Burocracia e incompetência fazem acesso a medicamento que deveria ser entregue de graça se transformar em enredo de novela de quinta categoria.
Normalmente eu não uso os espaços onde escrevo para relatar experiências pessoais desagradáveis, mas essa passou de todos os limites. Então vamos à história insólita. Sou diabético e tomo diariamente 2,5 comprimidos de um medicamento que o Ministério da Saúde oferece sem custo para todos os diabéticos. No dia 11 de maio, fui à Farmácia Popular da Rua Cunha Gago, no bairro paulistano de Pinheiros, e entreguei a receita onde meu médico indicava que eu deveria tomar Glocoformin ou, com seu nome de princípio ativo, cloridato de metformina. Meio comprimido pela manhã, um comprimido na hora do almoço e um comprimido no jantar. Até aí tudo bem. Mas veio a primeira surpresa: “desculpe, mas o senhor tem de voltar no médico e pedir para ele mudar a receita, meio comprimido não pode”. Bom, eu confio em meu médico, e se ele disse que era meio comprimido pela manhã, porque discutir?
Bom, começou uma conversa sem pé nem cabeça, onde queriam que eu fosse buscar o remédio em outra farmácia. Perguntei se eles tinham o remédio, disseram que sim. Aí engrossei: “tenho a receita, vocês têm o remédio, o Ministério da Saúde diz que eu tenho o direito, então vou chamar a polícia e vamos todos para a delegacia e o delegado vai decidir se eu posso ter um receita de meio comprimido ou não”. Foi uma correria e então veio uma outra funcionária que disse que “abririam uma exceção”. Como só dão o remédio para um mês, e eu tomo para toda a vida, avisei: “mês que vem eu volto”. Voltei, no dia 9 de junho, pedi o medicamento para os mesmos atendentes, qual não foi minha surpresa quando disseram que não poderiam me dar. “O senhor comprou no dia 11 de maio, só podemos dar o remédio 30 dias depois”. Argumentei que entendia isso, mas que eu só tinha remédio para mais dois dias e que ia viajar. Não adiantou, me mandaram embora sem o remédio. Teria de voltar dois dias depois. “Se quiser, reclama para a doutora Dilma”, ainda tive de ouvir.
Dois dias depois fui a uma farmácia em Curitiba, onde tinha ido para o aniversário de minha neta. Apresentei a receita e recebi como resposta: “Não pode levar pela Farmácia Popular porque a receita não foi escrita pelo princípio ativo, cloridato de metformina, mas sim pelo nome comercial Glucoformin. Não adiantou argumentar que é a mesma coisa, que é remédio para diabetes, nada. Saí da farmácia sem o remédio. Passei em outra farmácia em São Paulo, no dia 13 na hora do almoço, estava ficando feliz, ninguém tinha dito que eu não poderia ter o remédio, mas aí veio o golpe fatal: “está em falta”.
No final da tarde, fui a uma Drogasil na Rua Harmonia, na Vila Madalena, apresentei minha receita, que a esta altura estava começando a ficar ensebada. A mocinha olhou, pegou o telefone, consultou alguém e me disse que não podia, porque o médico tinha de receitar o tal cloridato de metformina. De nada adiantou meu argumento de que era a mesma coisa e que eu já tinha retirado antes na Farmácia Popular. Como não posso ficar sem o remédio, comprei uma caixa e amanhã volto na primeira farmácia para brigar pelo meu meio comprimido.
Se fazem isso com um cara supostamente bem informado e capaz de defender seus direitos, o que será que essas pessoas mal preparadas podem estar fazendo com pessoas mais carentes e humildes? Entre os absurdos que tenho visto por aí, este está para ganhar uma medalha de honra. (Envolverde)
* Dal Marcondes é jornalista, editor da revista Carta Verde e diretor de redação do Portal Envolverde.
** Publicado originalmente na coluna do autor, no site da revista Carta Capital.