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Os remédios são falsos, as doenças reais

Na província de Malaita, nas Ilhas Salomão, são encontrados cada vez mais remédios falsificados. Foto: Catherine Wilson/IPS
Na província de Malaita, nas Ilhas Salomão, são encontrados cada vez mais remédios falsificados. Foto: Catherine Wilson/IPS

 

Sydney, Austrália, 2/10/2013 – Notícias sobre medicamentos falsificados nas Ilhas Salomão e em Papua Nova Guiné, no sudoeste do Oceano Pacífico, deixaram à mostra a necessidade de maior conscientização sobre este comércio ilegal e suas trágicas consequências. Doreen*, nas Ilhas Salomão, arquipélago com mais de 900 ilhas e 550 mil habitantes a noroeste de Fiji, nunca encontrara produtos farmacêuticos falsos até cinco meses atrás, quando comprou uma caixa de pílulas de doxiciclina contra a malária em uma farmácia local.

Nas Ilhas Salomão, há 77 casos de malária para cada mil habitantes, e cerca de 40 mil infecções por ano. Na vizinha Papua Nova Guiné, a taxa é de 179 por mil. Na farmácia disseram a Doreen que as pílulas verdes que ela costumava tomar estavam esgotadas, por isso aceitou umas estranhas pastilhas cor de mostarda. Cinco dias depois, sentiu que algo não ia bem. Seu rim começou a falhar e sofreu uma aguda prisão de ventre, sintomas que nunca experimentara antes.

“Estava aterrorizada. Não sabia o que estava acontecendo nem a causa. A dor na região lombar era insuportável”, contou à IPS. Após duas semanas se deu conta de que havia alguma ligação com o remédio que havia tomado, e decidiu levar os comprimidos restantes a outra farmácia. Ali lhe disseram que eram falsos. Apesar de tudo, Doreen teve sorte de não ter sofrido um dano permanente em seus órgãos, ou alguma outra sequela pior.

Se desconhece exatamente o quanto estão propagados os remédios falsos nas ilhas da Melanésia, mas o Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Delito (UNODC) informou que 47% dos medicamentos contra malária testados na região do sudeste da Ásia resultaram ser falsos. “Nosso escritório para assuntos regulatórios não recebeu nem coletou nenhuma informação de remédio contra a malária falsificado que tenha entrado no país”, declarou John Tema, chefe farmacêutico do Ministério de Saúde e Serviços Médicos em Honiara, capital das Ilhas Salomão.

“Porém, há uns dois meses recebemos um alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicando que no mercado havia versões falsas de Coartem”, usado contra a malária, disse Tema à IPS. “Não temos instalações adequadas nem equipes bem formadas para atender os casos”, acrescentou.

Um estudo feito em 2011 pela universidade local em conjunto com a Universidade Goethe, da Alemanha, concluiu que as 14 amostras do antibiótico amoxicilina e amodiaquine, contra a malária, recolhidas em uma farmácia de Port Moresby, eram defeituosas. Entre os ingredientes desses remédios falsos pode haver elementos tão estranhos como pintura para asfalto, giz ou betume.

Nenhum país está completamente imune ao comércio mundial de medicamentos falsificados, que chega a US$ 75 bilhões por ano, segundo ativistas pela saúde pública. As pessoas mais vulneráveis são as de baixa renda, que vivem em lugares onde as regulações farmacêuticas são fracas, ou os moradores de áreas rurais subdesenvolvidas, onde há escassez de remédios.

“De fato, os medicamentos falsificados já são um problema”, disse à IPS uma representante do Conselho de Mulheres na província rural de Malaita, nas Ilhas Salomão. “Os remédios falsos para malária e pian (doença da pele e dos ossos) são muito comuns. É uma preocupação especial para as grávidas”. Malaita é a província mais populosa em uma nação onde há 0,21 médicos e 0,11 farmacêuticos para cada mil habitantes, e onde a maioria das pessoas tem um nível de subsistência mínimo em aldeias com serviços de transporte irregulares.

Não há fabricantes de remédios na Melanésia, e o acesso aos importados, inclusive gratuitos, é dificultado por terrenos acidentados, pobres canais de fornecimento, falta de trabalhadores da saúde e de financiamento. Tema reconheceu que o país passou por dificuldades para obter medicamentos contra a malária, como o Coartem, nos últimos dois anos.

A Ásia Pacífico é um grande produtor dos insumos mundiais para os remédios contra malária, bem como fonte de 90% de seus princípios ativos. A UNODC informou que a China foi o lugar de origem de 60% dos produtos médicos fraudulentos apreendidos em nível mundial entre 2008 e 2010. O custo humano deste tráfico inclui o fracasso do tratamento, a morte dos pacientes e uma crescente resistência a doenças graves.

Embora a região Ásia Pacífico tenha reduzido os casos e as mortes por malária em cerca de 25% na última década, também tem as maiores taxas de resistência a medicamentos contra a doença, o que foi exacerbado pela grande circulação de remédios falsos. A malária é um grave problema de saúde pública em todas as ilhas do Pacífico ocidental. As grávidas e as crianças estão especialmente em risco.

Tema admitiu que a divisão farmacêutica do Ministério da Saúde das Ilhas Salomão “não controla toda a entrada de remédios no país, e menos ainda no setor privado”. Também afirmou que não há registro de medicamentos, afirmando que as autoridades farmacêuticas, policiais e aduaneiras da região estão fortalecendo laços, mas destacando a necessidade de uma legislação que atualize e melhore a qualidade do controle.

A dificuldade para identificar a procedência dos remédios falsos se agrava pelo uso da internet para vendê-los e pelas zonas de livre comércio, onde os produtos podem ser reempacotados e etiquetados, disfarçando seu lugar de origem.

O Grupo de Trabalho Internacional Contra a Falsificação de Produtos Médicos (Impact), uma iniciativa da OMS, recomenda que as nações melhorem o acesso e a disponibilidade de medicamentos de qualidade. Também exorta os países a fortalecerem a legislação para reconhecer como crime a fraude farmacêutica, melhorar a capacidade das agências reguladoras para supervisionar a importação, distribuição e venda no varejo, bem com conscientizar o público sobre o problema. Envolverde/IPS