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Refugiados palestinos lutam com acampamento em ruínas

A reconstrução do acampamento de Nahr el Bared, no Líbano, é lenta e frustra os refugiados palestinos. Foto: Rebecca Murray/IPS
A reconstrução do acampamento de Nahr el Bared, no Líbano, é lenta e frustra os refugiados palestinos. Foto: Rebecca Murray/IPS

 

Nahr el Bared, Líbano, 18/12/2013 – Enquanto a guerra síria agrava os choques entre facções na cidade libanesa de Trípoli, os refugiados palestinos que vivem nessa região se desesperam cada vez mais com a violência. No verão de 2007, os refugiados do acampamento Nahr el Bared, a apenas 16 quilômetros da cidade costeira de Trípoli, pagaram um preço devastador na batalha entre o exército libanês e um pequeno grupo de  insurgentes que viviam entre eles, o Fatah al Islã.

O combate de três meses se deveu ao vazio de poder gerado por facções palestinas que competiam entre si, mas não conseguiam controlar a segurança da comunidade. Ficaram destruídos o acampamento e o mercado regional que se abastecia de agricultores libaneses e bens que entravam contrabandeados da Síria. Mais de 30 mil famílias de refugiados foram para algum dos 11 acampamentos palestinos oficiais no Líbano, deixando para trás suas casas, seus pertences, seus empregos.

No ano seguinte, doadores internacionais se comprometeram em Viena a financiar a reconstrução de milhares de casas a cargo da Agência das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA). Até agora, apenas um quinto da comunidade retornou à região, agora declarada área militar, e os fundos da reconstrução estão a ponto de se esgotar. A causa é a negligência dos doadores e a guerra na Síria.

Shadi Diab, um barbeiro de 40 anos de Nahr el Bared, mora em uma casa provisória enquanto espera a reconstrução da sua. Ele fugiu do acampamento com a mulher e seus filhos no terceiro dia dos enfrentamentos de 2007. Ao voltar encontrou a comunidade isolada por barreiras de segurança e o edifício onde vivia estava destruído. “Somos castigados por algo que não fizemos. Nahr el Bared não é o mesmo; está pior do que antes. O mercado está destruído e já não é regional. Para as pessoas entrarem há muitas restrições militares; agora não é todo mundo que entra”, contou Diab.

Por lei, os palestinos são proibidos de possuir propriedades no Líbano e trabalhar em cerca de 70 profissões. Embora nos últimos tempos a lei trabalhista tenha sido revista, na prática pouco mudou, e essa população pobre deve competir com os refugiados sírios por empregos manuais e magros salários. A ação da UNRWA se restringe a reconstruir cinco mil casas no “velho” acampamento que gerencia, criado em 1949, e não pode fazê-lo em zonas periféricas, conhecidas como “o novo acampamento”.

Após finalizar as obras em oito terrenos, a agência estima que 2.500 famílias voltarão ao acampamento na primavera de 2015, data em que terminam os fundos. A diretora da UNRWS, Ann Dismorr, disse que a agência recebeu compromisso de aproximadamente US$ 345 milhões. “Mas precisamos que chegue ao menos metade dessa quantia. Se o dinheiro estivesse aqui poderíamos finalizar todo o acampamento em poucos anos, o problema é que não está”, afirmou.

A reconstrução é lenta e cheia de obstáculos. Há denúncias de excesso de burocracia, favoritismo com os empreiteiros aliados de certos políticos, alvoroço sobre a descoberta de um sítio arqueológico e a controvérsia sobre a forma que deve ter o acampamento reconstruído. As novas moradias são menores e as ruas mais largas, para permitir a circulação de blindados do exército, que sempre foi proibido de patrulhar dentro dos acampamentos de refugiados palestinos no Líbano.

Em Viena, o governo libanês prometera que a reconstrução de Nahr el Bared serviria de modelo para outros acampamentos. Mas Sahar Attrache, pesquisador do International Crisis Group, não acredita que as coisas sejam assim. “Nahr el Bared não era apenas um modelo para a reconstrução, mas também para o Estado e para os palestinos: que libaneses e palestinos pudessem, de certo modo, se reconciliar e que os palestinos pudessem ficar sob a autoridade do Estado Libanês”, pontuou.

“Lamentavelmente, todas as partes fracassaram, sobretudo o lado libanês. Não foram cumpridas as promessas feitas aos palestinos, o que alimentou o ressentimento”, acrescentou Attrache. Nesse cenário, o Conselho Norueguês para os Refugiados desempenhou um papel único em Nahr el Bared, navegando pelo nebuloso sistema legal libanês para reconstruir casas com dinheiro da União Europeia em áreas vizinhas ao “velho” acampamento, Mohajareen.

Comprado pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP) de latifundiários libaneses, Mohajareen foi construído para alojar refugiados que fugiram do massacre no acampamento de Tel al Zaatar, em 1976. Porém, a venda do terreno nunca foi registrada oficialmente junto ao Estado. Depois de 2007, o bairro destruído foi entregue à caridade islâmica (Waqf), que, por sua vez, o doou às cem famílias palestinas pobres que viviam nessas terras. Após prolongado período de disputas legais, o Conselho Norueguês para Refugiados está determinado a entregar em fevereiro quase 90 casas prontas, com eletricidade e água, aos antigos moradores de Mohajareen.

No entanto, o Conselho reconhece a decepção dos palestinos. “É a mesma quantidade de famílias que voltam a se instalar, mas com menos espaço, o que cria uma particular dificuldade”, explicou a diretora do Conselho, Niamh Murnaghan. “Uma das condições para a reconstrução foi que as ruas e calçadas entre as construções fossem mais largas, por isso houve uma perda inevitável de espaço para as moradias”, afirmou.

“Se você é refugiado há 65 anos e sente que lhe tiram mais alguma coisa, então não se sentirá bem”, acrescentou Murnaghan. Fouad el Haj é um jovem de 24 anos, de Mohajareen. Como supervisor da obra, está orgulhoso de ajudar a reconstruir sua comunidade. Mas seu maior desafio é tratar com seus antigos vizinhos, que estão descontentes com a solução arquitetônica e com a espera. “A comunidade está dividida. A vizinhança mudou e as lembranças dos velhos tempos se foram”, lamentou Haj. Envolverde/IPS