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Reformas econômicas cubanas exigem ajustes políticos

Cuba. Foto: Reprodução/Internet

Havana, Cuba, 11/12/2012 – O modelo econômico e social que vai se delineando em Cuba, a partir das mudanças já aplicadas ou em curso, exigem reformas que fortaleçam e deem maior autonomia aos órgãos locais de governo, cuja renovação começou em outubro com a eleição de novos delegados para as assembleias municipais. Como na economia nacional já começaram a conviver a propriedade estatal, a privada e a cooperativa, “a descentralização na tomada de decisões será a chave para o sucesso das transformações”, disse à IPS o pesquisador Ricardo Torres, do Centro de Estudos da Economia Cubana, da Universidade de Havana.

Esse princípio é considerado básico na aposta pelo desenvolvimento local, processo no qual o município passa de receptor a protagonista no território. A proposta oficial estabelece que os projetos, como pequenas indústrias e centros de serviços, especialmente no setor da alimentação, façam parte da estratégia de autoabastecimento municipal. Para garantir a autonomia em termos financeiros, o sistema tributário, que entrará em vigor em janeiro de 2013, grava a renda de empresas, sociedades mercantis e cooperativas com vistas a financiar projetos nos territórios onde estão localizadas. Esta contribuição engrossará o orçamento dos municípios para suas atividades produtivas e sociais.

Torres afirmou que a economia mista (do ponto de vista da propriedade) e  descentralização são variáveis enaltecidas como características do modelo que poderia surgir das reformas aprovadas em abril de 2011, durante o sexto congresso do governante Partido Comunista de Cuba. Naquela ocasião, o presidente Raúl Castro anunciou que o “modelo excessivamente centralizado da economia deve abrir-se”. E acrescentou que a “experiência prática nos ensinou que o excesso de centralização conspira contra o desenvolvimento da sociedade e toda a cadeia produtiva”.

“Toda a vida consideramos que o modelo cubano descansava em um poder central a partir do qual vinham todas as decisões. Agora vemos que isto não é viável”, disse à IPS a professora Marta Zaldívar, da Faculdade de Economia da Universidade de Havana. Para ela, que trabalha há vários anos com esse tema, o desenvolvimento local continuará como uma pendência se não houver um contexto jurídico que apoie a gestão em nível territorial. “Alguns passos foram dados, mas ainda incipientes. O processo é lento e o tempo de espera da sociedade está se esgotando”, ressaltou.

Em entrevista à IPS Torres estimou que, “em um cenário onde há mais heterogeneidade de atores econômicos, é fundamental que estes possam efetivamente tomar decisões autônomas em relação à uma multidão de variáveis e de questões que têm a ver com a vida dessas organizações”. Também alertou que se trata de um caminho que “começa a andar” e obriga a romper esquemas e formas de comportamento. “Inclusive, haverá casos em que será necessário desconcentrar a propriedade em empresas muito grandes para o tamanho do mercado interno. É um âmbito em que a firma estatal tem que ser mais autônoma”, afirmou Torres.

De acordo com estas mudanças na gestão empresarial, o governo nacional terá um grupo de atribuições, mas, segundo Torres, será preciso dividir competências e funções com as autoridades provinciais e municipais. “Este é outro caminho bem longo e difícil de aprendizagem que Cuba inicia”. Estes governos “terão que assumir um papel protagonista na agenda do desenvolvimento de suas regiões, para o que faltam vários requisitos, entre eles ter mais autonomia para tomar decisões relevantes em determinados setores, inclusive para fixar políticas que não interfiram com a estratégia mais geral do país”, explicou o pesquisador.

Para Torres, as condições não estão totalmente criadas em todas as províncias e municípios da ilha, portanto, o processo terá que estar acompanhado da criação de capacidades nos governos locais, para que possam efetivamente atuar como agentes mais ativos no desenvolvimento econômico e social em níveis provincial e municipal. Os delegados (conselheiros) eleitos nas eleições municipais, processo que se prolongou até novembro em alguns lugares devido aos efeitos do Furacão Sandy em províncias orientais, são os funcionários governamentais mais próximos da base da sociedade e representam seus eleitores perante a legislativa Assembleia Municipal do Poder Popular.

Uma queixa repetida entre a população cubana é que o “delegado pode ser muito bom, mas carece de recursos para resolver os problemas de seus eleitores”. No entanto, seu mandato não inclui solução direta de um assunto, sem divulgar as necessidades e dificuldades de seus eleitores e informá-los sobre as medidas adotadas pela Assembleia. As eleições municipais acontecem a cada dois anos e meio, e nesta ocasião serão seguidas, em fevereiro, da renovação dos representantes nas Assembleias Provincial e Nacional (Parlamento unicameral).

Meios de comunicação oficiais reconhecem que estes órgãos de governo devem fortalecer sua autoridade e participação no processo de mudanças. Torres considera que o maior protagonismo destes funcionários no desenvolvimento de seus territórios reforçará a participação democrática e aproximará a gestão governamental no nível local da cidadania, que estará mais interessada em dar seu voto às pessoas mais competentes diante de determinadas gestões.

Nesse sentido, não despreza, inclusive, a futura profissionalização de delegados municipais e provinciais, bem como dos parlamentares que compõem a Assembleia Nacional do Poder Popular, “único órgão com poder constituinte e legislativo na República”, segundo a Constituição. “Até agora, essas funções, na maioria dos casos, são exercidas simultaneamente com a ocupação normal, mas se realmente queremos que estas pessoas se voltem para o desenvolvimento de suas comunidades, a questão da profissionalização deveria ser analisada e debatida”, enfatizou. Envolverde/IPS

* Com a colaboração de Ivet González.