Relação entre seca na África e mudanças climáticas é incerta

Especialistas divergem sobre origem da maior seca do nordeste africano em 60 anos.

[media-credit name=”Colin Crowley/Save the Children” align=”alignright” width=”290″][/media-credit]“Tudo que tenho ouvido é que costumávamos ter secas a cada dez anos, depois se tornou a cada cinco anos e agora é a cada dois anos.” A frase de Valerie Amos, coordenadora de emergência da Organização das Nações Unidas (ONU), demonstra a gravidade da situação no nordeste africano. Enfrentando a maior seca dos últimos 60 anos, os países da área sofrem com a falta de alimentos e com os conflitos territoriais, sem que haja ainda uma explicação sobre a origem do evento.

Embora se saiba que o fenômeno que assola o Chifre da África está sendo causado pelo clima, ainda se desconhece exatamente se o que originou a seca foi simplesmente o fenômeno cíclico La Niña, que resfria as águas do Oceano Pacífico, causando um efeito-dominó que afasta a umidade do leste da África, ou se as mudanças climáticas também têm agido, tornando esse evento mais intenso e frequente.

Philip Thornton e Jan de Leeuw, cientistas do Instituto Internacional de Pesquisa em Pecuária (Ilri), defendem a primeira alternativa. “Algumas pessoas acham que o leste da África está secando, e tem secado nos últimos anos. Atualmente, não há evidência forte ou geral disso, e ainda é muito difícil ver quais tendências estatísticas de chuva na região são as certas, mas isso, é claro, se tornará aparente com o tempo”, declarou Thornton.

Leeuw enfatizou que “os eventos La Niña foram comuns de 1950 a 1976. Desde então tivemos duas décadas com menos eventos e de menor intensidade. Isso mudou desde então, e nos últimos 15 anos tivemos eventos La Niña mais frequentes. Estamos agora em um período de eventos La Niña mais frequentes, mas tal situação também ocorreu de 1950 a 1976”.

Já outros especialistas defendem a hipótese de que as mudanças climáticas estão realmente intensificando a seca na região. “A crise parece uma calamidade natural, mas é em parte fabricada”, afirmou Olivier de Schutter, relator especial da ONU para o Direito à Alimentação.

“A escala dos desastres naturais aumentará exponencialmente. Os sinais das mudanças climáticas não estão apenas acontecendo, estão se acelerando”, ressaltou Achim Steiner, diretor do Programa para o Meio Ambiente da ONU (Pnuma).

Já Valerie Amos acredita que “temos que levar o impacto das mudanças climáticas mais a sério. À medida que as secas estão se tornando muito mais frequentes, temos que ser muito mais inovadores e criativos para pensar em quais podem ser alguns dos efeitos de longo prazo”.

Ainda que não haja um consenso sobre a causa do fenômeno, o que não se pode negar é que a atual seca está prejudicando profundamente a população do território, em especial a da Etiópia, do Quênia e da Somália, países que ficam na região do Chifre da África. O Programa Alimentar Mundial (PMA), que vem fornecendo mantimentos para mais de 4,3 milhões de pessoas, teve que reduzir a ração, pois os fundos de ajuda estão ficando escassos.

“Não há dúvidas de que o aumento de condições mais quentes e secas na África Subsaariana tem reduzido a resistência dessas comunidades. A mudança no clima tem contribuído absolutamente para esse problema, sem dúvida”, disse Rajiv Shah, administrador da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).

Para Rod Charters, coordenador regional de Emergência da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) para a África Oriental e Central, o desafio agora é “preparar os agricultores e pastores para que possam adaptar-se à nova realidade de mudanças climáticas extremas”.

A seca já prejudicou mais de 11 milhões de pessoas na área, que, por falta de alimentos e água, têm migrado em grandes grupos para os países vizinhos, acirrando os conflitos étnicos da região. Para se ter uma ideia, entre 1,2 mil e 1,5 mil refugiados têm entrado diariamente no Quênia e, nas últimas duas semanas, mais de 20 mil somalianos já transpassaram a fronteira para migrarem para o país. Os campos de refugiados construídos para a guerra civil da Somália na década de 1990, que têm capacidade para 90 mil pessoas, já comportam mais de 360 mil.

“Não devemos cometer erros. Os fatos são claros: as mudanças climáticas são reais, estão se acelerando de uma forma perigosa, e não apenas agravam as ameaças à paz e à segurança nacionais, como também são uma ameaça para a paz e a segurança internacionais”, ressaltou Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU.

Ban Ki-moon acredita que agora a comunidade e os líderes internacionais devem agir rapidamente para lidar com o problema. “Precisamos de uma operacionalização acelerada de todos os acordos feitos em Cancún, incluindo a proteção de florestas, adaptação e tecnologia. As finanças climáticas, a sine qua non (condição necessária) para o progresso, devem deixar de ser uma discussão conceitual para se tornarem um resultado concreto”.

* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.