Agência Fapesp – A diminuição das Áreas de Proteção Permanente (APPs) e de reserva legal no Brasil, proposta pelo projeto de reforma do Código Florestal, aprovado em 25 de maio na Câmara dos Deputados, pode resultar na eliminação de pequenos fragmentos de mata ciliar e de propriedades rurais que são cruciais para a sobrevivência de animais como os anfíbios.
Isso porque essas espécies utilizam as áreas remanescentes de floresta como áreas de refúgio durante a estação seca e como corredores para se deslocar e buscar alimentos. O alerta foi feito por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), ligados ao programa Biota-Fapesp, em carta publicada na edição de 27 de maio da revista Science.
Na carta, os pesquisadores chamam a atenção para o fato de que a existência de pequenos fragmentos da Floresta Estacional Semidecidual – a porção da Mata Atlântica que ocupa, no interior do país, áreas nos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná – é importante para a manutenção da diversidade de anfíbios, com base em resultados de uma pesquisa de doutorado realizada pelo biólogo Fernando Rodrigues da Silva no âmbito do Projeto Temático “Fauna e flora de fragmentos florestais remanescentes no Noroeste paulista: base para estudos de conservação da biodiversidade”, apoiado pela Fapesp.
Em sua pesquisa, intitulada “A influência de fragmentos florestais na dinâmica de populações de anuros no Noroeste do Estado de São Paulo”, realizada com Bolsa da Fapesp, Silva instalou poças artificiais em diferentes distâncias de seis fragmentos florestais da região Noroeste paulista, para analisar a influência da proximidade do fragmento florestal na diversidade de anfíbios presentes nas poças.
Com isso, o pesquisador constatou que os fragmentos de floresta com 70 a 100 hectares mantêm alta diversidade de anfíbios durante o período de reprodução das espécies, quando elas se agregam nos corpos d’água para reprodução.
“A diminuição das APPs e áreas de reserva legal, como pretende o projeto de reforma do Código Florestal, pode eliminar os fragmentos florestais e afetar a diversidade de espécies que ocorrem próximas a eles”, disse Silva à Agência Fapesp.
Segundo ele, não se imaginava que os fragmentos florestais fossem tão importantes para espécies consideradas de área aberta (que vivem fora da mata), como os anfíbios da região Noroeste do Estado. Porém, a pesquisa demonstrou que, mesmo que essas espécies se reproduzam em área aberta, em momentos específicos de seus ciclos de vida esses animais recorrem aos fragmentos florestais para se alimentar, procurar abrigo na estação seca e se deslocar.
Em função disso, a redução de áreas remanescentes de florestas pode promover o fenômeno da “separação do hábitat”, que é reconhecido como ameaçador especialmente para anuros (sapos, rãs e pererecas). O processo ocorre quando os ambientes que os animais usam para se alimentar e se reproduzir são desconectados, resultando em um ambiente mais hostil durante a migração e a dispersão.
“Se forem preservados os fragmentos florestais, também é possível preservar a diversidade de espécies de anfíbios no entorno deles”, afirmou Silva.
Essas áreas remanescentes de floresta atuam em vários serviços ecossistêmicos. Entre eles estão aumentar a quantidade de polinizadores para as lavouras, controlar as pragas e manter os regimes hidrológicos e a qualidade da água, que são críticos para a existência não só de anfíbios, como também para muitas outras espécies, em geral.
Sem fragmentos
Na carta, os pesquisadores destacam que, no interior do Estado de São Paulo, a expansão do cultivo de cana-de-açúcar para produzir etanol está levando à eliminação dos corpos d’água próximos aos fragmentos de floresta, colocando sob ameaça os anfíbios, que usam esses ambientes para se reproduzir.
“Ainda não fizemos um estudo para observar o impacto do cultivo da cana-de-açúcar na diversidade de anfíbios. Mas o que constatamos é que quando se eliminam as áreas de pasto para cultivar cana, também são extintos os corpos d’água, como os açudes, que os anfíbios utilizam para se reproduzir. E estamos percebendo que esses ambientes estão desaparecendo no Noroeste paulista”, disse.
O que ainda continua existindo na região, segundo Silva, são grandes represas onde há muitos peixes. Mas muitos anfíbios não utilizam esses ambientes para se reproduzir, porque os peixes comem os ovos e os girinos.
Os pesquisadores que assinam a carta enfatizam que, embora estejam tentando mostrar o valor dos pequenos fragmentos de floresta para a preservação de diversas espécies, isto não significa dizer que possa ser diminuído o tamanho das áreas maiores.
“Quanto maior o tamanho do fragmento de floresta, maior a diversidade de espécies. Mas, mesmo os pequenos fragmentos são fundamentais e não podem ser desmatados. E, diminuindo o tamanho das APPs e das reservas legais, como propõe o projeto de reforma do Código Florestal, esses fragmentos florestais vão desaparecer”, ressaltou Denise de Cerqueira Rossa Feres, professora do Departamento de Zoologia e Botânica da Unesp, campus de São José do Rio Preto, que orientou Silva em seu doutorado e também assina a carta publicada na Science com Silva e Vitor Hugo Mendonça do Prado, do Departamento de Zoologia da Unesp em Rio Claro.
A carta Value of Small Forest Fragments to Amphibians (DOI:10.1126/science.332.6033.1033-a), de Fernando Rodrigues da Silva e outros, pode ser lida por assinantes da Science aqui.
* Publicado originalmente no site Agência Fapesp.