidade da voz. Comunicamos até pelo silêncio. “Quem cala consente”, diz o ditado. Mas, na verdade, não sabemos se concorda ou discorda. O fato é que quem cala também se comunica. Cabe ao interlocutor do silêncio compreendê-lo.
  1. Quando coçamos a cabeça, estamos comunicando. Quando assobiamos, estamos comunicando. Quando levantamos o braço, estamos comunicando. Nós nos comunicamos o tempo todo. Para o bem e para o mal. Para mostrar solidariedade ou para agredir. Para demonstrar poder, submissão ou igualdade.
  1. A comunicação é o que aproxima e afasta os seres humanos entre si. Tudo o que fazemos quer dizer alguma coisa.

Nós dizemos e, ao mesmo tempo, queremos dizer. E a comunicação é tão mais eficiente quando quanto mais o que dizemos está próximo do que queremos dizer.

Cada gesto, cada olhar, cada som que emitimos, tudo quer dizer alguma coisa. É isso que nos torna humanos. É a comunicação que possibilita o entendimento e a discórdia.

Nós, comunicadores, temos uma imensa responsabilidade.

 

ANEXO: Herança genética

 

Apesar de eu ter sempre privilegiado a cultura – aqui, não no sentido de erudição, mas de herança social, transmissão de conhecimento, hábitos e costumes – como o fator distintivo do ser humano em relação aos outros animais, deve-se considerar a importância da herança genética.  Tenho utilizado a expressão “condição humana” para substituir “natureza humana”, por observar que, cada vez mais, homens e mulheres se distanciam da natureza. E utilizam cada vez mais a comunicação para isso. Mas não podemos esquecer, em hipótese alguma, a questão genética.

Ela é muito bem tratada no livro As Origens da Vida, de John Maynard Smith e Eörs Szathmáry. É dessa obra, que recomendo, que extraí o texto seguinte, mais um ótimo conteúdo para reflexão.

 

As características das sociedades humanas

Diz-se muitas vezes que a característica que define as sociedades humanas é a herança cultural, isto é, os indivíduos numa sociedade aprendem com as gerações anteriores as suas crenças e o seu comportamento, os seus conhecimentos e habilidades – e não os recebem por herança genética. É evidente que esta ideia tem muito de verdadeiro, principalmente no que respeita à diferença entre indivíduos, ou entre sociedades. Na verdade, a nível dos indivíduos, as diferenças de opinião política não são causadas por diferenças entre os genes. A nível das sociedades, as diferenças entre os habitantes de Londres hoje e em 1098, ou entre os habitantes de Londres e Pequim hoje, têm causas culturais, não genéticas.

Todavia, a ideia deverá ser encarada com algumas reservas.

Em primeiro lugar, existe alguma herança cultural em animais, um aspecto importante quando pensamos na origem da cultura humana.

Em segundo lugar, esta capacidade humana de aprender, e de construir sociedades que dependem da transmissão cultural, é genética. As sociedades humanas diferem das sociedades de chimpanzés porque os seres humanos e os chimpanzés são geneticamente diferentes.

Em terceiro lugar,os seres humanos aprendem algumas coisas mais prontamente que outras: o cérebro humano não é uma tabula rasa, na qual a experiência possa escrever o que apetecer.

As ratazanas jovens ganham o gosto por uma comida nova sentindo o seu odor no pêlo de outras ratazanas.  Estamos perante uma espécie de herança cultural: dois grupos de ratazanas alimentam-se de comidas diferentes e a diferença é transmitida por aprendizagem. A este mecanismo tem-se chamado reforço local: os adultos criam um ambiente que conduz à aprendizagem dos mais novos.

[…]

É importante distinguir reforço local e aprendizagem por observação, uma vez que apenas a aprendizagem por observação produz mudanças culturais cumulativas – a característica fundamental da história humana.

[…]

Se os animais superiores são capazes de copiar os mais velhos, pelo menos às vezes, porque não existe mudança cultural contínua entre eles, como existe entre os seres humanos? Na verdade, uma população de chimpanzés difere de outra, mas não está continuamente a adquirir novos hábitos. A explicação mais provável é que entre os seres humanos é transmitida essencialmente através da linguagem.

[…] há analogias fortes entre os mecanismos genéticos e linguísticos de transmissão de informação, e as consequências da linguística sobre a natureza modular da mente humana.

 

AS ORIGENS DA VIDA

DO NASCIMENTO DA VIDA ÀS ORIGENS DA LINGUAGEM

JOHN MAYNARD SMITH E EÖRS SZATHMÁRY

TRADUÇÃO: ANA PAULA GODINHO COUTINHO

EDITORA GADIVA, LISBOA, 2007

PÁGINAS 218, 220 E 221

 

REFERÊNCIAS

 

443 E-BOOKS SOBRE COMUNICAÇÃO, INTERNET, REDES SOCIAIS E WEB 2.0 PARA DOWNLOAD

PUBLIKI MARKETING & EDITORA

http://publiki.me/443-e-books-sobre-comunicacao-internet-redes-sociais/

A CAVERNA DOS SONHOS ESQUECIDOS (2011) – TRAILER LEGENDADO https://www.youtube.com/watch?v=gKYOdjQOaYo

A CAVERNA DOS SONHOS ESQUECIDOS – FILME

https://www.youtube.com/watch?v=YQjjzjUAMqs

 

ARTE RUPESTRE

BEPELI / PORTAL DE EDUCAÇÃO, ARTE E CULTURA

http://www.bepeli.com.br/artes/arte_rupestre/arte_rupestre.html

 

AS ORIGENS DA VIDA / DO NASCIMENTO DA VIDA ÀS ORIGENS DA LINGUAGEM. JOHN MAYNARD SMITH E EÖRS SZATHMÁRY. TRADUÇÃO: ANA PAULA GODINHO COUTINHO. EDITORA GADIVA, LISBOA, 2007

 

COMUNICAR / INFOPEDIA

http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/COMUNICAR>

 

INFORMAR / INFOPEDIA

http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/informar>

 

AS ETAPAS DA EVOLUÇÃO HUMANA

SÓ HISTÓRIA / MATERIAL DE APOIO

http://www.sohistoria.com.br/ef2/evolucao/p2.php

 

COMUNICAÇÃO / WIKIPEDIA

http://pt.wikipedia.org/wiki/Comunica%C3%A7%C3%A3o

 

COMUNICATION /WIKIPEDIA

http://en.wikipedia.org/wiki/Communication

Communication (from Latin comm?nic?re, meaning “to share” [1]) is the activity of conveying information through the exchange of ideas, feelings, intentions, attitudes, expectations, perceptions or commands, as by speech, gestures, writings, behavior and possibly by other means such as electromagnetic, chemical or physical phenomena. It is the meaningful exchange of information between two or more participants (machines, organisms or their parts).[2][3]

Comunicação (do latim Communicare, que significa “compartilhar” [1]) é a atividade de transmitir informações através da troca de idéias, sentimentos, intenções, atitudes, expectativas, percepções ou comandos, tanto pela fala, gestos, escritos, comportamento e, quanto por outros meios, como a eletromagnética, química ou fenômenos físicos. É a troca significativa de informações entre dois ou mais participantes (máquinas, organismos ou suas partes). [2] [3]

  1. Jump up ^Harper, Douglas. “communication”. Online Etymology Dictionary.
  2. Jump up ^ Wiener, Norbert (1948). Cybernetics, or Control and Communication in the Animal and the Machine. Cambridge: MIT Press.
  3. Jump up ^ de Valenzuela, Julia Scherba. (1992). American Speech-Language-Hearing Association (ASHA): Guidelines for Meeting the Communication Needs of Persons With Severe Disabilities

 

* Fernando Rios é jornalista, antropólogo, poeta, artista plástico, designer gráfico e consultor em comunicação empresarial integrada. www.fernandorioscom.art.brfernando_rios@terra.com.br.