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Reforma política brasileira cai em sua própria armadilha partidária

Os jovens reclamam nas ruas melhores hospitais e transportes públicos, enquanto os pedidos de reforma política são mais difusos. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
Os jovens reclamam nas ruas melhores hospitais e transportes públicos, enquanto os pedidos de reforma política são mais difusos. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

 

Rio de Janeiro, Brasil, 9/7/2013 – Como resposta aos protestos nas ruas, a presidente Dilma Rousseff apresentou uma proposta de reforma do sistema político, que parece não prosperar devido à burocracia e às intermináveis negociações partidárias, precisamente o centro das críticas dos manifestantes. A iniciativa enviada por Dilma ao parlamento há uma semana, depois da mobilização de milhões de jovens nas principais cidades do país, é para convocar uma consulta popular sobre uma lista de assuntos, que uma vez escolhidos deveriam ser tratados pelo Congresso.

Entre os temas sugeridos figuram financiamento de campanha eleitoral, que hoje permite a contribuição privada e pública, e o sistema eleitoral, como a continuidade ou não do sistema de suplentes de senadores, das coalizões partidárias para as eleições de deputados e vereadores, bem com o fim do voto secreto no Congresso. “Ainda não sabemos exatamente como será o plebiscito, mas em princípio seria uma consulta para que os eleitores digam se querem que o Congresso debata uma reforma política”, disse o analista Mauricio Santoro ao ser perguntado pela IPS se o resultado será vinculante.

Santoro acrescentou que, “provavelmente, as perguntas do plebiscito definiriam os temas que os parlamentares teriam que abordar, mas a natureza específica dessas mudanças viriam das discussões parlamentares”. “Em seu discurso inicial, Dilma apresentou uma reforma política como uma assembleia constituinte limitada, mas esse projeto imediatamente foi abandonado por ser muito controverso”, explicou Santoro.

Para atender as demandas apresentadas, “julgamos imprescindível um amplo e imediato esforço conjunto para a renovação do sistema político brasileiro”, disse a presidente, do esquerdista Partido dos Trabalhadores (PT). “Muito empenho já houve para que esse sistema fosse reformulado. Mas, até o momento, todos os esforços, lamentavelmente, não produziram resultados significativos”, ressaltou.

No Brasil se discute uma reforma política há mais de 15 anos, mas os diferentes interesses partidários converteram este assunto em uma pendência eterna. Pelas divergências que causou nos últimos dias, inclusive entre partidos aliados do governo, parece que tudo continuará igual. “É uma doença nacional” resumiu em entrevista à IPS o pesquisador Fernando Lattman-Weltman, do Laboratório de Estudos Políticos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Outra crítica da oposição e das autoridades eleitorais é sobre a real eficácia de uma consulta popular e da posterior votação no Congresso, que o governo quer definir antes das eleições de 2014. E muitos questionam o próprio plebiscito. “Em todo caso, é perfeitamente possível fazer uma reforma política sem convocar uma constituinte”, afirmou Santoro. “Muitas coisas podem ser feitas mudando só as leis ou os estatutos dos partidos, mas, inclusive, se for preciso emendar a Constituição, isso pode ser feito por via parlamentar, com a única diferença de que é preciso contar com 60% dos votos e não com a maioria absoluta, como em uma assembleia constituinte”, explicou.

Lattman-Weltman foi mais contundente, dizendo que qualquer reforma política cabe ao Poder Legislativo. “Quando se fala de reforma se quer desviar a atenção das ruas, que pedem maior poder de decisão”, opinou o especialista político Ricardo Ismael, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. “Se tenta canalizar a energia das ruas, quando é evidente que esse tema não estava entre os manifestantes. O que querem é mais hospitais e melhor transporte público. De outra forma, a insatisfação vai continuar”, disse à IPS.

Os manifestantes também questionam a impunidade, a corrupção e a obscura cumplicidade por interesses partidários de seus governantes, tanto nacionais como locais, sem distinção de partidos aliados ou opositores do governante PT. Nesse sentido, Ismael disse que “o importante” é resolver medidas pontuais, com proibir o “caixa dois” (contabilidade paralela de campanhas eleitorais), limitar ou proibir seu financiamento privado e dar-lhe “maior transparência”, por exemplo, prestando contas aos eleitores sobre a origem desses recursos antes da votação. Para este especialista, pontos como esse devem ser discutidos primeiro no Congresso e depois serem submetidos a um referendo.

No entanto, Lattman-Weltman considera “essencial” que o parlamento também aprove reformas na regra atual de suplência de senadores. “É um absurdo. As pessoas votam em seu senador sem saber quem é o suplente”, afirmou. Porém, o tema mais polêmico é sobre o sistema eleitoral para deputados e vereadores, atualmente proporcional e com lista aberta. O debate é se deve ser mudado para o voto distrital puro ou misto, ou voto majoritário para a eleição de parlamentares. Outra opção é a lista flexível ou fechada, proposta pelos partidos tradicionais, ou o voto em dois turnos, como defendem organizações da sociedade civil.

A falta de consenso partidário se reflete na opinião dos dois analistas políticos entrevistados. Lattman-Weltman é favorável a uma lista fechada, “porque fortaleceria os partidos, reduziria drasticamente o número de candidatos” e os gastos de campanha, além de permitir melhor fiscalização. Já Ismael defende que se mantenha o sistema proporcional, mas que sejam proibidas as coalizões partidárias para eleger deputados e vereadores, destacando que a lista seria “pior”, porque reduziria “violentamente o número de partidos”, impedindo a renovação.

No que ambos concordam é quanto à necessidade de proibir ou limitar as contribuições de empresas privadas para as campanhas eleitorais, para que aqueles que chegam ao governo não sejam obrigados a favorecê-las nas licitações, por exemplo. Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais da presidente Dilma, disse que uma das razões do “mal-estar” brasileiro é que as mudanças econômicas e sociais obtidas pelo governo do PT “não foram acompanhadas pelas transformações institucionais dos poderes do Estado, dos partidos e dos meios de comunicação, fortemente concentrados”.

Em uma coluna de opinião publicada no jornal argentino Página 12, Garcia afirmou que, como em outras partes do mundo e em particular na América do Sul, “as instituições se revelaram tímidas e insuficientes diante do alargamento do espaço público e da integração de novos sujeitos políticos”. Neste contexto, pensa que se deve adotar o financiamento público nas campanhas para “eliminar a influência exercida pelo poder econômico nas eleições”. Garcia também disse que é preciso apelar para outros mecanismos para haver “uma participação mais importante da sociedade na vida política”, com a possibilidade de “revogação” dos cargos eletivos e mais consultas populares. Envolverde/IPS