No dia 27 de junho, São Paulo assistiu a um evento de grande importância para a História do Brasil, proporcionado pelo projeto “Resistir é Preciso…”, promovido pelo Instituto Vladimir Herzog com o patrocínio da Petrobras.

O lançamento desse trabalho foi feito no Memorial da Resistência (antigo Dops), resgatando para a nossa memória a trajetória de uma imprensa nacional que, com a intenção explícita de resistir à ditadura e combatê-la, nasceu, cresceu e se expandiu no exílio, na clandestinidade e até nas bancas de jornais.

Essas três formas da imprensa resistir ao totalitarismo e à ditadura fazem parte fundamental de um cenário mais amplo da historiografia brasileira: a circulação de jornais para difundir ideias, sem a concordância do poder do momento. Vale lembrar, aliás, que o Correio Braziliense, marco do nascimento da imprensa brasileira, em 1808, era editado no exílio de Londres e distribuído clandestinamente para escapar à censura da corte portuguesa, que se mudara para a colônia brasileira.

A profunda pesquisa em que se baseia o projeto “Resistir é Preciso…” parte de uma coleção de mais de 250 títulos de publicações produzidas nas mais adversas condições, recolhidas pelo historiador José Luiz del Roio e catalogadas pelo Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O projeto foi implementado sob a coordenação geral de Clarice Herzog, tendo os jornalistas Ricardo Carvalho, como coordenador de conteúdo, e Vladimir Sacchetta, como coordenador de pesquisa. Com uma vida inteira dedicada à arte e à cultura, Fábio Magalhães é o curador de exposições do projeto.

O resultado desse trabalho é constituído da pesquisa, digitalização, contextualização e álbuns de fac-simile, dez documentários de 26 minutos, 60 depoimentos em vídeo dos protagonistas dessa história em uma coleção de 12 DVDs, programetes de três minutos de duração, uma publicação bilíngue amplamente ilustrada, portal de internet e exposições no Centro Cultural Banco do Brasil.

A revista Pif Paf, fundada por Millôr Fernandes em maio de 1964, um mês após o golpe militar, foi a primeira publicação da imprensa chamada alternativa, que marcou o período de 1964 até a anistia, promulgada em 1979. Tinha como colaboradores alguns dos melhores jornalistas, escritores e cartunistas da época, como Rubem Braga, Antonio Maria, Sergio Porto, Ziraldo, Claudius, Fortuna e outros. A Pif Paf, porém, só durou oito edições, porque a censura do governo a tirou de circulação. Em seu último número, um texto que transpira a ironia de Millôr advertia: “Se o governo continuar deixando que circule esta revista, com toda sua irreverência e crítica, dentro em breve estaremos caindo numa democracia”.

Ao longo dos 15 anos que durou esse período triste da nossa História, outros títulos se tornaram amplamente conhecidos, como Opinião, Movimento, Ex e O Pasquim, o mais famoso de todos. Essas eram publicações alternativas, ou seja, legalmente constituídas, com autores e locais de impressão oficialmente sabidos. Menos conhecidos são órgãos produzidos na clandestinidade e no exílio, como a Revolução, ligada a setores católicos radicais, ou a Frente Brasileira de Informações, que circulou na Argentina e Chile.

Publicações como essas surgiram no Brasil e no exterior como forma dos que se opunham ao regime totalitário manifestarem suas ideias e opiniões – e, naturalmente, quem as escrevia, publicava e distribuía, era alvo prioritário da repressão.

Ao promover a realização do projeto “Resistir é preciso…”, o Instituto Vladimir Herzog cumpre sua principal missão, que é ajudar a preservar a História do Brasil, com foco especial a partir do golpe de 1964, tendo como centro de referência a própria história do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pela ditadura.

Fundado em 25 de junho de 2009, com o objetivo de contribuir para a reflexão e produção de informação que garanta o direito à vida e à justiça, o Instituto, sem fins lucrativos e com neutralidade político-partidária, tem também por meta promover, orientar e premiar trabalhos de comunicação sobre temas pertinentes às questões que afetam tais direitos.

* Nemércio Nogueira é consultor de empresas e diretor executivo do Instituto Vladimir Herzog.