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Refugiados e desprotegidos

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Jane McAdam.
Nova York, Estados Unidos, 18/8/2011 – Enquanto os efeitos da mudança climática ficam mais evidentes, obrigando milhões de pessoas a abandonarem suas terras e casas, especialistas alertam que o direito internacional migratório deve assumir esta realidade para lhes dar proteção e apoio. Os Princípios Reitores sobre os Deslocamentos Internos, de 1998, poderiam servir de modelo interino “até que se encontre uma solução mais completa”, disse Jane McAdam, diretora do projeto de Direito Internacional Migratório e de Refugiados no Centro de Direito Público Gilbert e Tobin, da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália.

“Neste momento, se alguém cruza a fronteira e diz ‘preciso de proteção estou fugindo dos impactos da mudança climática’ não há mecanismos legais para ajudá-lo”, explicou McAdam. Ver o panorama completo de como o aquecimento global tem impacto no sustento das pessoas e em suas decisões de emigrar é indispensável para uma estratégia de adaptação, destacou esta especialista. “A mudança climática agrava as pressões que as pessoas já sentem, e se procura adotar um enfoque de várias frentes, desde o subnacional e nacional até o regional e internacional”, afirmou.

Jane McAdam conversou com a IPS sobre as vantagens e desvantagens dos Princípios Reitores para conceber um novo contexto legal que proteja os migrantes climáticos em todo o mundo.

IPS: Por que a mudança climática é um assunto tão complicado quando falamos de leis de proteção?

JANE MCADAM: É muito difícil apontar a mudança climática como “a” causa da imigração. O aquecimento global interage com fatores subjacentes, como pobreza, vulnerabilidade ambiental, más práticas de desenvolvimento, etc. Por exemplo, se alguém vai às áreas urbanas pobres de Bangladesh, para onde muitos moradores das zonas rurais se mudaram, as pessoas apresentarão razões diferentes para explicar essa mudança, mesmo se as condições subjacentes forem semelhantes. Pode haver duas pessoas na sua frente, e uma diz: “vim por causa dos impactos da mudança climática sobre meu meio ambiente”, e a outra dirá: “vim porque não tenho oportunidade de trabalho em minha terra”, ainda que ambas possam ter fugido de áreas expostas a frequentes inundações, perdas de cultivos e outros problemas semelhantes. Se há um instrumento de proteção exigindo que o aquecimento planetário seja apontado com a causa da imigração, a pessoa que puder identificar o impacto do clima em sua decisão receberá proteção, e a outra não. Isto é certo, quando suas necessidades são idênticas? Creio que nos concentrarmos apenas na mudança climática pode nos desviar do caminho na hora de entender as imigrações.

IPS: De uma perspectiva legal, o que pode ser feito?

JM: Uma possibilidade é abrir a Convenção Internacional sobre o Estatuto dos Refugiados para renegociar ou construir alternativamente um protocolo adicional. Tenho medo quanto a isto, devido à natureza empírica das migrações. As definições legais são construídas com um propósito particular, que é alcançar quem necessita da proteção. Assim, não são adequadas para descrever a complexidade das migrações. Se estas requerem que a mudança climática seja apontada como a causa da migração, exigirão das pessoas que se concentrem no aspecto do aquecimento global além dos outros temas subjacentes. A outra questão de um instrumento desse tipo é que, em sua natureza, é apenas um remédio. Assim, não ajuda a planejar as migrações de forma antecipada, como estratégia de adaptação, mas deixa as pessoas sozinhas até que digam “precisamos de ajuda”. Por outro lado, um tratamento somente é útil neste contexto quando se cruza uma fronteira internacional. Porém, os fatos mostram de forma ampla que a maioria dos refugiados em razão do clima são internos, o que significa que as pessoas afetadas não têm os recursos para sair de seu país. É por isso que, talvez, precisemos ver mais de perto os Princípios Reitores e, quem sabe, substituí-los por pautas que se concentrem em outras necessidades particulares que possam surgir em um contexto climático.

IPS: Até agora, somente 30 países adotaram os Princípios Reitores, e estes não são vinculantes. Que tipo de problemas surgem dessa situação?

JM: Não existe vontade política para elaborar um novo tratado internacional, por isso creio que os Princípios Reitores podem ser um útil primeiro passo. Se deveria exortar os países a terem um instrumento interino, não vinculante, antes de um obrigatório. Isto é, um precursor até se encontrar uma solução mais completa. Além disso, o fato de poucos governos apoiarem os Princípios Reitores sugere que a opção de um tratado vinculante tem menos chances de sucesso. Os Princípios Reitores foram uma iniciativa que se produziu fora dos processos normais de negociação entre Estados. Foram redigidos por especialistas e depois apresentados aos países e a outros atores como pautas úteis. Não são vinculantes, mas estão baseados no direito internacional. Reúnem partes relevantes do direito humanitário, dos direitos humanos e dos direitos dos refugiados, e os unem, assinalando o que consideram importante quanto a deslocamentos internos. A questão é que, embora um pequeno número de países implemente os Princípios Reitores, um grupo maior de nações é signatário dos tratados internacionais nos quais se baseiam. Assim, talvez se devesse concentrar nessas obrigações internacionais e recordar aos Estados que as aceitaram que as respeitem. Os Princípios Reitores simplesmente os destilam para este contexto particular. Envolverde/IPS