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Ricos dizem querer pagar, mas são impedidos

Paris, França, 2/9/2011 – Diante da grave crise da dívida soberana dos países mais industrializados, várias das pessoas mais poderosas do mundo pediram urgência ao governo no sentido de aumentar os impostos sobre a riqueza. O financista norte-americano Warren Buffet, considerado o terceiro homem mais rico do mundo, criticou a política fiscal dos Estados Unidos por proteger os ricos. Seguindo seu exemplo, numerosos milionários europeus mostraram sua vontade de pagar mais impostos para fortalecer as finanças estatais.

“É necessária a justa contribuição dos ricos” para resolver o problema da dívida soberana da Europa, afirmou Maurice Lévy, presidente da Associação Nacional de Empresas Privadas, em uma coluna publicada pelo jornal francês Le Monde. “Me parece normal nós, que tivemos a sorte de fazer dinheiro, desempenharmos nosso papel de cidadãos e contribuirmos com o esforço nacional”, escreveu Lévy, que ocupa o 238º lugar na lista dos mais ricos da França. “Em minha opinião, é necessária a contribuição dos mais ricos”, afirmou.

Outras 16 pessoas muito ricas compartilharam sua vontade de fazer uma “contribuição excepcional” na forma de impostos para resolver a crise de endividamento. Lévy e seus pares reviveram o debate sobre política fiscal e justiça social na França, iniciado em 2007, quando o presidente Nicolas Sarkozy introduziu um teto tributário e reduziu consideravelmente os impostos sobre a riqueza. A medida derivou em um aumento do déficit fiscal, que passou de 2,7% do produto interno bruto para 7,1% atualmente. A dívida saltou do equivalente a US$ 1,751 trilhão, em 2007, para US$ 24,5 trilhões este ano.

O sistema francês tem centenas de exceções que permitem aos ricos reduzir mais sua carga fiscal. Mais da metade das 5.800 pessoas mais ricas pagaram menos de 25% de impostos em 2010, segundo o Instituto Nacional de Estatística e Estudos Econômicos. Enquanto isso, a carga de impostos de 50% para as famílias das classes média e baixa pode representar até 45% de sua renda. A política fiscal contribuiu para uma forte concentração da riqueza, 10% da população francesa possui mais de 60% da riqueza do país.

No dia 24 de agosto, o governo francês anunciou a criação temporária de um imposto adicional sobre a renda para 3% das famílias com renda anual superior ao equivalente a US$ 723 mil. Esta cobrança se manterá enquanto o déficit superar 3% do produto interno bruto. Além disso, também anunciou um severo plano de austeridade para reduzir o gasto do Estado em US$ 14,467 bilhões ao ano, a partir de 2012. Mas, as medidas foram criticadas por serem consideradas “cosméticas e contraproducentes”.

O imposto temporário sobre a riqueza arrecadará menos de US$ 289 milhões, disse à IPS o economista Guillaume Duval. “Não é nada, comparado com os benefícios que o governo concedeu no ano passado às pessoas mais ricas ao reduzir sua carga de impostos”, afirmou. As medidas de austeridade não farão mais do que afogar o já débil crescimento econômico, alertou Duval. Na Alemanha, as reclamações para aumentar os impostos sobre a riqueza remontam ao final de 2005. Um grupo de 21 pessoas com muito dinheiro escreveu uma carta aberta à chefe de governo, Angela Merkel, pedindo aumento das taxações sobre os ativos, o que na época representaria cerca de US$ 54,9 bilhões líquidos.

“Os ricos da Alemanha estão dispostos a pagar mais impostos” e contribuir para a justiça social, disse na oportunidade o armador Peter Kraemer, um dos signatários da carta aberta. O chamado, até agora ignorado, foi repetido no mês passado, desta vez por alguns membros do governante partido União Democrata Cristã (UDC), de Merkel. O especialista Norbert Barthle, da UDC, afirmou que as “pessoas ricas deveriam pagar impostos mais altos” para resolver a crise de endividamento. A dívida soberana da Alemanha passa dos US$ 2,89 trilhões.

O aumento de impostos para pessoas mais ricas ajudará a resolver a crise do endividamento e, também, a restabelecer a justiça social, afirmou Giacomno Corneo, professor de finanças públicas da Universidade Livre de Berlim. “Há 20 anos, testemunhamos a concentração da riqueza na Alemanha e em outros países industrializados”, observou Corneo à IPS. “As cinco mil famílias mais ricas da Alemanha aumentaram sua riqueza em 50%, enquanto a renda real média ficou estável”, destacou.

As crescentes diferenças na renda corroem o tecido social, afirmou o professor. “Nas décadas de 1950 e 1970, os impostos sobre os salários representaram 50% da arrecadação de impostos. A outra metade procedia da taxação da riqueza. Atualmente, os trabalhadores contribuem com 90%, enquanto a carga fiscal dos ricos caiu para menos de 10%”, acrescentou Corneo.

A política de redução fiscal praticada pelos governos europeus desde o começo da década de 1990 não teve efeitos positivos sobre o crescimento nem sobre a evasão de impostos, explicou Corneo. Além disso, também teriam de ser taxados os lucros dos bancos para pagar os gigantescos resgates financiados pelos Estados após a eclosão da crise financeira mundial há três anos, ressaltou. No entanto, na Alemanha não se dá nenhuma atenção a isso. O governo conservador de Merkel avalia realizar mais reduções fiscais para 2013. Envolverde/IPS