As mulheres trabalham mais horas do que os homens, considerando o tempo trabalhado fora e dentro de casa. Dados do relatório Perfil do Trabalho Decente no Brasil: um Olhar sobre as Unidades da Federação, divulgado nesta quinta-feira (19) pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostram que, no total, os homens têm jornada de 52,9 horas semanais. As mulheres, de 58 horas, 5,1 horas a mais do que o sexo oposto – o que equivale a 20 horas adicionais por mês, cerca de dez dias a mais por ano.
O relatório da OIT analisou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aponta que 90,7% das mulheres que estão no mercado de trabalho também realizam atividades domésticas – percentual que cai para 49,7% entre os homens. No trabalho, elas gastam, em média, 36 horas por semana; eles, 43,4 horas. Em casa, por outro lado, elas gastam 22 horas semanais. Os homens, 9,5 horas.
“Se eu tivesse esse tempo a mais, usaria para fazer as coisas que sempre tenho que fazer correndo: tomar café, fazer a unha, ir ao banco. Faço tudo sempre com pressa, contando os segundos”, disse a funcionária púbica Gabriela Gonçalves, 26 anos, que concilia a jornada entre o mercado de trabalho e a casa.
Segundo ela, a dupla jornada leva à ansiedade e ao temor de não conseguir administrar bem o tempo.
“Na minha opinião, esse é um dado numérico que reflete a consequência da forma como somos criadas, de toda uma cultura. Eu me cobro a casa arrumada todos os dias, a roupa sempre em dia, a geladeira não faltando nada, as flores cuidadas e os lençóis sempre trocados. É um peso do qual sou ‘voluntária’”, falou Gabriela.
Para o especialista em mercado de trabalho Jorge Pinho, os números ainda estão aquém da realidade. “Acho modesto esse cálculo [da OIT]. Na nossa cultura, a mulher é de fato mais onerada do que o homem. Embora isso tenha mudado nos últimos anos, ainda cabe à mulher os encargos domésticos e os de mãe. Essa é a parte desvantajosa da igualdade buscada. As mulheres cada vez mais querem avançar na vida profissional e ascender no mercado. Isso tem um ônus, não só um bônus. Existem funções femininas que são insubstituíveis, uma delas é a maternidade”, explicou o professor da Universidade de Brasília (UnB).
De acordo com o estudo da OIT, as atividades domésticas que os homens exercem nunca são executadas exclusivamente em casa e, em geral, exigem contatos com outras pessoas e deslocamentos, como fazer compras de supermercado, manutenções esporádicas ou levar os filhos à escola.
“Evidencia-se, portanto, que a massiva incorporação das mulheres ao mercado de trabalho não vem sendo acompanhada de um satisfatório processo de redefinição das relações de gênero com relação à divisão sexual do trabalho, tanto no âmbito da vida privada, quanto no processo de formulação de políticas públicas (…). A incorporação das mulheres ao mercado de trabalho vem ocorrendo de forma expressiva sem que tenha ocorrido uma nova pactuação em relação à responsabilidade pelo trabalho de reprodução social, que continua sendo assumida, exclusiva ou principalmente, pelas mulheres”, informa o relatório.
“Eu acho injusto, mas tive um pai que sempre ajudou muito minha mãe e tenho visto isso também nas pessoas mais jovens. Acho que a mudança já começou”, destacou a funcionária pública.
“É importante que haja políticas que facilitem a vida profissional, pessoal e familiar da mulher. Isso tem a ver com políticas públicas e empresariais que deem ênfase à noção de corresponsabilidade, com jornadas flexíveis, creches e acesso a meios de transporte”, explicou a diretora da OIT no Brasil, Laís Abramo.
* Com informaões da Agência Brasil.
** Publicado originalmente no site Agência Rio.