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Refugiados no acampamento do inferno

Como outras crianças do acampamento de refugiados de Jallozai, no Paquistão, esta menina não pode ir à escola. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

Peshawar, Paquistão, 25/4/2012 – “Passamos noites sem dormir, sem eletricidade nem água limpa. Não vale a pena viver neste lugar, mas não temos opção e ficaremos aqui enquanto as operações militares continuarem em nossa área”, disse o paquistanês Gul Rahim no acampamento de refugiados de Jallozai. Antes vivia em Bara Tehsil, em Khyber Pakhtunkhwa. O acampamento onde reside atualmente está no distrito de Nowshera, na mesma agência (divisão distrital).

Meninos e meninas vão buscar água em tanques improvisados situados nas proximidades, mas esse líquido não é potável, lamentou Rahim. Além dele e de sua família, no acampamento vivem outros milhares, que também fugiram devido a uma campanha militar contra o movimento extremista Talibã nas Áreas Tribais Federalmente Administradas (Fata), açoitadas pela violência.

Khyber Pakhtunkhwa é uma das sete agências que integram as Fata, onde nos últimos dois anos prolifera a insurgência. Isto levou o governo a impor toques de recolher diários. A maior parte dos dez milhões de habitantes das Fata estão entre o fogo cruzado incessante. No começo de março, o exército do Paquistão intensificou a ação e pediu aos moradores de Bara Tehsil – um dos três grupos administrativos de Khyber Pakhtunkhwa, na fronteira com o Afeganistão – que se mudassem para o acampamento.

“Contudo, no acampamento não tem serviços. Tem gente doente por causa da má qualidade dos alimentos que nos dão. O clima está ficando muito quente” e as crianças são as mais afetadas pela miséria, alertou Abdul Ghafoor, um idoso que vive no local, onde chegou com sua família de 12 pessoas. Comerciante de profissão, ele está farto da maneira como o acampamento é gerenciado. “Não tem quem ouça nossos pedidos de água e eletricidade. Inclusive as agências da Organização das Nações Unidas (ONU) nos dão as costas”, contou Ghafoor à IPS.

Preocupado com o futuro da geração mais jovem, lamentou que as crianças que crescem em um entorno de violência perpétua se convertam em “monstros” se não se agir imediatamente. O escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) registrou 46.331famílias refugiadas, ou 201.070 pessoas sem teto, desde 17 de março. “Cerca de 12.646 famílias, ou 60.204 pessoas, vivem no acampamento enquanto o restante reside com familiares ou em casas alugadas, mas todos recebem alimentos” e outro tipo de ajuda, explicou à IPS o porta-voz do Acnur, Taimur Ahmed Shah, afirmando que cada família recebeu uma barraca de campanha, uma lâmina de plástico, um jogo de cozinha, um colchão e outros assessórios domésticos.

A Associação de Pediatria do Paquistão destacou que as crianças devem ser resguardadas das doenças originadas na má qualidade da água e dos alimentos. “As crianças (e os idosos) são vulneráveis a uma série de doenças, especialmente respiratórias e estomacais”, advertiu Imran Ali, da associação, à IPS. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os casos de infecção respiratória aguda aumentaram entre os refugiados que vivem no acampamento de Jallozai. Um relatório divulgado no dia 18 deste mês indica que, de 3.212 pacientes examinados na semana anterior nos quatro centros de saúde do acampamento, 692 sofriam infecção aguda do trato respiratório, 225 diarreia aguda e 71 sarna.

A OMS, que dirige os centros de saúde, vem monitorando as tendências no acampamento por meio de um sistema de alerta de doenças para prevenir epidemias. Está sendo criado outro centro de saúde, informou Anwar Shah, da OMS. Chegar e controlar a proporção de desnutrição entre mulheres e crianças também é tarefa da organização, acrescentou. Prossegue a vacinação contra sarampo e pólio, para proteger as crianças, destacou à IPS.

A OMS também realiza sessões de conscientização para informar os refugiados sobre higiene, para impedir mortes que podem ser evitadas. Além disso, no dia 16 a OMS montou um centro bem equipado para tratamento de diarreia no Hospital Satélite Pabbi, onde são atendidos pacientes do acampamento. Sultana Bibi, de 60 anos, contou que seus três netos não vão à escola há três meses por causa das operações militares em seu povoado natal, Bara. “Quero educá-los a qualquer custo, porque são muito bons nos estudos”, disse à IPS.

A maioria das crianças fica o dia todo ociosa no acampamento por não irem à escola, embora Shah tenha assegurado à IPS que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) está instalando uma escola ali. “Realizamos manifestações em Peshawar pela falta de eletricidade e de água, mas não tivemos resposta”, disse Muhammad Zaheer, morador de Bara de 29 anos que está desesperado para voltar para casa. Agora os mercados, as escolas e os hospitais estão fechados devido ao toque de recolher, o que deixa os civis entre o exército e o Talibã, disse Zaheer. “Ambos são inimigos dos refugiados, os quais perderam seus trabalhos e estão se transformando em mendigos”, acrescentou. Envolverde/IPS