Harran e Nizip, Turquia, 19/1/2015 – “Corríamos como formigas fugindo do ninho. Mudei para três cidades diferentes na Síria para tentar ficar longe do conflito, mas chegou um momento em que não restava nenhum local seguro em meu país e por isso decidimos sair”, contou Helit – como pediu para ser identificado –, um professor refugiado na Turquia.
Helit descreveu dessa forma o impacto para ele e sua família dos bombardeios indiscriminados que suportaram em cidades sírias e o incêndio de casas de civis por parte do regime do presidente Bashar Al Assad, que forçaram sua fuga da Síria há dois anos. Desde então, estão refugiados em um dos chamados “campos de alojamento” que o governo turco instalou no seu lado da fronteira.
O professor, sua mulher e seus dez filhos (metade meninos, metade meninas) deixaram seu país no último dia de 2012, quando pediram carona e conseguiram que um caminhão os levasse até a fronteira da Turquia, para depois chegarem a pé ao campo de refugiados de Harran, a 20 quilômetros da fronteira.
Harran foi um dos últimos campos instalados em 2012 e é considerado o mais moderno de todos os estabelecimentos desde que começou a guerra síria, em 2011. Tem capacidade para receber quatro mil pessoas, distribuídas em dois mil contêineres.
Por mais de 30 anos, Helit, de aproximadamente 60 anos, foi diretor de uma escola em Aleppo, sua cidade de origem e uma das mais martirizadas pela guerra. Agora dirige a escola instalada em Harran, onde têm aula as 4.700 crianças sírias de todas as idades que há no campo.
Harran se divide em pequenos bairros e comunidades com nomes como virtudes universais: paz, fraternidade. Visto de fora, o campo parece uma prisão, mas as portas de Harran estão sempre abertas para que as famílias possam sair e entrar para suas atividades ou ir aos comércios próximos.
Os refugiados sírios que vivem no centro tentam reproduzir o estilo de vida que levavam em sua pátria, embora cada família traga consigo uma triste história por trás, como a perda de parte de seus membros na luta ou a permanência de outros nos campos de batalha, a maioria contra o regime de Assad.
Helit mostrou à IPS as salas de aula e áreas comuns frequentadas por estudantes sírios de idades entre 13 e 16 anos. As paredes são decoradas com pinturas e desenhos dos estudantes que representam uma “expressão de seus sentimentos e de sua dor”, afirmou o professor. “Nunca vamos deixar de lutar por nossa independência, vamos resistir até o final”, assegurou.
Histórias com a de Helit se repetem por todos os centros de refugiados ao longo da fronteira turca com a Síria, embora nem todos contem com o “luxo” de se abrigar em contêineres.
Em muitos campos, como o de Nizip, perto de uma importante cidade industrial do leste da Turquia na província de Gaziantep, famílias de até oito pessoas se amontoam em barracas de campanha. Neste centro estão refugiados 10.700 sírios árabes, a grande maioria procedente das cidades sírias de Aleppo e Idlib, vítimas dos ataques das forças do governo e da Frente al Nusra, uma das filiais da rede extremista Al Qaeda.
Apesar das penúrias, Nizip se destaca como cenário de uma interessante iniciativa pela qual os residentes podem eleger seus representantes das comunidades e dos bairros. O voto livre e democrático é exercido há dois anos consecutivos.
“Esta foi a primeira vez que votei. Não entendo muito bem como funciona, mas na Síria sempre havia candidato único e não importava se votávamos ou não, porque o resultado já estava definido”, contou à IPS o refugiado Mustafa Kerkuz, de 57 anos, também procedente de Aleppo.
Segundo Demir Celal, assistente do diretor do campo de Nizip, os sírios vivem aqui a primeira experiência desse tipo. “Nosso objetivo é mostrar-lhes com que se parece uma eleição livre e plural”, afirmou.
O número de refugiados sírios na Turquia soma dois milhões, segundo Veysel Dalmaz, coordenador-chefe do Escritório do primeiro-ministro para os refugiados sírios. Ele disse que seu país já quase alcançou sua capacidade máxima de ajuda humanitária, embora insistindo que a Turquia tem “uma política de portas abertas pela qual ninguém procedente da Síria é rejeitado, e também não se discrimina o lado em que estão do conflito”.
Até o momento o governo turco destinou mais de US$ 5 bilhões à ajuda humanitária por intermédio da Autoridade de Gestão de Desastres e Emergências da Turquia. Seguindo Dalmaz, não houve na história mundial um caso de migração em massa de um país para outro em tão curto prazo como o fluxo ocorrido entre Síria e Turquia, e “não há nenhum outro país que tenha conseguido absorver tanta gente em tão pouco tempo”. Envolverde/IPS