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Regime sírio protegido pela terceira vez

Bashar Já’afari (esquerda), representante permanente da Síria na ONU, conversa com seu colega da Rússia, Vitaly I. Churkin, antes da votação. Foto: UN Photo/JC McIlwaine

 

Nações Unidas, 20/7/2012 – O governo da Síria se converteu ontem no primeiro na história da Organização das Nações Unidas (ONU) a ser protegido pela terceira vez com um duplo veto, da China e da Rússia, no Conselho de Segurança. José Luis Díaz, chefe do escritório da Anistia Internacional na ONU, disse à IPS que, na história recente, apenas os governos de Birmânia e Zimbábue haviam se beneficiado de vetos duplos, mas cada um apenas em uma ocasião. Como resultado destes três duplos vetos em um período de 17 meses, a ONU permanecerá politicamente paralisada diante da crise da Síria, ainda que a violência nesse país, que já tirou a vida de mais de cem mil civis, continue fora de controle.

“Creio que os repetidos duplos vetos da Rússia e da China com relação ao caso da Síria, além de alimentarem a ideia de que o Conselho de Segurança da ONU está perdendo sua utilidade, justificadamente chamará a atenção sobre a necessidade de se reduzir ou limitar esse poder quando se trata de crimes contra a humanidade, de guerra ou violações maciças dos direitos humanos”, alertou Díaz.

Moscou e Pequim vetaram três resoluções apoiadas pelo Ocidente que ameaçavam castigar o regime do presidente Bashar al Assad por sua dura repressão contra o levante opositor, iniciado há 16 meses. Ontem, a terceira resolução, desenhada pela Grã-Bretanha, obteve 11 de 15 votos, com abstenções de Paquistão e África do Sul. Contudo, não pôde ser adotada devido aos vetos de China e Rússia, membros permanentes desse órgão, como Estados Unidos, França e Grã-Bretanha.

A fracassada resolução também apoiava o plano de paz de cinco pontos do enviado especial das Nações Unidas à Síria, Kofi Annan. Se o governo sírio não deixasse de usar suas armas pesadas contra civis, a resolução deixava aberta a possibilidade de adoção de sanções diplomáticas, econômicas e militares de acordo com o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas. Consultada sobre o acontecerá daqui em diante, a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Susan Rice, disse aos jornalistas que “lamentavelmente, a mensagem dos dois membros permanentes (China e Rússia) é que estão dispostos a apoiar Assad até o final”.

Em uma declaração divulgada ontem, o presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado norte-americano, John Kerry, disse que os vetos são perigosos. “Quando Roma queima, estão preocupados em salvar Nero”, afirmou, acrescentando que Assad e seus partidários deveriam receber uma mensagem inequívoca da comunidade internacional de que não poderiam continuar procedendo da mesma forma.

Phyllis Bennis, diretora do Projeto para um Novo Internacionalismo, do Instituto para Estudos Políticos, com sede em Washington, declarou à IPS que todas as potências estão concentradas em seus próprios interesses, e não na população da Síria. Ela ressaltou que o veto de Moscou se baseia, em parte, na necessidade de preservar a longa aliança comercial e militar com o regime de Assad, porém, mais urgentemente, na importância de manter sua presença militar no Mar Mediterrâneo. A Rússia tem uma base naval na localidade costeira de Tartus, no sul da Síria. Por outro lado, o veto da China faz parte de sua histórica resistência a que o Conselho de Segurança aprove qualquer intervenção que possa estabelecer um precedente.

Para os Estados Unidos e seus aliados europeus, a maior preocupação é manter o controle ou, ao menos, uma significativa influência em qualquer governo que suceder o de Assad. Israel não está entre as vozes que exigem mudança no regime da Síria, pela simples razão de este país ser um vizinho bastante confiável. Mantém em relativa calma as colinas de Golã, ocupadas por forças israelenses, bem como a fronteira entre os dois países. A Síria também colaborou com o plano norte-americano de “entregas extraordinárias”, pelo qual Washington detém suspeitos de terrorismo e os envia para prisões secretas em terceiros países, onde, em geral, são torturados. Damasco também colaborou com a coalizão ocidental na primeira guerra do Golfo, de 1991, recordou Bennis.

Tudo isso demonstra que o Conselho de Segurança só pode ser útil quando os interesses dos membros permanentes estão alinhados, observou Díaz. “Quando isso não ocorre, como neste caso, usam seu veto”, afirmou. Também destacou que o Conselho é um órgão anacrônico, mas que não será reformado no curto prazo. De todo modo, seus membros permanentes deveriam ser extremamente moderados na hora de exercer seu direito de veto, sobretudo quando o fazem em nome de toda a comunidade internacional, destacou o representante da Anistia.

“Ao se perceber que estão agindo com base em seus interesses estreitos e nacionais, então o Conselho de Segurança justificadamente é visto como irrelevante, ou pior”, acrescentou Díaz. Além disso, alertou, há riscos de que os Estados acabem por ignorar esse órgão e passem a agir fora do contexto legal internacional. Enquanto isso, o mandato da Missão de Supervisão das Nações Unidas na Síria (UNSMIS), sob comando do general Robert Mood, expira hoje. Bennis enfatizou à IPS que prorrogar o mandato da equipe de observadores é vital, sobretudo diante do agravamento da violência na Síria. Envolverde/IPS