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Refugiados palestinos na Síria tentam estudar entre bombas

Esta sala de aula no acampamento de refugiados palestinos de Yarmuk, em Damasco, está em risco permanente por causa dos bombardeios. Foto: Mutawalli Abou Nasser/IPS
Esta sala de aula no acampamento de refugiados palestinos de Yarmuk, em Damasco, está em risco permanente por causa dos bombardeios. Foto: Mutawalli Abou Nasser/IPS

 

Damasco, Síria, 27/8/2013 – A educação em Yarmuk, o maior acampamento de refugiados palestinos na Síria, ficou destroçada pelos combates que assolam essa comunidade e pelo bloqueio que a sufoca. No entanto, alguns professores desafiam toda lógica e se esforçam para dar aulas a um número crescente de estudantes. Grupos armados da oposição síria tomaram o controle do acampamento em dezembro de 2012. As forças governamentais responderam com um forte bombardeio indiscriminado, que continuava até ontem, e com um sítio que asfixia a população.

Quando começou o conflito no coração do acampamento nas últimas semanas de 2012 e os combatentes do rebelde Exército Livre Sírio, junto com algumas facções palestinas, se arraigaram na comunidade, aviões de combate do governo começaram a destruir tudo. A infraestrutura educacional começou a ruir em meio aos ataques. O pessoal docente esteve entre as milhares de pessoas que fugiram do acampamento para distritos mais seguros ou outros bairros e, inclusive, outros países, como o Líbano, o que prejudicou gravemente a educação.

A situação piorou depois que Agência Nacional das Nações Unidas para os Refugiados da Palestina no Oriente Médio (UNRWA), responsável pela educação primária a média, suspendeu suas operações no acampamento. O Ministério da Educação da Síria responde pelo ensino secundário das comunidades palestinas radicadas neste país. Mas as únicas duas escolas que há no acampamento ficaram de frente para a luta; foram fechadas antes que a violência se arraigasse, em dezembro de 2012, nos limites do acampamento.

Por sugestão de Jalil Jalil, professor de árabe e conferencista na Universidade de Damasco, quatro colegas seus criaram um programa de educação na mesquita palestina no centro do acampamento. Inicialmente, eram 20 estudantes. E esse número foi aumentando cada vez mais até chegar aos atuais 200. A iniciativa foi muito animadora para as famílias, mas representou uma grande pressão para os professores e o padrão educacional que podem oferecer.

“Ficou difícil continuar trabalhando como antes”, explicou Jalil à IPS. “Precisamos encontrar lugares para dar aula a estes jovens, mas agora não é fácil no acampamento. Além disso, são necessários materiais essenciais, como livros, cadernos lápis. E o mais importante é a segurança dos jovens e dos voluntários que dão aulas”, acrescentou. No começo os professores podiam conseguir materiais com suas próprias redes ou doações dos pais em melhor posição econômica. Contudo, com o aumento do número de estudantes, pediram ajuda à UNRWA.

“Passou a ser uma questão de garantir cada vez mais livros, canetas e geradores elétricos movidos à combustível, bem como recrutar mais professores aos quais pudéssemos pagar uma quantia básica, se não um salário”, afirmou à IPS Yehya Ishmaawi, um dos professores-fundadores. “Já não era questão de oferecer apoio educacional básico, mas de tentar trazer totalmente à tona o programa educacional”, pontuou.

Com mais recursos e mais voluntários capacitados para ajudar o pessoal docente, tornou-se importante obter reconhecimento oficial para que os estudantes pudessem fazer provas regulamentares e avançar em seus estudos. Quando os professores mostraram seus impressionantes êxitos, a UNRWA apoiou o programa. “Seguimos uma via não oficial, mas o mais importante é que não permitimos que o ensino seja perturbado, e lhes damos a possibilidade de fazerem provas a tempo e sob supervisão da UNRAW”, contou à IPS Jemaal Abd al Ghani, responsável pelo relacionamento com professores e voluntários que levam adiante o programa em Yarmuk.

Para superar o bloqueio e obter os materiais necessários, os professores recorrem a pessoas e agências que entregam alimentos básicos no acampamento. Alguns destes sócios também assumiram a despesa com certos recursos educacionais e o pagamento dos voluntários. A comunidade, em geral, e os pais, em particular, também têm um papel fundamental. “Se não fosse pela fé das famílias e por seu apoio à nossa missão de reviver o sistema educacional, isto não teria acontecido”, disse Jalil. “Desempenharam um papel preponderante no começo, inclusive ofereceram livros e combustível de suas casas para os geradores que iluminam os abrigos”, destacou.

Entretanto, a educação não é imune aos bombardeios aéreos indiscriminados. No dia 1º de abril caiu um morteiro perto da mesquita palestina quando um grupo de estudantes saía de uma improvisada sala de aula que ficava ao lado. Vários deles ficaram feridos. O episódio mostrou ser um mau presságio para o que estava por vir. Poucos dias depois, outra explosão matou mais dois estudantes, Farhat Mubarak e Hehsam Mahmud, e deixou outros gravemente feridos.

“Por que esta loucura de ataques indiscriminados?”, perguntou o pai de Farhat. “Não há homens armados aqui, apenas crianças que querem viver em paz e evitar esta morte horrenda que agora está em todas as partes da Síria”, protestou. A brutalidade matou cerca de 149 meninos e meninas palestinos na Síria, 56 deles no acampamento de Yarmuk, segundo a Associação de Direitos Humanos Palestinos. As crianças de Yarmuk buscam a esperança e a alegria de seus brinquedos que ficaram debaixo dos escombros de suas casas. Envolverde/IPS