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Remessas resgatam zonas conflitivas do Paquistão

Civis das Áreas Tribais Administradas Federalmente emigram em busca de emprego. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

 

Peshawar, Paquistão, 20/12/2012 – Sherdil Shah, de 59 anos, mora no Waziristão do Sul, celeiro de combatentes islâmicos nas Áreas Tribais Administradas Federalmente (Fata), do Paquistão, teve uma pequena loja de grãos com a qual mantinha sua família, de dez pessoas. Pelo menos foi assim até 2006, quando uma operação do exército paquistanês contra o movimento islâmico Talibã destruiu seu negócio e devastou a terra onde cultivava os grãos.

Depois, “não pudemos mais usá-la”, disse Shah à IPS. Ele precisou vender sua propriedade, por um preço irrisório, e, em um ato de desespero, enviou seus filhos para trabalhar no exterior, uma decisão que acabou mudando definitivamente sua vida. Seus dois filhos, residentes em Dubai, um dos Emirados Árabes Unidos, lhe enviam mensalmente US$ 1,5 mil, permitindo à família viver com comodidade. Cinco anos depois que os jovens emigraram para o Golfo, “comprei uma casa no distrito vizinho de Dera Ismail Khan e comecei um novo negócio”, contou por telefone.

A história de Shah não é nada incomum no Paquistão. Cerca de 5,5 milhões de moradores das Fata viveram experiências semelhantes pelo conflito iniciado em 2001, quando forças lideradas pelos Estados Unidos derrubaram o governo do Talibã em Cabul e os fugitivos se refugiaram ao longo dos porosos 2.400 quilômetros de fronteira deste país com o Afeganistão.

As Fata ficaram cheias de células do Talibã. Como o Paquistão se converteu no cenário de luta da “guerra contra o terrorismo”, lançada por Washington, as forças armadas deste país iniciaram, em 2005, uma ofensiva em grande escala nas áreas tribais para desterrar os talibãs. A ofensiva do exército e a resistência do Talibã tornaram impossível a vida cotidiana para a população civil. Agora, pela primeira vez em anos, pessoas como Shah finalmente veem melhora em suas vidas, graças às remessas de dinheiro dos jovens que partiram em busca de emprego no estrangeiro.

Usman Wali é originário da Agência Orakzai, um dos sete distritos das Fata, golpeada pela interminável violência. A vida era dura, a maioria das famílias ficou reclusa dentro de suas casas devido à atividade do Talibã e ao toque de recolher determinado pelo exército. “Perdemos tudo o que tínhamos”, contou Wali à IPS. Inclusive conseguir suprimentos básicos era uma luta devido à falta de dinheiro e mobilidade. “Um dia decidimos abandonar nossa aldeia ancestral e nos refugiarmos em um acampamento do governo no distrito de Hangu, na vizinha província de Khyber Pakhtunkhwa (KP)”, contou.

Mas a vida nesse lugar era o inferno na terra, e logo a família de 13 pessoas soube que não tinha alternativa a não ser partir. “Uma empresa local levou meus dois filhos e um irmão para a Arábia Saudita, e mudamos de vida”, acrescentou. Graças às remessas, Wali se mudou para o distrito vizinho de Hangu e abriu um próspero comércio de roupas. “Agora temos uma bela casa e um negócio sólido”, acrescentou.

O diarista Ghaffar Khan, da atribulada Agência Mohmand, disse que a radicalização das Fata e a escalada de violência, ironicamente, lhe trouxeram benefícios. “Em 2005, ganhava US$ 5 por dia, agora ganho US$ 120”, contou Khan, que veio de Sharjah, outro dos Emirados Árabes Unidos, de visita. Sua casa está intacta, apesar de sua família, agora de sete pessoas, viver no distrito vizinho de Charssada, na província de KP, devido à deterioração da segurança em sua aldeia natal. Khan vem de férias um mês por ano.

Abu Zar, funcionário da secretaria das Fata, explicou à IPS que a militarização da região deixou na miséria muitos de seus residentes e gerou uma onda de emigração para os países do Golfo, como Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita e Omã, o que permite às pessoas se recuperarem. “Há mais de 400 mil pessoas das Fata vivendo e trabalhando no exterior”, muito mais do que os cem mil que havia antes de 2005, acrescentou. “Os jovens vão para o exterior em massa devido à prolongada insurgência” e para fugir da drástica deterioração do comércio e das oportunidades de renda nas Fata, ressaltou.

Akhunzada Mohammad Chittan, legislador da Agência Bajaur, disse que os imigrantes das Fata têm fama de serem “muito trabalhadores”, destacando que “uma vez no exterior, ganham muito porque são honestos e aplicados em seu trabalho”. Cerca de 95% das pessoas originarias das áreas tribais que estão no estrangeiro careciam de capacitação, mas agora trabalham bem em seus novos empregos, pontuou Chittan. “Conheço pelo menos 500 pessoas que se formaram em diversas atividades, como condução de veículos, confecção e carpintaria, antes de emigrar, o que mostra sua dedicação” para começar de novo, acrescentou.

Adnan Ali, gerente de uma agência de recursos humanos no estrangeiro, com sede em Peshawar, capital de KP, disse que a demanda por trabalhadores das Fata no Golfo cresce de forma exponencial. “No mês passado, mandamos cem homens jovens de diferentes partes das Fata para Dubai. Todos estavam muito contentes”, afirmou à IPS. Segundo Najamuddin Khan, gerente de emprego no exterior, “colocamos anúncios nos jornais sobre vagas no estrangeiro. A maioria dos que respondem são jovens das Fata que estão desesperados por encontrar trabalho”, observou à IPS, em Peshawar. Envolverde/IPS