Restará ao Ibama a fiscalização de galinheiros?

O Ibama, que em sua história já teve orgulho de ocupar as primeiras posições no ranking das instituições mais admiradas e confiáveis do país, hoje não passa de um arremedo desprezível do que um dia já foi.  Com a credibilidade carcomida pela corrupção e pela incompetência na gestão, o Ibama está se tornando apenas mais um instrumento de manipulação política e de maracutaias ambientais.

Se você leitor, acha que estou exagerando em minhas considerações sobre o Ibama, talvez não tenha tido oportunidade de ler o documento do Tribunal de Contas da União (TCU), aprovado pelo plenário do órgão em 16 de março último.  O parecer final do Relator do TCU, ministro André Luís de Carvalho, é contundente e arrasador.  Em 2009, outro Relatório do TCU, com parecer do ministro Aroldo Cedraz, já comprovava inúmeras irregularidades no Ibama, apontando inclusive, a “pressão política” sobre os funcionários para emitirem pareceres favoráveis ao Governo Federal.  Também ilustra o atual quadro de degradação moral do Ibama os diversos casos de corrupção envolvendo funcionários do órgão, como os recém-ocorridos em Santa Catarina, Roraima e Mato Grosso do Sul.

Por falar em funcionários do Ibama, cabe ressaltar que, em sua grande maioria, o quadro de pessoal da instituição é composto por gente séria, honesta e competente.  Aliás, mais que isso, são super-heróis por trabalharem em péssimas condições, com salários aviltantes e recursos operacionais precários.  Isso sem contar com as constantes ameaças políticas – como apontou o relatório do TCU – e com a incompetência administrativa que leva o órgão a cometer constantes erros estratégicos.  Para que o leitor tenha uma pequena dimensão da desmotivação funcional que se abate sobre o Ibama, cabe lembrar que o órgão, quando foi criado pelo ex-presidente da República, José Sarney, em 1989, ocupava a 18ª posição no ranking dos melhores salários do serviço público federal.  Hoje ocupa a 82ª colocação.

O atual presidente do Ibama, Curt Trennepohl, que foi nomeado pela ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira, exerce o papel de cereja no bolo da vergonha.  Recentemente, ele disse numa entrevista para uma equipe do programa 60 Minutos, da TV australiana, que o seu papel “não é o de cuidar do meio ambiente e sim de minimizar os impactos ambientais”.  Para conferir, assista:

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A construção da Usina de Belo Monte está ai para comprovar o que este senhor quis dizer com sua frase digna de figurar em portas de banheiros públicos.

Ex-presidentes do órgão, como Abelardo Bayma de Azevedo e Roberto Messias Franco, se recusaram a jogar a dignidade pessoal no lixo e entregaram seus cargos.  Roberto Messias Franco, por exemplo, nunca foi muito querido pelo ex-ministro do colete, digo, do Meio Ambiente, Carlos Minc, exatamente por não se sujeitar a lamber as botas palacianas.

A desestruturação do IBAMA, apesar de contar com o esforço e a dedicação da ministra Izabella Teixeira, tem como marca histórica a gestão da ex-ministra Marina Silva.  Marina, num momento de inspiração “Edward Mãos-de-tesoura”, picotou a instituição.  Ela desmobilizou e enfraqueceu o órgão quando, para homenagear o ex-sindicalista e ex-candidato derrotado a deputado federal pelo PT do Acre, Chico Mendes, decidiu criar o Instituto que leva o seu nome.  O IBAMA perdeu força, pessoal e recursos.  Depois veio o Serviço Florestal Brasileiro.  Veio e até hoje ninguém sabe pra onde foi.

Mas é importante ressaltar que a ministra Izabella Teixeira não está parada e quer superar Marina Silva.  Ela agora decidiu fechar vários escritórios do IBAMA.  Principalmente numa região onde ela deve achar que ele não é tão importante, como a Amazônia.  Lá encerram as atividades os escritórios de Itacoatiara, Tefé, Tabatinga e Carauari.  Também estão na mira os escritórios de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro e São Miguel do Araguaia, em Goiás.  No Rio Grande do Sul, para a alegria dos contraventores ambientais, encerrará as atividades o escritório regional do IBAMA em Santa Maria.  Só esse último tem sob sua jurisdição 104 municípios gaúchos.

A indecente atuação do IBAMA, além dos enormes prejuízos que causa a biodiversidade brasileira, macula a imagem do nosso país no exterior.  O Brasil nunca conseguirá o respeito da comunidade internacional enquanto insistir no atual modelo de controle e fiscalização ambiental.  Em junho do ano que vem, sediaremos a Rio+20, um evento ambiental internacional importante.  Mais uma vez, ficaremos a reboque dos países que entenderam o real significado da conservação dos recursos naturais para as suas economias.

É preciso uma urgente remodelação do atual Sistema Nacional do Meio Ambiente.  Um bom começo seria dar ao órgão público responsável pela execução das nossas políticas ambientais, o IBAMA, a chance de recuperar a sua credibilidade e a sua capacidade operativa.  Infelizmente essa oportunidade ainda é um sonho distante, uma vez que no Planalto Central do Brasil as questões ambientais continuam sendo relegadas ao desprezo e aos interesses escusos.

Para finalizar, respondo a pergunta-título desse artigo: não, nem para fiscalizar galinheiros o IBAMA se presta mais.  Enquanto as raposas continuarem no comando, é melhor deixarmos as galinhas a salvo das iniquidades do órgão.

* Dener Giovanini é um ambientalista brasileiro , reconhecido como Empreendedor Social Notável pelas três maiores organizações de empreendedorismo do mundo: ASHOKA, AVINAH e SCHWAB Foundation. Em 2003 recebeu o prêmio Sasakawa do Secretário Geral da ONU, Kofi Annan, uma distinção mundial na área ambiental, prêmio que só outro brasileiro havia recebido anteriormente: Chico Mendes. É autor de diversos livros e artigos sobre ecologia e terceiro setor. Giovanini e a organização fundada por ele, a RENCTAS, tornaram-se um estudo de caso da Universidade de Harvard devido às estratégias inovadoras implementadas para alcançar excelentes resultados em um curto período. Atualmente, Giovanini apresenta o quadro O Brasil É O Bicho! no programa Fantástico da Rede Globo.

** Autorizada a publicação e divulgação desde que citada a fonte.

*** Publicado originalmente pelo jornal O Estado de São Paulo e retirado do site Amazônia.org.br.